Você sabe o que seu/sua cliente espera da psicoterapia? A expectativa dos resultados psicoterapêuticos como um elemento-chave da relação terapêutica

Você investiga as expectativas do/a cliente em relação à psicoterapia? O quanto você faz isso? Você sabe o que ele/a pode ter de expectativas antes mesmo de estar com você em uma primeira sessão? Quais impressões ou concepções ele/a pode apresentar sobre que significa fazer psicoterapia? E durante cada sessão, como você identifica as expectativas dele/a? 

A proposta dessa publicação é trazer a você, leitor, o tema de expectativas do cliente em psicoterapia, o qual se constitui como um dos elementos da relação terapêutica que foi considerado pela força-tarefa da Associação Americana de Psicologia (APA) como relevante na interação terapeuta-cliente e em prováveis relações entre esse elemento e resultados na psicoterapia. Você já checou o primeiro artigo dessa série sobre relação terapêutica? Está aqui e nele eu faço uma apresentação dos elementos já estudados pela Divisão 29 da APA e trago a reflexão, sob o ponto de vista da análise do comportamento e das contribuições da Psicoterapia Analítica Funcional, sobre como poderíamos analisar o que é relação terapêutica e a sua importância para o desenvolvimento da psicoterapia.

Segundo autores que compuseram a força-tarefa norte-americana, as expectativas do/a cliente envolvem suas crenças pessoais sobre as consequências que ele/a acredita que vivenciará ao realizar um tratamento para a sua saúde mental. A expectativa reflete, então, uma previsão pessoal dos clientes sobre como eles acreditam que irão responder a um tratamento sobre o qual irão começar ou já iniciaram. Essas expectativas podem envolver como o/a cliente e seu/sua terapeuta irão se comportar (expectativas de papéis); como eles vivenciarão subjetivamente a psicoterapia (expectativas de processo); e quanto tempo durará a psicoterapia (expectativa de duração) (Constantino, Vista, Coyne and Boswell, 2019).

Segundo os autores (Constantino et al., 2019), as expectativas de resultado existem antes do cliente ter qualquer informação substancial sobre o tratamento futuro ou de ter vivido a interação com o terapeuta. E há algumas maneiras sobre as quais elas podem aparecer, isto é, elas podem ser: 

– positivas: “acredito que a psicoterapia pode me ajudar”

– deficientes: “não consigo me imaginar me sentindo melhor com o tratamento” 

– negativas: “tenho medo de me sentir pior com a terapia”

– ambivalentes: “posso tentar, mas não tenho certeza se vai funcionar”

– irrealistas: “acredito que a psicoterapia pode eliminar meu sofrimento” 

Além disso, as expectativas podem se sobrepor e, inclusive, serem conflitantes. Por exemplo, “quero muito mudar, mas desde que o sentimento X ou a situação Y não mude”.

Os achados estudados pela força-tarefa demonstraram que as expectativas mais positivas antes ou no início do tratamento psicoterapêutico estão relacionadas a experiências mais positivas de aliança terapêutica, o que, por sua vez, está relacionado a melhores resultados (p.e. Johansson et al., 2011; Visla et al., 2016; Yoo et al., 2014). Nesse caso, clientes que têm uma expectativa mais positiva (em comparação com uma mais pessimista) possivelmente têm maior probabilidade de se envolverem em uma relação de trabalho colaborativa com o/a terapeuta, o que, por sua vez, aumentaria as chances de melhora clínica. O estudo de Visla et al. (2016) demonstrou, também, que a aliança terapêutica e a expectativa podem ter uma influência bidirecional, isto é: a expectativa não apenas pode ajudar a promover o envolvimento inicial na relação terapêutica, mas a experiência dessa relação pode influenciar a crença do/a cliente sobre a eficácia pessoal do tratamento.

Pois bem, o que podemos fazer com essas informações, então?

Inserir esses achados na relação com seus clientes! Como? Os autores (Constantino et al., 2019) recomendam que avaliar as expectativas no processo terapêutico se torne uma habilidade presente no repertório do terapeuta. O sugerido pelos pesquisadores, primeiramente, é que nossa avaliação pode ocorrer com perguntas sobre a psicoterapia em geral, por exemplo “como você acha que a psicoterapia funciona? Eu vou lhe explicar, mas gostaria muito de saber o que você pensa e acha antes.” 

Em segundo lugar, com perguntas centradas no tratamento proposto, por exemplo “agora que você ouviu como eu costumo trabalhar, você acredita que essa forma seja útil para você?”. Observar que há expectativas com propriedades negativas ou conflitantes, assumindo uma postura acolhedora e solidária é um importante caminho. Isso pode ser feito por meio de da psicoeducação ligada à queixa do/a cliente e apresentando resultados gerais que indicam prognósticos positivos da psicoterapia para o cliente, bem como apresentando pontos fortes do repertório do/a cliente que já puderam ser identificados na avaliação inicial. E é claro, tudo isso lembrando do bom e velho equilíbrio, com doses importantes de realismo e favorecendo um ambiente interpessoal mais natural possível.

Os autores recomendam (Constantino et al, 2019), também, que as expectativas sejam verificadas regularmente (e não apenas no início). Uma pergunta que vejo ser comum em psicoterapeutas é: “mas a expectativa do paciente é confiável no início?”. De fato, concordamos que as expectativas e as preferências (um próximo tópico dessa série) do cliente podem mudar em função do maior desenvolvimento de autoconhecimento do cliente. Contudo, o fato de as expectativas mudarem não significa que não devemos dar atenção a elas. 

Naquele momento, naquele exato momento em que o cliente explana suas expectativas, talvez o que possamos ter acesso é que ele acredita naquela expectativa. O que ele acredita é o que faz ele ter aquela expectativa. O que ele acredita e prefere, naquele exato momento, é o que ele tem para oferecer de expectativa. E os dados da força-tarefa nos mostram que acolher de forma humilde, com consideração positiva e empática, torna-se um caminho mais promissor para a aproximação das mudanças que ele deseja. Insistir no contrário pode ser impor uma mudança sobre a qual o cliente possivelmente ainda não está preparado.

Por isso, perguntas recorrentes, podendo ser feitas a cada sessão (com variações para que também não seja maçante e robotizado) podem nos dar respostas sobre como estão as expectativas do cliente e se elas têm mudado. Exemplos: “o que você veio pensando sobre sua sessão e a sua terapia antes de começarmos nosso encontro hoje?”; “O que você espera da sessão de hoje?”; “Você está mais otimista, pessimista ou neutro com relação ao nosso encontro hoje?”; “Pensando em quais eram suas expectativas para o encontro de hoje, como você está sentindo agora ao fim da sessão?”; Você acha que a sessão atendeu a como você achava que seria?”.

E aí, não posso deixar de falar da nossa querida FAP aqui. Ela apresenta sugestões muito interessantes[1] de avaliação inicial[2], de fase intermediária[3] e de fase final do processo terapêutico[4], bem como avaliação (feita pelo cliente) entre as sessões[5] e em algumas delas podemos observar perguntas que investigam as expectativas do cliente. Recomendo muitíssimo para que elas sirvam de inspiração do que é muito importante desenvolvermos em nosso repertório como psicoterapeutas quando o assunto é aumentarmos nossa consciência sobre as expectativas do/a cliente.

Espero que tenham gostado do tema e que seja útil para vocês!

Gabi.

Referências

Constantino, M. J., Vista, A., Coyne, A. E., & Boswell, J. F. (2019). Cultivating positive outcome expectation. In J. C. Norcross & M. J. Lambert (Eds.), Psychotherapy relationships that work – Volume I: Evidence-based therapist contributions (pp. 461-494). Oxford University Press.

Johansson, P, H0glend, P, & Hersoug, A. G. (2011). Therapeutic alliance mediates the effect of patient expectancy in dynamic psychotherapy. British Journal of Clinical Psychology, 50, 283-297. https://www.doi.org/10.1348/014466510X517406

Norcross & M. J. Lambert (Eds). (2019). Psychotherapy Relationships That Work – Volume I: Evidence-Based Therapist Contributions. Oxford University Press. 

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2011). Um Guia para a Psicoterapia Analítica Funcional: consciência, coragem, amor e BehaviorismoSão Paulo: ESETEc.

Visla, A., Constantino, M. J., Newkirk, K., Ogrodniczuk, J. S., & Sochting, I. (2016, August). The relation between outcome expectations, therapeutic alliance, and outcome among depressed patients in group cognitive-behavioral therapy. Psychotherapy Research. Advance online publication. https://www.doi.org/10.1080/10503307.2016.1218089

Yoo, S., Hong, S., Sohn, N., & O’Brien, K. M. (2014). Working alliance as a mediator and moderator between expectations for counseling success and counseling outcome among Korean clients. Asia Pacific Education Review, 15, 271-281. https://www.doi.org/10.1007/ s12564-014-9320-2


[1] Todas as sugestões abaixo podem ser encontradas nos Apêndices do Livro “Um Guia para a Psicoterapia Analítica Funcional: consciência, coragem, amor e Behaviorismo” de Tsai e cols. (2011). 

[2] Apêndice B: FAP – Questionário Preliminar FAP de Informações do Cliente e Apêndice F: Questionário de Início de Terapia

[3] Apêndice G: Questionário para a Fase Intermediária da Terapia

[4] Apêndice K: Ferramentas para a Etapa Final da Terapia

[5] Apêndice D: FAP – Formulário de Ponte entre Sessões


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Escrito por Gabriela Martim

Psicóloga, especialista e mestra em Psicologia Clínica. Treinadora e Terapeuta Certificada em Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Amante das relação terapêutica. Atua com psicologia clínica (presencial em Curitiba-PR e online), supervisora e professora.

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