Controle por regras e cultura: como a Psicoterapia Comportamental Pragmática pode intervir?

Autora: Thais Muniz da Silva

Revisor: Carlos Augusto de Medeiros

Em uma sociedade, conseguimos observar aspectos culturais que a constituem e que perpassam as vivências e construção histórica das pessoas que fazem parte dela. Nota-se que práticas culturais são estabelecidas e podem ser transmitidas ao longo de gerações por meio de instruções, orientações, conselhos, leis e ordens, o que, à luz da Análise do Comportamento exercem as funções de regras. Estas últimas receberão ênfase aqui com a finalidade de se discutir demandas que surgem na clínica, nas quais, ao serem analisadas, percebe-se a presença do controle por regras. Além disso, serão discutidas possíveis intervenções por meio da abordagem de terapia analítico-comportamental denominada Psicoterapia Comportamental Pragmática (Medeiros & Medeiros, 2011).

O Papel da Cultura no Controle do Comportamento

Considera-se os três conjuntos fatores que determinam o comportamento: a filogênese, a ontogênese e a cultura. E partindo da compreensão sobre a cultura, Skinner a define como união de variáveis sociais (regras, modelos e consequências sociais) que afetam os comportamentos do indivíduo na sua relação com o ambiente, destacando o ambiente social como selecionador de comportamentos do grupo, ainda que atuem em cada indivíduo (Andery, 2011).

Contribuições mais recentes discutem como a cultura pode afetar nosso comportamento, muitas vezes, de forma indireta, como parte de um grupo em que se encontram contingências entrelaçadas (Passo, Weydmann, & Dias, 2023). Na interação entre operantes, característica das contingências entrelaçadas, há a produção de consequências decorrentes da ação coletiva resultando no chamado produto agregado. O produto agregado repercute no controle do comportamento dos indivíduos do grupo, fortalecendo ou enfraquecendo práticas culturais (Passo et al., 2023). O desperdício da água é um bom exemplo, uma vez que variáveis distintas controlam esse comportamento em nível individual, mas a falta d’água (produto agregado punitivo) afeta o comportamento de todos. Regras são emitidas por agências de controle como forma de afetar o comportamento do grupo. No exemplo do desperdício da água, campanhas incentivando o uso racional teriam essa função.

Metacontingências

A partir das contribuições de Glenn, passa-se a investigar de forma mais aprofundada as complexidades dos fenômenos culturais (Andery, 2011). Glenn emprega os conceitos de metacontingência e macrocontingência com a finalidade de se investigar a cultura em uma estrutura conceitual única com foco na análise do comportamento social (Andery, 2011). Dentro desse contexto de análise mais amplo, destaca-se para o presente texto, o conteúdo acerca de práticas culturais.

Quando se fala em práticas culturais, é indispensável o olhar para o comportamento verbal presente nas contingências entrelaçadas, exercendo uma função de mediação e contribuição para a seleção cultural. De acordo com Glenn, quando a consequência de uma metacontingência ocorrem em longo prazo, o reforço social possibilita que o comportamento dos indivíduos seja controlado por estímulos verbais com funções de regra ou consequências socias (Andreozzi, 2009). Assim como Glenn, de acordo com Baum e Todorov, para manter o comportamento não-verbal até que se tenham contato com a consequência em longo prazo, é necessário o controle verbal que acaba sinalizando a metacontingência através de regras, tendo como essa consequência distante, a construção de uma cultura (Andreozzi, 2009).

Glenn acrescenta os conceitos de metacontingências tecnológicas e metacontingências cerimoniais para discutir os modos como práticas culturais são transmitidas. As primeiras têm como função evocar comportamentos compatíveis com sobrevivência dos indivíduos que compõem uma sociedade, relacionando-se à organização familiar, ao desenvolvimento profissional, educação, a sistemas de saúde etc. Já as metacontingências cerimoniais são arbitrárias e surgem por meio  do reforçamento social, nos quais perpassam ideias de status, de hierarquia, rituais, crenças religiosas ou patriarcais, entre outras (Andreozzi, 2009). As cerimoniais, portanto, contribuem para manter certas práticas culturais, como o machismo, por exemplo, que não contribuem para a sobrevivência ou evolução da espécie.

Metacontingências Cerimoniais e o Controle por Regras Inacuradas

Conseguimos observar a presença do controle por regras derivadas das metacontingências cerimoniais e algumas problemáticas daí decorrentes com efeitos em contingências individuais. Por exemplo, nas falas dos terapeutizandos, encontram-se queixas de baixa autoestima, de insegurança, frustração consigo mesmo e sensação de deslocamento frente à sociedade. Exemplos de metacontingências cerimoniais comumente presentes na clínica são: dogmas religiosos; valores machistas, homofóbicos e racistas; incentivo à comparação e competitividade; perfeccionismo entre outras.

Podemos imaginar um exemplo partindo de uma regra advinda de metacontingências cerimoniais: Uma mulher de 35 vem à terapia com queixa de depressão e ansiedade. Relata buscar um relacionamento estável, como casar e ter filhos. A metacontingência cerimonial estabelece asserções do tipo “Uma mulher só será completa e bem sucedida ao casar e ter filhos”; “Mulheres que não casam são inferiores àquelas que casaram”; “A felicidade está em um casamento” etc. Essas regras podem exercer controle sobre o comportamento dela e estão intimamente relacionados a padrões comportamentais a serem modificados, como tentar relacionar-se com alguém a todo custo, comparar-se, pensar no futuro etc. Tais padrões são intimamente relacionados aos sintomas de depressão e ansiedade, assim como queixas de sensação de menos valia. A atuação em PCP, nesse caso, é justamente enfraquecer esse tipo de controle sobre o comportamento. Para tal, essas regras precisam ser modificadas o que pode ocorrer por meio do questionamento reflexivo, de perguntas reflexivas ou por meio do reforçamento diferencial (Medeiros & Medeiros, 2011).

Referências:

Andery, M. A. P. A. (2011). Comportamento e cultura na perspectiva da análise do comportamento. Perspectivas em Análise do Comportamento, 2(2), 203-217.

Andreozzi, T.C. (2009). Regras de controle tecnológico e de controle cerimonial: Efeitos sobre práticas culturais de Microssociedades experimentais. (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.

Medeiros, C.A. (2012). O que é psicoterapia comportamental? www.comportese.com/2012/09/o-que-e-psicoterapia-comportamental-pragmatica

Medeiros, C. A., & Medeiros, N. N. F. A. (2011/2012). Psicoterapia Comportamental Pragmática. In C. V. B. B. Pessoa, C. E. Costa, & M. F. Benvenuti (Eds.). Comportamento em Foco, v. 1 (pp. 417-436). ABPMC.

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