O que fazer quando seu paciente em risco de suicídio não tem contato de segurança?

Atender clientes em risco de suicídio pode mobilizar diversos afetos, entre eles, a um estado de constante alerta e preocupação da parte do terapeuta. Em certa medida, todo esse processo é influenciado porque somos culturalmente orientados para o futuro e ficamos sob controle do que pode acontecer com esse cliente.

Antes de respondermos diretamente à pergunta que deu o título deste texto, precisamos nos perguntar: quais critérios usamos para enquadrar o paciente como uma pessoa que está em risco de suicídio?

Descrever claramente como o clínico realiza essa avaliação do risco é uma tarefa de suma importância, tanto em termos terapêuticos, quanto em termos legais, visando o registro de que uma avaliação cuidadosa e precisa foi conduzida. Portanto, uma das funções do terapeuta é, não apenas nas sessões iniciais, mas de forma constante, mapear esse risco. Apesar de haver escalas e tentativas de mensurar o risco, por enquanto, não há nenhum algoritmo empiricamente sustentado para acessar a probabilidade de um paciente tentar ou morrer por suicídio (Franklin et al., 2017).

Na ausência de evidências de melhor qualidade, há certo consenso entre os pesquisadores e clínicos da área de que algumas variáveis, se presentes, devem ser objeto de atenção do clínico, por estarem associadas a um risco maior de uma futura tentativa ou morte por suicídio, como; número de tentativas prévias, estágio de planejamento em relação ao ato em que a pessoa se encontra, a presença de transtornos mentais ou físicos persistentes e resistentes ao tratamento, bem como o acesso que o indivíduo tem a meios letais (Bryan & Rudd, 2006).

Além de ainda não termos uma ferramenta precisa para a previsão do risco de suicídio, outra variável a qual devemos estar atentos, é a volatilidade inerente às crises suicidas. De acordo com a teoria da vulnerabilidade fluida (Rudd, 2006), o risco de suicídio compreende propriedades estáveis, as distais, e propriedades dinâmicas, as proximais. O risco basal compõe o elemento mais estável do risco, enquanto o risco agudo tem uma característica mais transitória.

Nesse sentido, é importante que tenhamos ferramentas capazes de diagnosticar a “fotografia atual” em relação ao risco do paciente, contudo, levando em conta a natureza dinâmica das crises suicidas, um mesmo paciente que foi avaliado como tendo baixo risco na sua última sessão, pode acabar sendo exposto a variáveis que desencadeariam uma reação, influenciando no risco agudo.

Essa é uma incerteza em certa medida aflitiva para os profissionais da saúde mental que trabalham com o risco de suicídio, tendo em vista que “buscamos prever e controlar o comportamento de outras pessoas (e também o nosso próprio comportamento), porque essa não é apenas uma parte cotidiana de nossa vida, ela é fundamental para qualquer relação social” – trecho retirado deste texto, também publicado aqui no nosso portal.

Não podemos prever, nem controlar em absoluto, mas podemos nos munir de estratégias para minimizar o risco de um desfecho fatídico para esses casos. Talvez você esteja se perguntando: afinal, qual é a melhor forma de nos precavermos para podermos acessar esses pacientes em eventualidades?

Idealmente, o psicólogo ao iniciar o atendimento de todos os pacientes, deveria coletar pelo menos um contato de emergência, que é o contato de alguém da família ou rede de apoio do paciente, que poderá ser acessado em eventualidades. Antes mesmo de saber se é um caso permeado por pensamentos e comportamentos suicidas. Isso porque, emergências de quaisquer naturezas podem ocorrer e é importante termos esse contato registrado. Contudo, sabemos que, na realidade, nem sempre a coleta desse dado é feita.

Muitos clínicos têm o receio de que pedir o contato irá colocar o vínculo terapêutico em risco. Contudo, uma conversa franca sobre os casos em que será necessário acessar esse contato, tende a ser bastante efetiva para tranquilizar os pacientes que porventura se preocupem em fornecer esse dado.

Nos casos de pacientes com demandas relacionadas à suicidalidade, ter esse contato se faz ainda mais importante, considerando a imprevisibilidade e gravidade de potenciais consequências de comportamentos autolesivos e suicidas.

Com este post pretendemos te ajudar a coletar com antecedência os contatos e não remediar eventuais situações em que o paciente apresenta algum tipo de comportamento preocupante ou para abruptamente de responder, por exemplo.

Apesar de, como dito anteriormente, os pacientes não terem tanta relutância em fornecer os contatos, é comum que eles digam que não conhecem ninguém, não têm familiares próximos ou não têm proximidade o suficiente com ninguém para fornecer o contato.

Aqui está um conjunto de estratégias que podem te ajudar nesse momento de coletar o contato de emergência, caso o paciente esteja com dificuldade de elencar alguém:

➡️ Caso o cliente se sinta confortável, pedir para ele olhar contato por contato da agenda telefônica do celular. Dessa maneira, mostrando os contatos ao terapeuta, ele pode se lembrar de algum parente ou amigo que não cogitava como possibilidade. Perguntas como: “qual foi a última vez que vocês estiveram em contato, qual é o nível de proximidade de vocês ou de onde vocês se conhecem?” podem ajudar;

➡️ Caso o cliente more em prédio, ele pode alinhar com os porteiros, o síndico ou o zelador a possibilidade de passar seus contatos, já que são pessoas que estarão fisicamente próximas e poderão acessar o cliente em caso de eventualidades;

➡️ Nessa mesma lógica de privilegiar contatos que estão próximos, uma alternativa pode ser pedir para que o cliente acione os vizinhos, explique que está passando por uma fase difícil, mesmo que não tenha contato próximo;

➡️ Pedir para que o cliente se aproxime de profissionais de CAPS / UBS / postos de saúde mais próximos da casa dela, frequentando se possível e dizendo da necessidade de ter o contato, verificando a possibilidade de registrar esse número e indicar para o psicólogo.

Ter o contato de emergência do paciente não contribuirá no sentido de incrementar a probabilidade de prevermos uma possível fatalidade. Nem contribuirá para controlarmos o desfecho para cada paciente, mas nos munirá da certeza de que, pelo menos, temos outras vias para poder acessar o paciente que se encontra em um contexto de maior vulnerabilidade.

Referências bibliográficas:

  1. BRYAN, C. J.; RUDD, M. D. Advances in the assessment of suicide risk. J. Clin. Psychol., v. 62, n. 2, p. 185-200, Feb. 2006. doi: 10.1002/jclp.20222.
  2. BRYAN, C. J.; RUDD, M. D. Brief cognitive-behavioral therapy for suicide prevention. Guilford Press, 2018.
  3. FRANKLIN, J. C. et al. Risk factors for suicidal thoughts and behaviors: A meta-analysis of 50 years of research. Psychol. Bull., v. 143, n. 2, p. 187-232, Feb. 2017. doi: 10.1037/bul0000084.
5 9 votes
Article Rating
Loren Beiram

Escrito por Loren Beiram

Quando somente na vida adulta o cliente descobre que a “brincadeira de criança” era, na verdade, um jogo sexual transtornado análogo a abuso sexual infantil

Formação em ACT e FAP – Atitude Cursos