O que se passa na cabeça do psicoterapeuta?

Por Ana Flávia Hosken e Carlos Augusto de Medeiros

Sabemos que, durante os atendimentos clínicos, os terapeutas fazem muitas coisas ao mesmo tempo: acolhem, analisam o caso, formulam hipóteses, realizam intervenções etc. Nessa mistura de comportamentos públicos e privados, o terapeuta é capaz de inovar, intervindo de maneira individualizada conforme as demandas do terapeutizando. Mas quais seriam os processos comportamentais por trás disso? O presente texto tem como objetivo abordar, sob o ponto de vista comportamental, o processo criativo envolvido na psicoterapia, trazendo reflexões sobre variáveis que podem controlar o comportamento do terapeuta.

Pensamento e Comportamentos Privados

No Behaviorismo Radical, o pensamento é visto como uma palavra que agrupa diferentes comportamentos operantes em sua maioria privados, ou seja, observáveis a apenas quem os emite (Skinner, 1974/2006). Por conseguinte, o que pensamos e como pensamos está relacionado à nossa história de exposição às contingências. Focando no comportamento verbal, aprendemos a descrever o ambiente – e a nós mesmos – a partir das descrições que recebemos de outras pessoas e das práticas de reforçamento da comunidade verbal como um todo. Esse comportamento também se torna encoberto em certas condições. Nesses casos, falante e ouvinte são a mesma pessoa (Skinner, 1957/1978). Assim, segundo Skinner (1957/1978), quando uma pessoa fala consigo mesma, é simplesmente mais fácil fazê-lo de forma encoberta em certos contextos, uma vez que, fazê-lo de forma pública possui maiores chances de produzir punição, por exemplo. Dessa forma, é possível observar que os comportamentos de “pensar” e “dizer” produzem consequências distintas, o que traz vantagens e desvantagens para ambos. Lembrando que o pensar verbal também é um dizer, ainda que privado.

Na psicoterapia, um bom exemplo pode ser observado quando comparamos situações nas quais o profissional faz suas análises de maneira privada ou as verbaliza sob a forma de regras, descrevendo as contingências que controlam o comportamento do terapeutizando (regras analíticas ou descritivas) e/ou fornecendo instruções sobre o que ele deve fazer (regras mando ou prescritivas). Medeiros (2010) discute sobre possíveis efeitos da emissão de regras no contexto terapêutico, dentre eles, o fato de o terapeuta não criar condições para que o terapeutizando aprenda a identificar as variáveis que controlam seu comportamento, bem como a manutenção de padrões de passividade. Para promover a autonomia, portanto, é recomendado que o terapeuta crie condições mais favoráveis para que o terapeutizando emita as próprias regras. Na Psicoterapia Comportamental Pragmática, o procedimento utilizado para este fim é o Questionamento Reflexivo, realizado por meio de cadeias de questões (Medeiros, 2020).

O que se passa pela cabeça do psicoterapeuta?

Ainda conforme a proposta de Medeiros (2020), as perguntas têm como função prover estimulação suplementar que tornem a resposta-alvo mais provável de ocorrer. Em outras palavras, as perguntas abertas do terapeuta aumentam a probabilidade do terapeutizando analisar o próprio comportamento e, quando encadeadas com um objetivo específico (a depender das análises funcionais), favorecem a emissão de respostas do terapeutizando acerca desse objetivo, isto é, autorregras que sejam mais úteis para ele. Enquanto faz as perguntas, porém, o terapeuta precisa estar atento às respostas do terapeutizando, pensar sobre a próxima pergunta, retomar e reformular suas hipóteses quando necessário e emitir outras respostas que demonstrem acolhimento e atenção, tais como manter contato visual e assentir com a cabeça.

Assim, da mesma forma que o terapeuta provê estimulação suplementar, podemos considerar que o terapeutizando também provê estimulação para o terapeuta através de suas respostas, aumentando a probabilidade de que o terapeuta realize análises mais precisas. Nesse processo também podemos citar outras variáveis, tais como as respostas emocionais que o terapeutizando elicia no terapeuta com seu relato e outros comportamentos emitidos em sessão; como essas emoções se relacionam a outros eventos da vida do terapeuta; análises bem-sucedidas no passado de casos semelhantes; as orientações de um supervisor; dentre outros. No ponto de vista analítico-comportamental, tais relações não estão “na nossa cabeça”, são respostas evocadas sob certas condições a partir do compartilhamento de propriedades entre estímulos e da emergência de novas relações, conforme as interações do terapeuta com o ambiente.

É nesse ponto que podemos começar a responder questões como: “Como formular boas perguntas?”, “O que devo perguntar para fazer uma análise precisa?”, “Como interagir de forma mais efetiva com meu terapeutizando?”, “Como fazer intervenções criativas adaptadas para cada demanda?” dentre outras. Considerando que estamos falando de comportamento verbal e emergência de novas relações, podemos dizer que tais relações são arbitrárias, tendo em vista as práticas da comunidade verbal e os símbolos que ela utiliza. De acordo com a Teoria das Molduras Relacionais (de Rose, Perez & Almeida, 2022), tais relações emergem (derivam) de treinos com múltiplos exemplares de maneira que, após ser exposto a tantas relações entre classes de respostas, o indivíduo aprende a relacionar. As molduras relacionais, portanto, seriam categorias de formas diferentes de relacionar classes de respostas, dentre elas: coordenação, oposição, distinção, comparação, hierarquia, temporal, espacial, causalidade e tomada de perspectiva (dêitica). Na relação terapêutica, o terapeuta tanto avalia a maneira como classes de respostas estão relacionadas na história do terapeutizando quanto intervém para ampliar essas molduras, favorecendo a transferência de função entre estímulos. Para que isso ocorra, os estímulos que o terapeutizando provê também terão suas funções alteradas para o terapeuta, na medida que se relacionam com outras classes de respostas e evocam novas análises.

Ao analisar o comportamento criativo enquanto um operante, Neves Filho (2018) aponta três pressupostos básicos associados aos níveis de seleção do comportamento: nossa história filogenética resultou em organismos que pudessem emitir comportamentos inovadores; há condições ambientais no nível ontogenético que selecionam esses comportamentos pelas consequências; e esses produtos criativos são julgados como tais pela nossa cultura, podendo ser estimulados ou inibidos a depender do contexto social. No que refere aos comportamentos do terapeuta, pode-se dizer que suas intervenções são selecionadas pelas consequências que produzem dentro e fora do processo terapêutico, e seu histórico de aprendizagem nos estudos, supervisão, cursos e discussões entre colegas poderá favorecer a emissão de respostas cada vez mais eficazes. Além disso, cabe ressaltar a importância de o terapeuta conhecer temas diversos do cotidiano, arte e cultura de forma geral, que contribuirão para intervenções mais sensíveis ao contexto social em que o terapeutizando vive.

Ainda sobre inovação e criatividade, Skinner (1974/2006) faz uma analogia entre o comportamento criativo e as mutações na biologia, considerando que o comportamento criativo pode ocorrer aleatoriamente e ser selecionado a partir de recombinações de repertórios. A recombinação de repertórios pode ser um repertório aprendido como um operante de ordem superior. Em outras palavras, o indivíduo pode se expor deliberadamente a estímulos de modo a evocar, em si mesmo, a emissão de resposta consideradas criativas por uma comunidade verbal, como nos exemplos citados por Skinner de um do pintor que utiliza uma cor diferente, o compositor que permuta melodias e harmonias antigas, entre outros. No âmbito do comportamento verbal, Skinner ainda acrescenta que modificações nas narrativas podem conduzir a novos cenários, o que também podemos relacionar ao trabalho do terapeuta na medida que, nas interações com o terapeutizando, o conduzem para novas perspectivas e vice-versa.

Quais pensamentos são inúteis ao psicoterapeuta e atrapalham mais que ajudam?

Além dos pontos abordados sobre as análises e intervenções, vale mencionar outras contingências concorrentes durante as sessões. Em diversos momentos, o terapeuta pode fazer a si mesmo questões do tipo: “Será que o terapeutizando vai entender o que estou dizendo?”, “O que meu supervisor vai achar do que estou fazendo?”, “O que o terapeutizando acha de mim?”, ou até afirmações sobre si mesmo, tais como “Sou um péssimo terapeuta, não dou conta deste caso”. Ao se questionar constantemente sobre o próprio desempenho, há uma mudança no controle de estímulos de maneira que o comportamento do terapeuta pode ficar mais sob controle de variáveis irrelevantes à sessão (o próprio desempenho), ficando menos sensível às contingências atuais do atendimento. Em outras palavras, o terapeuta “se afasta” do momento presente, deixando de perceber respostas relevantes do terapeutizando, o que pode prejudicar futuras análises e até o vínculo com o terapeutizando, a depender de como essas preocupações são expressas (perda do contato visual, perguntas mais vagas, sinais de nervosismo, entre outros).

Outros pensamentos que podem ser evocados se referem a questões mais triviais, quando por exemplo o terapeutizando está relatando sobre o jantar que fez e o terapeuta se recorda que não lavou a louça da noite passada. Todos esses pensamentos podem e vão acontecer eventualmente, tendo em vista que são comportamentos operantes e, como tais, são mais prováveis de ocorrer sob certas condições. Tendo isso em vista, cabe ao terapeuta analisar essas condições e as possíveis consequências de responder a esses pensamentos, desenvolvendo o próprio autoconhecimento. Além disso, lutar contra esses pensamentos durante a sessão seria infrutífero, pois novamente o comportamento do terapeuta ficaria sob controle de variáveis irrelevantes para o atendimento. Considerando que “atenção” está relacionada à discriminação (Catania, 1998/1999) – responder perante um estímulo – é importante que os comportamentos do terapeuta fiquem sob o controle dos comportamentos do terapeutizando e não das variáveis irrelevantes mencionadas.

O que deveria controlar o comportamento do terapeuta afinal?

Por fim, ressalta-se que as contingências de reforçamento são fundamentais para o estabelecimento de um responder discriminado. Desse modo, o que deve controlar o comportamento de um terapeuta não devem ser reforçadores simbólicos do tipo: “o terapeutizando gostar dele”; “a aprovação do supervisor”; “a possibilidade de crítica dos colegas”; “erros”; “indícios de que é um bom terapeuta”; entre outros. Caso os comportamentos do terapeuta fiquem sob o controle das mudanças de comportamento do terapeutizando no sentido desejado, será muito mais provável que seu comportamento de atentar fique sob o controle dos estímulos relevantes em terapia. Para que isso ocorra, porém, é necessário que o terapeuta se exponha a contingências que favoreçam a inovação, seja nos estudos, na escolha de um bom supervisor, no lazer e outras atividades.

Referências:

Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. (Schmidt, A., Souza, D. G., Capovilla, F. C., de Rose, J. C. C., Reis, M. J. D., Costa, A. A., Machado, L. M. C. M. & Gadotti, A., Trads.). (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed. (Obra originalmente publicada em 1998).

de Rose, J. C., Perez, W. F. & Almeida, J. H. (2022). Teoria das Molduras Relacionais: compreendendo os conceitos básicos. Em W. F. Perez, R. Kovac, J. H. de Almeida & J. C. de Rose (Orgs.) Teoria das Molduras Relacionais (RFT) Conceitos, pesquisas e aplicações.  (1ª ed., pp. 23-45). Centro Paradigma Ciências do Comportamento.

Medeiros, C. A. (2010). Comportamento governado por regras na clínica comportamental: algumas considerações. Em A. K. C. R. de-Farias. (Org.). Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. (1ª ed., v. 1, pp. 95-111). Artmed.

Medeiros, C. A. (2020). Questionamento reflexivo: um modo de intervir sem emitir regras para o cliente. Em I. C. Alencar, D. Lettieri & D. F. V. Lobo. (Orgs.), Análise do comportamento e suas aplicações: desafios e possibilidades. (1ª ed., v. 1, pp.106-119). Imagine Publications.

Neves Filho, H. B. (2018). Criatividade: suas origens e produtos sob uma perspectiva comportamental. (1ª ed). Imagine Publicações.

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix. (Obra originalmente publicada em 1957).

Skinner, B. F. (2006). Sobre o behaviorismo. (M. P. Villalobos, Trad.). (10ª ed.). São Paulo: Cultrix. (Obra originalmente publicada em 1974).

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