O que é o Hexaflex e qual é a sua aplicabilidade?

Esse artigo tem por objetivo apresentar o modelo do hexaflex, assim como conduzir terapeutas ao entendimento de sua aplicabilidade em sua prática.

O hexaflex é o modelo unificado de entendimento do funcionamento humano a partir da terapia de aceitação e compromisso (ACT), representado graficamente por um hexágono. Tal representação permite trilhar com mais facilidade primeiros passos no entendimento dessa abordagem teórica. Quando pensamos em um modelo, em geral, temos a tendência em pensar em um itinerário a ser cumprido, um passo a passo pré-formatado, que nos indicará um caminho a ser seguido. Porém, quando se refere a ACT, a proposta é que o hexágono traga para o terapeuta um olhar fluido e amplo, não tendo, portanto, um passo a passo e uma ordem fixa e cronológica. “Os processos individuais da ACT não fazem sentido se desconectados dos outros de forma global” (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021, p. 78). Isso porque, os seis elementos presentes no hexágono não têm uma hierarquia de importância ou priorização no trabalho com o paciente.

Cada elemento do hexaflex tem a sua representação feita através de dois polos, sendo um referente a flexibilidade e outro a inflexibilidade. No que se refere a flexibilidade, a proposta é que a partir de um entendimento global do caso e de sua conceitualização, o terapeuta possa observar e trabalhar com o seu paciente em prol de tais habilidades. Já o segundo polo, refere-se à inflexibilidade e direciona para aquilo que pode estar trazendo e mantendo o sofrimento e as queixas do paciente. Podemos então compreender que o hexaflex traz em si a proposta de ser simultaneamente “modelo de psicopatologia, modelo de saúde psicológica e modelo de intervenção psicológica” (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021, p. 49). Afinal, dependendo do ângulo observado poderemos ter acesso a cada um desses elementos. Um outro ponto importante é ter a clareza que o lado flexível não é “mocinho”, enquanto o lado inflexível não é “vilão” e que não estamos buscando estar somente em um dos lados. Na verdade, a inflexibilidade torna-se efetivamente um problema não pela sua ocorrência, mas sim pela sua manutenção e consequente rigidez.

O hexágono também costuma ser didaticamente dividido em três duplas, a saber aceitação e desfusão, self como contexto e momento presente, valores e ação com compromisso. Tal segmentação tem por objetivo nos lembrar três elementos basais no trabalho com ACT: abertura, centralização e engajamento. Como cada um desses pilares é essencial, não se torna possível ver qualquer um dos elementos como primordial, e por isso, a prática em terapia de aceitação e compromisso se mostra como um trabalho colaborativo, construído de forma individualizada e sem um livro de receitas com passo a passo. Ao olharmos para os primeiros dois elementos (aceitação e desfusão) encontramos os pilares que apontam para a abertura a nossa experiencia mais privada e direta: nossas emoções e nossos pensamentos, respectivamente. Já a segunda dupla (self como contexto e momento presente) nos lembra a necessidade de estar centrado ao que acontece no aqui e agora, bem como não estar preso e arraigado a uma visão que construímos previamente de nós mesmos. Por fim, temos a importância da clareza de valores e da ação com compromisso que de fato trazem o engajamento em uma vida que seja significativa ao paciente.

Mas afinal, como esse modelo pode nos auxiliar na nossa prática? Imagine o relato de um paciente que narra estar em sofrimento em virtude de suas crises de ansiedade e para ele o seu sofrimento mora nessa sensação desconfortável e nos pensamentos que a acompanham, e que sua vida seria completamente diferente se isso não existisse. Em um caso como esse, um terapeuta ACT buscará trabalhar mostrando os efeitos da evitação das emoções e dos pensamentos e o quanto este ciclo gera nele um looping ainda maior de desconfortos, angústias e receios. “Nosso ponto geral é que a aceitação não significa que suas emoções vão mudar, assim como a desfusão não significa que os seus pensamentos vão mudar” (Hayes & Smith, 2022, p. 146 ). Ou seja, a ideia seria trabalhar não a mudança ou questionamento das emoções e dos pensamentos, e sim uma maior abertura ao sentir, uma diminuição do apego e da literalização ao que o paciente pensa, e um acolhimento que suas emoções e pensamentos são na verdade mensageiros que nos contam muito sobre ele. É importante ressaltar que esse não é um processo linear e simples, e que exigirá do terapeuta a mesma fluidez que ele busca trazer a seus pacientes. Nesse sentido, o hexaflex pode ser usado para entendimento e conceitualização de caso do paciente bem como para entendimento dos processos de rigidez e inflexibilidade que eventualmente também estarão ocorrendo com o terapeuta.

Por fim, é importante lembrar que a finalidade da ACT é levar os pacientes a uma vida mais aberta e flexível, afinal: “Quanto maior for sua flexibilidade psicológica, melhores condições terão para lidar com pensamentos e sentimentos dolorosos e tomar medidas mais eficazes, tornando a vida mais rica e significativa” (Harris, R., 2011). Essa não é uma busca fácil ou linear, e principalmente, não tem uma linha fixa de chegada. A ideia é que o paciente tendo abertura a sua experiencia privada (emoções e pensamentos), possa se conectar com o aqui e agora de forma flexível, para fazer escolhas que sejam compatíveis a vida que ele deseja viver.

Referências Bibliográficas

Hayes, S.C., Strosahl, K.D., Wilson, K.G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. 2ª edição. Artmed

Hayes, S.C. & Smith, S. (2022). Saia da sua mente e entre na sua vida. Sinopsys

Harris, R. (2011). Liberte -se: evitando as armadilhas da procura da felicidade. Agir

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

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