Um erro comum no primeiro atendimento de pacientes com comportamento suicida 

A avaliação do risco de suicídio em pacientes durante a primeira consulta psicológica é um dos aspectos mais desafiadores para o clínico. Constitui-se, compreensivelmente, um grande desafio, já que é comum que haja um histórico de despreparo técnico para lidar com a demanda, considerando as matrizes curriculares deficitárias de grande parte das graduações em psicologia no país, o histórico de inexperiência com casos de pacientes com comportamentos suicidas, acrescidos da mobilização de emoções desafiadoras ao lidar com essas questões, considerando sua gravidade. Esse texto tem o objetivo de prover um resumo da literatura da suicidologia, bem como aplicações clínicas a serem derivadas dessas orientações, para o manejo clínico desses casos.

Tradicionalmente, os clínicos tendem a classificar o risco suicida em categorias estáticas – baixo, médio e alto. No entanto, essa abordagem categorial pode não apenas subestimar a dinâmica fluida dos fatores de risco e proteção, como também pode conduzir a intervenções que não atendem às necessidades urgentes e específicas de cada paciente (Zortea et al., 2022).

A prática clínica moderna, embasada em avanços recentes na suicidologia, sugere uma reavaliação dessa metodologia que buscaria uma resposta estanque para o paciente, como se fosse possível acessar o risco de suicídio como uma variável estática. Bryan e Rudd (2018), em seu trabalho sobre Terapia Cognitivo-Comportamental Breve para Prevenção do Suicídio, alertam para o risco dessa visão e argumentam que a avaliação de risco deve ser um processo contínuo e sensível ao contexto de cada paciente. 

Algumas pessoas enxergam com pessimismo o fato de não termos, até o momento, ferramentas acuradas que nos permitam prever o suicídio com precisão, em especial depois da publicação da meta-análise de Franklin e colaboradores (2017), que causou uma grande repercussão no campo. Se esse tema te interessar, sugerimos a leitura deste artigo. 

A incapacidade de prever com precisão absoluta quem tentará suicídio não deve ser vista como uma falha do campo, mas como um ponto de partida para avaliações mais cuidadosas, que considerem as variáveis contextuais e a interação entre fatores de risco e de proteção e a repercussão desse engendrado de variáveis para cada paciente, de acordo com sua história de vida (Bryan & Rudd, 2018). 

Adicionalmente, a teoria da vulnerabilidade fluida oferece uma lente através da qual podemos entender melhor a natureza complexa e mutável do risco de suicídio. Blasco-Fontecilla e De Leo (2021), corroborando o exposto, no “Oxford Textbook of Suicidology and Suicide Prevention”, destacam que uma abordagem eficaz na avaliação do risco suicida deve ir além da verificação de presença ou ausência de fatores de risco e proteção. Deve-se focar em como esses fatores interagem de maneira dinâmica com o ambiente e as circunstâncias pessoais do indivíduo, considerando especialmente como eventos desencadeantes podem afetar essa dinâmica (Blasco-Fontecilla & De Leo, 2021).

A literatura sugere que, em vez de uma lista de verificação protocolar, os clínicos devem adotar uma abordagem psicossocial detalhada, engajando-se em uma prática reflexiva que considere cada caso como único. Esta prática envolve a construção de uma aliança terapêutica robusta, em que informações detalhadas sobre a situação atual, histórico e fatores sociais do paciente são exploradas e integradas, tanto para a compreensão do risco, quanto para a formulação de um plano de tratamento adequado. Essa abordagem colaborativa não só é suportada por diretrizes clínicas como também reforçada pela recomendação de que a gestão do risco de suicídio deve ser uma atividade contínua e adaptativa, alinhada às mudanças nas condições e circunstâncias do paciente (Zortea et al., 2022).

A avaliação clínica é um componente crucial na avaliação e tratamento desses pacientes e, como já deve ter ficado claro, as evidências sugerem que, idealmente, essa avaliação deva ser uma espécie de mapeamento centrado no paciente, de modo a sustentar um plano de tratamento que leve em conta aspectos biopsicossociais (Zortea et al., 2020). Para aprofundamento nessa literatura, sugere-se a leitura completa dos textos a seguir:

  1. Zortea, T. C., Cleare, S., Melson, A. J., Wetherall, K., & O’Connor, R. C. (2020). Understanding and managing suicide risk. British medical bulletin, 134(1), 73–84. https://doi.org/10.1093/bmb/ldaa013
  2. Zortea, T. C., Cleare, S., Wetherall, K., Melson, A. J., & O’Connor, R. C. (2022). On suicide risk: From psychological processes to clinical assessment and intervention. Journal Name, Volume(Issue), pages. doi: 10.1016/B978-0-12-818697-8.00073-X)

A tabela a seguir foi uma tradução realizada pelo próprio autor, visando instrumentalizar os clínicos com uma ferramenta que possibilite uma avaliação mais compreensiva do risco de suicídio.

1 Tradução e adaptação para BR-PT de: Zortea, T. C., Cleare, S., Melson, A. J., Wetherall, K., & O’Connor, R. C. (2020). Understanding and managing suicide risk. British Medical Bulletin, 134(1), 73-84. https://doi.org/10.1093/bmb/ldaa013

Em síntese, enquanto a comunidade científica continua a desenvolver e a testar modelos preditivos de risco suicida, é imperativo que os clínicos se movam em direção a uma abordagem mais integrativa e contextualizada ao realizar avaliações de risco. Esta abordagem não só respeita a complexidade do comportamento suicida, mas também se alinha às melhores práticas recomendadas na literatura contemporânea de suicidologia, promovendo intervenções mais eficazes e sensíveis ao contexto psicossocial de cada paciente.


Referências:

  • Blasco-Fontecilla, H., & De Leo, D. (2021). Scales for evaluations of suicide risk. In D. Wasserman (Ed.), Oxford Textbook of Suicidology and Suicide Prevention. Oxford University Press.
  • Bryan, C. J., & Rudd, M. D. (2018). Brief Cognitive-Behavioral Therapy for Suicide Prevention. The Guilford Press.
  • Zortea, T. C., Cleare, S., Melson, A. J., Wetherall, K., & O’Connor, R. C. (2020). Understanding and managing suicide risk. British medical bulletin, 134(1), 73–84. https://doi.org/10.1093/bmb/ldaa013
  • Zortea, T. C., Cleare, S., Wetherall, K., Melson, A. J., & O’Connor, R. C. (2022). On suicide risk: From psychological processes to clinical assessment and intervention. Journal Name, Volume(Issue), pages. doi: 10.1016/B978-0-12-818697-8.00073-X)
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Loren Beiram

Escrito por Loren Beiram

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