Intraverbais, propriedades e relevância clínica

O intraverbal é um operante verbal controlado por estímulos verbais, porém, o controle do estímulo pela resposta não é formal como no ecoico e no textual (Skinner, 1957). No intraverbal, não há a correspondência ponto-a-ponto entre o estímulo e a resposta verbais. Logo, uma pessoa que diz “Bom dia” (Resposta verbal) ao ouvir outra dizer “Bom dia” (Estímulo verbal), não está emitindo uma reposta intraverbal, já que existe correspondência ponto-a-ponto entre o estímulo e a resposta. Um intraverbal, em situação similar, seria dizer “Tudo bem” na presença da pergunta “Como vai?”. Com base nessa definição, quando a resposta verbal “Casado” ocorre na presença do estímulo verbal “Estado civil”; “Roberto Pereira da Silva” na presença de “Nome completo”; “95555555” na presença de “Telefone para contato”; “robertops07@prontomail.com” na presença de “Endereço eletrônico” temos exemplos de respostas intraverbais. Essas respostas verbais são reforçadas na presença desses estímulos verbais.

Os Intraverbais e os Tatos

Em termos topográficos, tatos e intraverbais são similares. A resposta verbal “Tudo bem” pode estar sob controle de uma condição corpórea e situacional do falante, o que a tornaria um tato, já que está sob controle de estímulos não verbais. Por outro lado, na maioria das vezes, quando se diz “Tudo bem” na presença da pergunta “Como vai?”, o controle é exclusivo da pergunta. Ou seja, um intraverbal. A pergunta “Como vai?” é um estímulo discriminativo verbal para a resposta “Tudo bem”, sinalizando que a mesma será reforçada como no passado. Todavia, espera-se que, em terapia, que o terapeutizando emita um tato na presença dessa pergunta e não o intraverbal (“Tudo bem!”).

O Saber de Cor

            Os intraverbais do tipo “saber de cor” são corriqueiros em situações educacionais, como a resposta verbal “42” diante de “6×7=”; “Pedro Álvares Cabral” na presença de “Quem descobriu o Brasil?”; “resposta incondicionada” na presença de “O estímulo incondicionado elicia a…”; etc. Boa parte das situações de ensino formal consiste em treinos de intraverbais. As respostas verbais “42”; “Pedro Álvares Cabral”; “reposta incondicionada” foram reforçadas no passado na presença dos estímulos verbais “6×7=”; “Quem descobriu o Brasil”; “o estímulo incondicionado elicia a…”; respectivamente.

            Intraverbais do tipo “saber de cor” também ocorrem ao se declamar um poema ou cantar uma letra de música. Os versos iniciais de uma estrofe exercem controle discriminativo sobre a emissão dos versos seguintes como comportamentos intraverbais. No hino nacional, aprendemos a emitir: “de um povo heroico um brado retumbante” na presença de “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas”. A resposta verbal “de um povo heroico um brado retumbante” é um intraverbal controlado pelo verso anterior.

            A falta de um controle intraverbal pode prejudicar o desempenho em certas tarefas. Renato Russo, vocalista da Legião Urbana, frequentemente errava a letra da música Índios nos shows. Os erros decorriam de o mesmo verso “Quem me dera, ao menos uma vez” preceder diversos outros versos como: “ter de volta todo ouro que entreguei a quem”; “esquecer que acreditei que era por brincadeira”; etc. Como desses versos eram sempre precedidos pelo mesmo estímulo, a emissão do verso correto deveria ficar sob controle de outros elementos do ambiente além do estímulo verbal precedente.

            Ao interrompermos uma longa cadeia de intraverbais, muitas vezes é necessário voltar ao início para conseguir emitir o intraverbal bloqueado no momento da interrupção. Outra música do Legião Urbana ilustra esse ponto. Afinal, quantas vezes precisamos reiniciar a música Faroeste Caboclo quando interrompidos em alguma de suas estrofes?

Comportamento Intraverbal e Ditados Populares

Muitos ditados populares, como “pau que nasce torno morre torto”, “quem entra na chuva é para se molhar” e “casa de ferreiro, espeto de pau” são intraverbais. Tais respostas verbais, em suas primeiras ocorrências, foram tatos. A partir do momento em que foram padronizados em uma cultura, de modo que repeti-los passou a ser reforçado, passaram a ser classificadas como intraverbais.

Intraverbais: Resumos e Paráfrases

            Outros exemplos comuns de intraverbais são as paráfrases ou resumos, ou seja, quando se reescreve um texto com “as próprias palavras”. O texto parafraseado ou resumido é um estímulo verbal que exerce controle discriminativo sobre a resposta verbal. Como não há correspondência ponto-a-ponto entre o estímulo e a resposta, paráfrases e resumos são intraverbais.

Comportamento Intraverbal e a Tradução

            Ao traduzir literalmente uma palavra ou uma frase, estamos emitindo respostas intraverbais. Na definição de intraverbal, não há nenhuma restrição ao estímulo e a respostas serem em línguas diferentes. Portanto, quando dizemos “Door” na presença da palavra “Porta”, estamos emitindo um intraverbal.

O Reforçador do Comportamento Intraverbal

De forma similar ao tato, o intraverbal é mantido por reforçadores condicionados generalizados. Nos exemplos já discutidos, as pessoas, ao se cumprimentarem apresentarão, uma probabilidade maior de reforçarem os comportamentos umas das outras do que caso não o façam. Nos exemplos educacionais, os intraverbais resultariam provavelmente em aprovação, admiração e atenção dos ouvintes, no caso, professores, colegas e alunos. Estes são exemplos clássicos de reforçadores generalizados. Ou seja, a aprovação de um professor sinaliza que outras respostas do aluno serão reforçadas. A aprovação em uma disciplina resulta no acesso a outros reforçadores, como formar-se. Uma pessoa que admira a outra tenderá a elogiá-la, convidá-la para sair, pedir a sua opinião, recomendá-la para um emprego ou para uma premiação.

Intraverbais na Clínica

Certas práticas de reforçamento da comunidade verbal podem fazer com que intraverbais sejam emitidos no lugar de tatos. São corriqueiros os terapeutizandos que falam exatamente o que o ouvinte gostaria de ouvir, ou seja, emitem intraverbais que seriam reforçados pelo ouvinte, mesmo que no fundo não concordem ou acreditem no que estão dizendo. Podem apresentar um discurso politicamente correto, por exemplo, ainda que se comportem forma diferente no seu cotidiano. Um homem pode descrever-se como não homofóbico. Por outro lado, ao se deparar com dois candidatos para trabalhar na sua empresa, tende a selecionar o heterossexual, ainda que menos qualificado que o candidato homossexual.

Um homem jovem diz com muito orgulho aos amigos que não toleraria uma traição de sua namorada e que terminaria o namoro na hora. Por outro lado, este jovem, ao ser traído e abandonado pela namorada, pode fazer de tudo para tê-la de volta. Como no caso do homofóbico, foram feitos anúncios de comportamentos futuros antes do contato prévio com as contingências. Ou seja, os falantes estão repetindo frases que foram reforçadas nas mesmas situações no passado, isto é, respostas intraverbais. Ao se depararem com as contingências, ambos podem se comportar de modo diverso ao anunciado. De acordo com Catania et al. (1982), demonstram ausência de correspondência entre dizer e fazer. Logo, ausência de correspondência entre dizer e fazer não se restringe a distorções dos tatos, como também podem se tratar de substituições de tatos por intraverbais (Medeiros, 2002; Medeiros. 2013).

Justificar-se: Os intraverbais em substituição aos tatos são particularmente comuns quando pessoas são incitadas a justificar seus comportamentos. Uma mulher, em um relacionamento abusivo, pode justificar permanecer casada por não desejar que seus filhos cresçam sem um pai. Essa resposta verbal provavelmente seria eficaz em retirar a cobrança por parte do ouvinte a divorciar-se. Todavia, o que essa mulher aponta como justificativa para o seu comportamento não necessariamente descreve o que a mantém casada. Ao invés de tatear os determinantes do próprio comportamento, podemos justificá-lo emitindo intraverbais que foram reforçados em situações similares no passado (Hamilton, 1988; Medeiros, 2013; Zettle & Hayes, 1986). Respostas intraverbais em substituição aos tatos empobrecem o autoconhecimento (Skinner, 1953/1982), já que a pessoa não descreve com precisão como se comportará em certas situações e fornece justificativas improcedentes para o seu comportamento.

Desconexão com o concreto: Muitos terapeutizandos emitem intraverbais do tipo “para ser feliz, tenho que começar a me amar mais”. Ao emitirem tais intraverbais, raramente conseguem descrever e muito menos “se amar[em] mais” em termos práticos. Ou seja, simplesmente foram condicionados a emitir “tenho que começar a me amar mais” na presença do estímulo “para ser feliz”, porém, é muito difícil observar mudanças de padrões comportamentais com base nessas verbalizações.

Práticas terapêuticas e intraverbais: Medeiros e Medeiros (2019) discutem várias posturas do terapeuta que podem resultar na emissão de intraverbais no lugar de tatos, como solicitar justificativas do comportamento por meio de perguntas iniciadas por “por que”; reforçar arbitrariamente frases comumente reforçadas pela comunidade verbal emitidas pelo terapeutizando; usar controle aversivo (julgar, cobrar e criticar o terapeutizando); fazer perguntas fechadas, longas e/ou repetidas; e falas clichês de psicoterapeutas. Os autores recomendam o uso de outros procedimentos, como ecoar a fala do terapeutizando; solicitar exemplos práticos; e propor situações hipotéticas, por exemplo.

Referências:

Beckert, M. E. (2005). Correspondência verbal/não-verbal: pesquisa básica e aplicações na clínica. Em J. Abreu-Rodrigues, & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento: Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 229 – 244). Artes Médicas.

Catania, A. C., Matthews, B. A., & Shimoff, E. (1982). Instructed versus shaped human verbal behavior: Interactions with nonverbal responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 38, 233-248.

Glenn, S. S. (1983). Maladaptive functional relations in client verbal behavior. The Behavior Analyst, 6, 47-56.

Hamilton, S. A. (1988). Behavioral formulations of verbal behavior in psychotherapy. Clinical Psychology Review, 9, 181-193. 

Medeiros, C. A. (2002). Comportamento verbal na terapia analítico-comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 4, 105-118.http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1517-55452002000200004&script=sci_arttext

Medeiros, C. A. (2013). Mentiras, indiretas, desculpas e racionalizações: manipulações e imprecisões do comportamento verbal. Em C. V. B. B. Pessoa, C. E. Costa, & M. F. Benvenuti. Comportamento em Foco, v.02 (pp. 157-170). Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC.

Medeiros, C. A. & Medeiros, N. N. F. A. (2019). Correspondência verbal na Terapia Analítica Comportamental: contribuições da pesquisa básica. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 20(1), 40-57.https://www.academia.edu/download/63865312/Rodrigues_J._A._Ribeiro_M._R._2007_._Ana20200708-124443-15v3a8e.pdf#page=226

Skinner, B. F. (1953/1970). Ciência e comportamento humano. FUNBEC.

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Appleton-Century-Crofts.

Zettle, R. D., & Hayes, S. C. (1986). Dysfunctional control by client verbal behavior: The context of reason-giving. The Analysis of Verbal Behavior, 4(1), 30-38.

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