Visão geral dos estágios de tratamento em DBT

É uma experiência comum para terapeutas que praticam a Terapia Comportamental Dialética (DBT) se verem fazendo observações como estas: “estou muito feliz que meu/minha paciente está agora em estágio 2, tendo resolvido tantos problemas e obtido controle comportamental! Mas agora que ele/ela está em estágio 2, o que eu faço???

Para começar a responder à questão acima, vamos neste texto fazer uma breve revisão dos 4 estágios de tratamento da DBT. Em um texto seguinte, nos debruçaremos sobre o desafiador (porém já bem desvendado) estágio 2 de tratamento.

A determinação de estágios de tratamento serve, segundo Linehan, para responder à pergunta “qual tratamento deve ser fornecido, por quem, para qual população?” (ver Linehan, 1999, p. 368). A ideia é conseguir determinar qual é o tratamento mais efetivo para um indivíduo com problemas de saúde mental complexos, severos e desafiadores, e quais as diretrizes devem guiar esse tratamento.

Figura 1 – estágios de tratamento em DBT.

Os estágios de tratamento em DBT são comumente apresentados sobrepostos à imagem de uma casa, na qual o porão seria o estágio 1, o térreo o estágio 2, o primeiro andar, o estágio 3 e o teto da casa corresponderia ao estágio 4 (ver imagem 1; Swenson, 2016; Dornelles e Alano, 2021).

Estágio 1

O Estágio 1 do tratamento é voltado para pacientes que apresentam “nível 1 de desordem” ou um “transtorno nível 1” do comportamento. O que é isso? É uma pessoa que tem desregulação emocional e comportamental graves, engajando-se frequentemente em comportamentos impulsivos que ameacem a sua vida, E/OU uma incapacidade funcional importante (ou seja, não está conseguindo funcionar nos domínios comuns da vida naf sociedade – ocupacional, social, acadêmico, familiar, etc).

Os 5 critérios (dos quais os mais importantes são ameaça à vida e incapacidade funcional) que definem que um cliente está em estágio 1 são os seguintes:

Ameaça à vida
Incapacidade funcional (disability)
Complexidade (número de transtornos ou problemas associados)
Pervasividade (número de contextos no qual os problemas ocorrem)
Severidade (gravidade do quadro e experiência pessoal de sofrimento)
Critérios para nível 1 de desordem, que indicam que o tratamento dever ser do Estágio 1. Linehan, 1999.

O exemplo claro e óbvio de um cliente em estágio 1 é um cliente com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) com descontrole emocional e comportamental, que se engaja com frequência em comportamentos auto-lesivos, apresenta ideação suicida frequente e intensa, tem diversos outros problemas comportamentais (p. ex., uso abusivo ou dependência de substâncias psicoativas, transtornos alimentares, etc) e não está conseguindo ser minimamente funcional em sua vida.

O tratamento de clientes com TPB (e/ou desregulação emocional pervasiva devido alguns outros transtornos para os quais a DBT já foi estudada) se dá com a DBT Padrão normal, sem variações ou adaptações.

Estágio 2

O Estágio 2 se dá quando o paciente está há algum tempo estável do ponto de vista de descontrole comportamental, e com menor incapacidade. O nome ou definição do estágio 2 é “desespero silencioso” e neste nível de transtorno mental ainda acontece intensa desregulação emocional. Linehan (2010, p. 166-168) conceituou a principal tarefa do estágio 2 como tratamento do estresse pós-traumático. Embora dê muito pouca atenção ao estágio 2 no manual original da DBT, hoje ele está muito bem descrito e conceitualizado (ver Harned, 2023) e será o objeto em detalhes do próximo texto que escreverei para este portal.

Um cliente com TPB que não apresenta mais auto-lesões (de nenhum tipo) nem risco iminente de suicídio, está conseguindo trabalhar minimamente pelas suas metas e valores, mesmo apresentando ainda enorme sofrimento, está em estágio 2. Este cliente pode ter, por exemplo, comportamentos intensos e frequentes ligados ao transtorno do estresse pós-traumático (p. ex., evitação de pistas que lembrem traumas, memórias intrusivas de traumas, alteração emocional e fisiológica frequente).

Por ora, além do já descrito, é importante lembrar que o objetivo principal do estágio 2 de tratamento é que o paciente seja capaz de experimentar emoções plenamente e tenha uma diminuição das emoções aversivas e aumento das não aversivas (alegria, felicidade, amor, etc). O tratamento principal e especializado do estágio 2 se dá com o tratamento de exposição, como a DBT-PE (Harned, 2023).

Estágio de tratamentoDefinição do estágioMetas de tratamento
Estágio 1Descontrole comportamental severoObter controle comportamental
Diminuir o risco de suicídio
Estágio 2Desespero silencioso (desregulação emocional sem descontrole comportamental)Experiência emocional normativa
Capacidade para experimentar as emoções
Diminuição de emoções aversivas e aumento de
não aversivas
Estágio 3Problemas na vida.* (ver texto)Alcançar a felicidade e sofrimento “normais” [ordinary]
Aumento do auto-respeito, maestria e auto-eficácia
Estágio 4Capacidade para alegria [joy] sustentada e liberdade.
Metas de tratamento da DBT em cada estágio. Ver Linehan, 1999; Linehan, 2010; Swenson, 2016.

Estágio 3

O estágio 3 compreende a busca pela melhoria de condições de vida. Isso compreende trabalho, estudo, ser autossuficiente ou independente financeiramente, melhorar e ter novos relacionamentos.

*Nota sobre a definição do estágio 3. O nome/definição do estágio 3 é frequentemente traduzido como “problemas da vida cotidiana.” Eu discordo dessa tradução. O original, em inglês, diz problems in living, que é traduzido por “problemas na vida.” A meta do estágio 3, sim, se chama ordinary happiness and unhappiness, ou seja, “felicidade e sofrimento normais,” ou cotidianos, ou ordinários.

Um exemplo de um cliente do estágio 3 seria um cliente com TPB que obteve controle comportamental após o estágio 1, tratou suficientemente a desregulação emocional e estresse pós-traumático durante o estágio 2, e agora, apresentando melhora considerável comportamental e emocional, ainda se vê com desafios grandes: depende de um auxílio-doença ou tem problemas importantes no trabalho, nos relacionamentos e tem sua vida acadêmica ou auto-desenvolvimento interrompidas devido aos problemas prévios.

Um protocolo pesquisado para o tratamento do estágio 3, é por exemplo, a DBT-ACES (Comtois, Carmel e Linehan, 2021).

Estágio 4

O estágio 4, um estágio que é ainda experimental e também teórico, compreende um sentimento de “incompletude”, que pode ser um problema para muitas pessoas (embora para outras, não). Linehan postula que muitas pessoas estarão satisfeitas atingindo a felicidade “comum” que é a meta do estágio 3 – a vida vai bem, então, com seus sofrimentos e problemas ordinários (Linehan, 1999). Para muitas pessoas, porém, ainda há o sentimento de que algo está faltando.

Aqui o tratamento (que na verdade poderia não ser um tratamento, no sentido literal) ser daria no domínio da espiritualidade, e suas metas seriam alcançar a capacidade para a alegria sustentada, a liberdade, experiências espirituais (ou experiências de “pico”) e resolver a incompletude (Linehan, 1999).

Ressalto aqui novamente que, embora Marsha Linehan tenha incluído as fichas de mindfulness sob uma perspectiva espiritual na segunda edição do Treinamento de Habilidades: Manual para o Paciente (Linehan, 2018), esse estágio ainda não foi pesquisado, e age com sabedoria o(a) terapeuta que toma muito cuidado ao abordar esses temas (embora não se precise nem deva evita-los, na minha opinião) com seu paciente.

Mais sobre esse (instigante) tema em outro artigo.

Agora vamos revisar rapidamente, em forma de tabela, as categorias de alvos (comportamentos-alvo a aumentar e a diminuir) para o estáio 1 e 2 do tratamento, finalizando este texto.

Estágio de TratamentoComportamentos a DiminuirComportamentos a Aumentar
Estágio 1Comportamentos que ameaçam a vidaHabilidades comportamentais
Comportamentos que interferem na terapia
Comportamentos que interferem na qualidade de vida
Estágio 2Evitação experiencial (evitação emocional)Experiência emocional
Categorias de comportamentos-alvo para os estágio 1 e 2 em DBT.

Referências

Comtois, K. A., Carmel A. e Linehan, M. M., 2021. Dialectical Behavior Therapy : Accepting the Challenges of Employment and Self-suficiency : A Clinician’s Guide. Washington DC : University of Washington.

Dornelles, V. G., Alano, D. S., 2021. Transtorno da Personalidade Borderline : da Etiologia ao Tratamento. Novo Hamburgo : Sinopsys Editora.

Harned, M. S., 2023. Tratando Trauma com a Terapia Comportamental Dialética : Protocolo de Exposição Prolongada em DBT. Novo Hamburgo : Sinopsys Editora.

Linehan, M. M., 1999. Development, Evaluation, and Dissemination of Effective Psychosocial Treatments: Levels of Disorder, Stages of Care, and Stages of Treatment Research. Em Drug Abuse: Origins & Interventions, M. D. Glantz and C. R. Hartel (Eds.). 1999 American Psychological Association.

Swenson, C. R., 2016. DBT Principles in Action : Acceptance, Change and Dialectics. Nova Iorque: The Guildford Press.

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Escrito por Alexandre Tzermias

Médico psiquiatra formado pelo Instituto Bairral de Psiquiatria, psiquiatra da infância e adolescência formado pela UNICAMP e terapeuta DBT treinado pela Behavioral Tech / DBT Brasil. Trainer-in-Training da Behavioral Tech / DBT Brasil. Co-fundador da DBT Campinas.

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