Recursos Terapêuticos no Atendimento com Adolescentes

O presente artigo é fruto de trabalhos realizados para o Curso em Terapia Analítico-Comportamental Infantil, promovido e orientado pela psicóloga Amanda Viana dos Santos (CRP – 09/14306) por meio do projeto Guia Prático dos Pequenos (disponível no Instagram @guiapraticodospequenos). A proposta dos trabalhos foi apresentar recursos terapêuticos como apoio ao terapeuta no processo psicoterápico com adolescentes. O manuscrito foi escrito por Beatriz S. Santos, Gabriella Antônia Resende dos Santos, Érika de Abreu Silva, Claubia Figueiredo de Oliveira, Ana Catarine Medeiros Barreiros, Verônica Maria Figueiredo de Queluz e Amanda Viana dos Santos.

O uso de recursos terapêuticos é comumente utilizado na terapia analítico-comportamental, como no caso dos atendimentos com adolescentes. Esses materiais podem servir como apoio para o terapeuta atingir diversos objetivos, como a coleta de informações, análise funcional dos comportamentos clinicamente relevantes, intervenção comportamental e criação do vínculo terapêutico. Alguns exemplos desses recursos são jogos de tabuleiro, baralhos terapêuticos, histórias literárias, entre outros (e.g., Gadelha & Menezes, 2004; Rossi, Linares & Brandão, 2020). Contudo, grande parte desses recursos são desenvolvidos e voltados para o atendimento com crianças, como descrito em diversos estudos (e.g., Gadelha & Menezes, 2004; Rossi, Linares & Brandão, 2020; Conte & Regra, 2000; Monteiro & Amaral, 2019). Pela carência de recursos terapêuticos desenvolvidos especialmente para adolescentes, o presente artigo tem como objetivo descrever quatro recursos e atividades como apoio ao terapeuta no atendimento com adolescentes com diferentes demandas clínicas.

A primeira atividade, desenvolvida pela Beatriz Santos, consiste em um jogo de tabuleiro de perguntas e respostas, chamado “Brincadeira de Adolescente”. O jogo tem o objetivo de auxiliar na criação e fortalecimento de vínculo com o paciente, além de ser um instrumento que auxilia na coleta da história de vida do adolescente, que norteia o psicólogo na estruturação dos objetivos terapêuticos (Ilustração de parte do material na Figura 1).

Figura 1. Parte do recurso “Brincadeira de Adolescente”.

Por estar em um formato de brincadeira, o recurso permite ao adolescente, muitas vezes colocado em uma posição de adulto, experienciar situações condizentes com sua idade. Isso é possível pelas perguntas terem configuração simples e didática, adequadas ao contexto de vida, dialogando com o dia a dia, suas preferências e gostos. Tendo em vista o objetivo proposto, espera-se que com esse recurso seja estabelecido um ambiente terapêutico seguro e confortável para o adolescente entrar em alguns assuntos dos quais geralmente se esquiva, foge ou que frequentemente é punido ao falar sobre. Em complemento, deseja-se que o recurso contribua com o vínculo terapêutico, o qual é essencial estar estabelecido para que haja andamento e progresso no processo psicoterápico.

O tabuleiro do jogo é composto por casas referentes a uma categoria de perguntas, sendo compostas de diferentes cores e contendo diferentes símbolos. As categorias de perguntas do jogo são: 1) coisas preferidas, 2) momentos preferidos, 3) sobre quem sou, 4) mímica, 5) lugares e 6) consequências.

Instruções: antes de iniciar o jogo, separe as cartas por cores e símbolos e coloque-as viradas para baixo, próximas ao tabuleiro. Em seguida, os jogadores devem tirar par ou ímpar para descobrir quem iniciará o jogo. Aquele que ganhar, inicia o jogo na segunda casa do tabuleiro e, o outro, na primeira casa. O movimento no tabuleiro ocorre de acordo com a informação contida em cada carta correspondente a casa na qual o jogador se encontra. A informação composta na carta é referente a quantas casas o jogador da vez irá andar. Caso o jogador caia na casa cuja carta informe “Fique uma rodada sem jogar”, na próxima jogada, basta avançar para a próxima casa. Ganha o jogo quem chegar primeiro ao final do tabuleiro.

Apesar de inicialmente o recurso ter sido desenvolvido pensando na relação terapeuta-adolescente, ele também pode ser adaptado com os responsáveis do adolescente inseridos na brincadeira, com o objetivo de fortalecerem conexões entre si e se conhecerem melhor. O recurso descrito é versátil: pode-se utilizar apenas as cartas, no formato de baralho terapêutico.

O segundo material, denominado “Autoconhecimento em Adolescentes” (Ilustração de parte do recurso na Figura 2), foi desenvolvido pelas autoras Gabriella Santos e Verônica Queluz. O recurso, no formato de folheto, tem como objetivo preparar o terapeuta para desenvolver o autoconhecimento e fortalecer o sentimento de autoestima em pacientes adolescentes. A ideia proposta é criar um fichário pessoal com diferentes seções, como: “coisas que eu gosto”; “minha infância”; “músicas que curto”; “filmes favoritos”; “artistas que me identifico”; “livros prediletos”; “uma opinião que tenho e que é polêmica”, entre outros pontos relevantes para o caso em questão que possibilite o paciente expressar como observa e se relaciona seu mundo externo e/ou interno. Para a construção desse material pelo adolescente, sugere-se que sejam separadas canetas coloridas, lápis de cor, fotos atuais e da infância do adolescente ou de pessoas significativas da vida dele e imagens de paisagens que lhe façam se sentir bem.

Figura 2. Capa do recurso “Autoconhecimento em Adolescentes”.

A participação do terapeuta no processo de construção deste material se faz fundamental para evocar e intervir nos conteúdos clinicamente relevantes do fichário. Por exemplo, questionar os sentimentos, lembranças e pensamentos sobre a imagem ou a escrita da seção em questão. Ao final da atividade, espera-se que o adolescente saiba dizer sobre seus comportamentos clinicamente relevantes, públicos ou privados, além das variáveis que provavelmente influenciam suas ocorrências. O jovem é livre para escolher guardar o fichário só para si ou mostrar para seus amigos e/ou familiares para que estes possam o conhecer melhor.

O terceiro recurso, “A Metáfora do Jardim” (retirado https://reservatoriodeinspiracao.wordpress.com/2016/01/07/a-metafora-do-jardim/), foi analisado pela Claubia Figueiredo em como colocá-lo em prática nos atendimentos clínicos (Ilustração de parte do recurso na Figura 3). O material visa trabalhar o repertório de autoconhecimento e responsabilidade em adolescentes, envolvendo a análise de escolhas e as consequências produzidas por essas escolhas.

Figura 3. Parte do recurso “A Metáfora do Jardim”.

A metáfora diz respeito a três jardineiros que possuem formas diferentes de trabalhar, na qual o primeiro apresentava um padrão comportamental de trabalhar arduamente, com completa dedicação ao jardim; o segundo, com um padrão comportamental de trabalhar menos que o primeiro na maior parte da época do ano, exceto nos períodos de seca, cujo desempenho era superior; por fim, o terceiro jardineiro, que escolhia realizar pausas durante o trabalho com o intuito de apreciar o jardim. À primeira vista, sob a ótica da cultura ocidental pautada no eixo “quantidade x produtividade”, pode-se julgar que o primeiro e o segundo jardineiro são os mais “responsáveis” ou “comprometidos” com os seus jardins em comparação com o terceiro (Matielo, 2016). Contudo, apesar de apresentarem padrões diferentes de trabalhar, todos têm sua importância. De acordo com a metáfora, o primeiro jardineiro simboliza aregularidade, por dedicar-se à cultivação do jardim. O segundo representa o equilíbrio, uma vez que busca descansar no momento da semente florescer e se dedica no momento da colheita. Por fim, o terceiro jardineiro configura-se como a sabedoria, pois, em suas pausas, reaprende seu trabalho, além de observar os efeitos de suas atitudes na prosperidade do jardim (Matielo, 2016).

É compreensível que esse contexto sociocultural possa influenciar a autocobrança de adolescentes em relação a atividades que precisam fazer, na maioria das vezes, independente de outros fatores envolvidos. Por exemplo, no contexto do adolescente estar na época de prestar vestibulares: “estou exausta, mas tenho que estudar sem parar para poder passar no vestibular”, “estudei o que deveria ter estudado no decorrer da semana, mas não vou descansar no final de semana para poder render ainda mais” etc. Espera-se que, ao final da atividade, o adolescente seja capaz de repensar como tem interagido com o mundo em termos de autocobrança nas atividades que precisa desempenhar, além de quais são as consequências a curto e a longo prazo dos seus próprios comportamentos.

O material desenvolvido é composto por duas folhas A4, em que é descrito a metáfora e, ao final, são apresentadas perguntas norteadoras ao terapeuta sobre a metáfora e a relação dela com o caso do cliente para serem feitas a ele. As perguntas são: “O que você está cultivando em seu jardim?”, “Quais atividades têm realizado que se comparam ao segundo jardineiro?”, “Você já se viu como o primeiro jardineiro? como se sentia?”, “De acordo com o texto, precisamos dos três jardineiros. Explique através de suas experiências como seria para você se organizar?”. Sugere-se que o recurso seja impresso e que terapeuta e o adolescente leiam e debatam a metáfora juntos, com o apoio das questões ao final. É importante que o terapeuta seja sensível às demandas do caso, podendo formular novas perguntas ou se aprofundar nas já formuladas, de modo que evoque conteúdos relevantes e possa intervir sobre eles.

O quarto recurso, desenvolvido pelas autoras Érika Abreu e Ana Catarine Medeiros, é denominado de “Compreendendo a Ansiedade” (Ilustração de parte do recurso na Figura 4). O objetivo da atividade é realizar psicoeducação aos adolescentes sobre a ansiedade: o que é, quais são os comportamentos respondentes e operantes envolvidos e estratégias de enfrentamento. Além disso, o material auxilia o terapeuta a coletar pontos e informações relevantes que possam contribuir com o processo terapêutico.

Figura 4. Parte do recurso “Compreendendo a Ansiedade”

A atividade consiste em, inicialmente, o profissional questionar ao paciente o que se sabe/entende sobre a ansiedade e, quando e se necessário, complementar ou esclarecer esse conceito. Após a explicação, o próximo passo é apresentar ao adolescente duas listas, uma se referindo aos respondentes e outra aos operantes geralmente envolvidos em pessoas que apresentam ansiedade. O jovem deverá marcar com um ‘X’ a alternativa que condiz com o que sente em seu corpo (respondentes) e/ou faz (operante). Em seguida, o psicólogo irá iniciar a construção das análises funcionais dos comportamentos do jovem, apresentando-lhe questões sobre quais situações eliciaram e/ou evocaram os respondentes e os operantes respectivamente assinalados nas listas anteriormente apresentadas, e o que fez para ajudar a enfrentar o problema o qual estava passando. Esse momento provavelmente dará direcionamento ao terapeuta sobre quais outras questões poderiam ser mais bem esclarecidas para uma análise mais completa e fidedigna. Embasado na análise funcional formulada, o profissional discutirá, junto com o paciente, estratégias de enfrentamento, organizados em uma tabela, para lidar com a ansiedade e tirar quaisquer dúvidas que o jovem tiver acerca das estratégias delimitadas, para que ele(a) sinta-se confortável e seguro, a fim de pôr em prática o que está sendo orientado. A última etapa da atividade consiste no adolescente realizar registro de seus comportamentos em uma folha com espaço em branco, sinalizando situações, comportamentos e consequências (este último em caso de comportamentos operantes) e reações alternativas (o que fez ou poderia ter feito diante da situação) de ansiedade que tenha passado durante a semana. Na sessão seguinte, o adolescente deverá mostrar ao terapeuta e discutir sobre o que foi vivenciado.

O recurso terapêutico descrito foi planejado para ser aplicado no contexto clínico, com duração mínima de duas sessões. Espera-se que o paciente tenha resultados como a compreensão do funcionamento da ansiedade e ser capaz de identificar os fatores que desencadeiam os comportamentos relacionados, além de aprender a colocar em prática os manejos de intervenção para enfrentamento das situações desencadeadoras da ansiedade.

Para baixar gratuitamente os recursos, clique neste link.

Portanto, materiais foram desenvolvidos com o intuito de auxiliar a prática do terapeuta no atendimento com adolescentes, visando o acesso a novas informações relevantes para a composição da análise funcional do comportamento do cliente e planejamento de intervenção terapêutica. O presente artigo não esgota possibilidades do uso de recursos terapêuticos com a referida população e instiga o leitor a refletir novas possibilidades de criação de materiais para análise e intervenção clínica.

Referências

Banaco, R.A. (1995). Adolescentes e Terapia Comportamental. Em: B. Rangé (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e problemas. São Paulo: Editorial Psy.

Conte, F. C. S. & Regra, J.A.G. (2000). A psicoterapia comportamental infantil: novos aspectos. In: E. F. M. Silvares (org), Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil.Vol. 1. (pp 79-13). Campinas: Papirus.

Gadelha, Y. A., & de Menezes, I. N. (2004). Estratégias lúdicas na relação terapêutica com crianças na terapia comportamental. Universitas: Ciências da saúde2(1), 57-68.

Monteiro, M. F., & Amaral, M. (2019). Terapia Comportamental Infantil: um panorama sobre o uso de estratégias lúdicas. Perspectivas em Análise do Comportamento10(2), 243-255.

Rossi, A., Linares, I. & Brandão, L. (2020). Introdução à terapia analítico-comportamental infantil. Em A. Rossi, I Linares., & L. Brandão (Orgs.), Terapia Analítico-Comportamental Infantil (pp 27-37). São Paulo: Centro Paradigma Ciências do Comportamento.

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Escrito por Amanda Viana dos Santos

Psicóloga infantojuvenil (CRP - 09/14306). Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com Prêmio Mérito Acadêmico Magna cum laude. Mestranda na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Coordenadora da Comissão de Estudantes da ABPMC (2021). Professora convidada do curso de Pós-Graduação em Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC. Pós-graduanda em Terapia Analítico-Comportamental Infantil pelo Instituto Skinner. Durante a graduação, foi membro do Laboratório de Análise Experimental do Comportamento/PUC GO, realizando iniciações científicas na área do comportamento de escolha, autocontrole e estilos parentais (bolsista CNPq). Criadora do projeto Guia Prático dos Pequenos, disponível no Instagram @guiapraticodospequenos. E-mail: amandapsico8@gmail.com

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