Terapia Comportamental Dialética (DBT): uma visão geral.

Foi-se a época em que a DBT (Terapia Comportamental Dialética, tradução de Dialectical Behavior Therapy) era uma sigla desconhecida no Brasil. Hoje abundam grupos de treinamento de habilidades em DBT, há muitos e muitas terapeutas DBT (mas ainda poucos, em número total) e cada vez mais pessoas procurando atendimento clínico deste tipo e profissionais de saúde mental encaminhando seus pacientes para a DBT. O objetivo deste texto é dar uma introdução, uma visão geral sobre a terapia comportamental dialética, para profissionais que estejam iniciando o estudo da DBT ou profissionais que encaminham pacientes para este tratamento mas que não o conhecem bem.

Para resumir em um parágrafo, que depois será esmiuçado ao longo do texto, a DBT é (1) um tratamento empiricamente sustentado em saúde mental, (2) cujas intervenções estão apoiadas em três pilares principais: mindfulness, ciência comportamental e filosofia dialética; (3) tem como meta principal levar o(a) cliente a construir e viver uma vida que ele (ela) experiencie como uma vida que vale a pena viver; (4) faz isso com uma série de princípios, protocolos e intervenções baseadas nos três pilares; (5) é um tratamento feito em equipe (originalmente); (6) os terapeutas concordam e agem sob uma série de pressupostos e acordos de tratamento; e por fim, (7) é um tratamento voluntário.

 

(1) A DBT é um tratamento empiricamente sustentado

Naturalmente pensamos que a DBT é uma forma de terapia. Isso não está errado. Porém, quero ressaltar que originalmente, a DBT foi concebida como um tratamento para pessoas com comportamento suicida e auto-lesivo crônicos, desregulação emocional pervasiva e com uma série de diagnósticos, como o transtorno de personalidade borderline (TPB) e comorbidades. A DBT Padrão ambulatorial (Standard DBT) para adultos, por exemplo, tem 4 modos de tratamento: terapia individual, treinamento de habilidades, coaching telefônico e equipe de consultoria ao terapeuta. É um tratamento empiricamente sustentado pois existem dados de ensaios clínicos randomizados que mostram que ela é efetiva em reduzir tentativas de suicídio, comportamento auto-lesivo, internações hospitalares e custo ao sistema de saúde nas populações com TPB em que foi testada. Há outros estudos que testaram DBT em pessoas com diferentes diagnósticos, porém a indicação principal do tratamento segue sendo o TPB.

A maioria das pessoas pensa que DBT é uma forma de terapia. Isso não está errado, porém não é totalmente correto.

(2) A DBT se apoia nos três pilares: ciência comportamental, mindfulness e filosofia dialética

A DBT é um tratamento que usa o racional da análise do comportamento, terapia comportamental e terapia cognitivo-comportamental. Apesar de o estilo de terapia que Marsha Linehan desenvolveu ter sofrido influência de outras abordagens, como da terapia humanista de Rogers, de Whitaker, e até Jung, todo o racional e as intervenções são baseadas em dados de tratamentos empiricamente sustentados comportamentais. Porém, além disso, Marsha Linehan também utilizou muito de sua própria experiência na prática Zen Budista e traduziu as práticas meditativas em habilidades de mindfulness, que são usadas pelos terapeutas e também ensinadas aos pacientes. Mindfulness (sob essa influência do Zen) impactou intensamente o tratamento, dando origem ao braço da aceitação: significa observar, descrever ou participar com o que está acontecendo neste exato momento sem querer modifica-lo.

Isso merece um comentário: o tratamento não existe para mudar os pacientes? Mudar seus comportamentos, mudar variáveis prejudiciais e problemas em suas vidas? Sim. Ao mesmo tempo, ou em oscilação contínua, na DBT ajudamos o(a) paciente a aceitar as coisas exatamente como são (e uma lembrança aos terapeutas: nós também aceitamos a paciente exatamente como ela é neste exato momento). A filosofia dialética, como definida por Linehan, vem para equilibrar as duas abordagens (aceitação x mudança) e inclusive encontrar a síntese entre as duas em vários momentos. É tanto uma maneira de conversar ou persuadir (ajudar) a paciente a mudar, quanto uma visão de mundo. 

Cada intervenção, atitude ou estratégia na DBT pode ser conceitualizada como uma estratégia de mudança (comportamental), de aceitação (e/ou mindfulness) ou dialética.

Portanto, cada intervenção, atitude ou estratégia da terapeuta DBT pode ser conceitualizada como parte de uma dessas três categorias: ou é uma estratégia advinda da ciência comportamental, ou uma estratégia de aceitação (ou propriamente uma estratégia de mindfulness), ou então o terapeuta está utilizando uma estratégia dialética que tem como finalidade encontrar uma síntese nova para o problema em questão, ou pelo menos, apreciar todos os pólos conhecidos do problema.

(3) A DBT tem como meta levar a cliente a construir uma vida que vale a pena

Uma coisa importantíssima: DBT não é um protocolo de prevenção ao suicídio. Embora este seja o primeiro alvo essencial do tratamento (diminuir comportamentos que ameaçam a vida), a terapeuta DBT sabe que não é apenas isso que se deseja. Ela está continuamente buscando e trabalhando com sua cliente em direção a uma vida que vale a pena ser vivida. O que é isso? Para mim, existem tantas possibilidades diferentes quanto pessoas no mundo. Eu nunca sei o que é uma vida que vale a pena para este ou esta cliente antes de conhece-lo e fazer algumas perguntas (p. ex., eu costumo perguntar: “o que faria sua vida valer a pena?”).

Essa “direção” a uma vida que vale a pena é traduzida em metas comportamentais, como terminar a escola, entrar na faculdade, conseguir um (bom) emprego, ter um (ou vários) relacionamento, ter mais amigos, ter tempo para estudar, praticar um hobby, cuidar da saúde, entre várias outras coisas. Por um lado, cada pessoa tem sua própria ideia sobre o que uma vida que valeria a pena para si; por outro, muitas das coisas que seres humanos buscam e trazem sentido (e também são reforçadoras) para a vida e produzem emoções agradáveis, são comuns para a maioria de nós: relacionamentos, sentir-nos efetivos, independência, capacidade de ter nossas diversas necessidades atendidas.

(4) Princípios, protocolos e intervenções

A DBT é uma abordagem baseada em princípios (ao invés de um protocolo). Ou seja, durante o tratamento o terapeuta se guia por princípios e toma decisões baseadas nesses princípios E nas características do cliente, levando em conta o que é necessário no momento e fazendo uso de protocolos (da DBT e outros) quando necessário. Isso é contrastado com tratamentos baseados em protocolo, em que a cada sessão se sabe exatamente o que fazer ou qual é a tarefa para aquela sessão (como CBT-E, por exemplo).

O tratamento é, de certa forma, mais fluido: não se tem exatamente um número de sessões para finalizar um estágio do tratamento, etc. 

Dito isso, também não é verdade que “na DBT tudo vale.” Existe uma forma de iniciar e conduzir as sessões, existem coisas essenciais que devem ser feitas durante as sessões (p. ex., avaliação da ocorrência dos comportamentos-alvo durante a última semana/período, análise funcional [análise em cadeia] e análise de soluções em relação ao alvo de maior prioridade, etc) e existem alguns protocolos, dos quais o mais importante talvez seja o protocolo de manejo do comportamento e risco de suicídio. 

Portanto, apesar de ser uma abordagem baseada em princípios, dificilmente uma sessão em que nenhuma dessas coisas ditas acima são realizadas pode ser considerada uma sessão de DBT (p. ex.: “acabei não fazendo uma análise em cadeia do comportamento auto-lesivo porque o(a) paciente estava tão mal, que passei a sessão inteira dando suporte e ajudando-o a se regular!”). 

Mencionando rapidamente um tema que pretendo explorar em outro momento, protocolos comportamentais ou cognitivo-comportamentais que possuem evidência de eficácia e efetividade para problemas psicológicos específicos podem, com certa facilidade, serem encaixados dentro do arcabouço da DBT (caso a terapeuta seja treinada no tal protocolo). A integração de algum protocolo específico é feita respeitando-se a organização do tratamento em Estágios, Hierarquia de Alvos e Metas. 

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(5) Um tratamento feito em equipe

Durante os primeiros ensaios clínicos, equipes de consultoria foram criadas para fazer com que os terapeutas se mantivessem fiéis ao modelo de tratamento (aderentes) e também motivados a continuar o tratamento com pacientes muitas vezes extremamente complexos (e que apresentavam comportamentos muito desafiadores). 

Após o final dos ensaios clínicos, diz-se que Marsha Linehan observou (e foi comunicada pelas equipes) sobre o efeito positivo de se trabalhar em equipe. Os terapeutas descreveram como sentiam-se mais seguros, mais efetivos e motivados ao receber apoio da equipe, e essa característica se manteve e se mantém no tratamento até hoje. 

Um dos quatro modos de tratamento na DBT Padrão para adultos, por exemplo, é a equipe de consultoria para o terapeuta. Isso eu gostaria de ressaltar: que você, como terapeuta DBT, receba consultoria para seus casos (e para você como terapeuta, mais do que apenas para os casos”), é um modo de tratamento, que beneficia a cliente diretamente. 

Não ter uma equipe de consultoria não deve ser considerado “não fazer DBT”, na minha visão (ao mesmo tempo que certamente é considerado não fazer DBT Padrão). Podemos fazer todos os outros modos de tratamento e fazer sessões extremamente aderentes e mesmo assim não ter uma equipe de consultoria. Porém, é importante lembrar-se das funções (aumentar a fidelidade [ao tratamento] e a motivação dos terapeutas) e da importância da equipe. 

“Somos uma comunidade de terapeutas tratando uma comunidade de pacientes,” dita um dos pressupostos e acordos do tratamento.

(6) Os pressupostos da DBT

Terapeutas concordam com alguns pressupostos, definidos como “crenças que não podem ser provadas, porém segundo as quais concordamos em agir [por ser mais eficaz do que agir de forma contrária].” 

Talvez essa tenha sido uma das grandes diferenças que notei quando comecei a estudar DBT: a DBT não só não pressupunha que as pacientes borderline eram manipuladoras, sedutoras, não queriam melhorar e faziam de tudo para sabotar o tratamento, como pressupunha exatamente o contrário. Isso me tocou de maneira profunda e acho que pela primeira vez consegui ver as(os) pacientes com TPB sem meus preconceitos prévios (ou talvez com preconceitos mais efetivos em relação ao tratamento): como pessoas que sofrem intensamente por terem uma vulnerabilidade emocional e terem crescido e vivido em ambientes intensamente invalidantes que, na melhor das hipóteses, foram ambientes com os quais as pacientes tinham um encaixe muito pobre; e na pior, ambientes abusadores, violentos, de diversas e tristes e cruéis formas. 

A importância dos pressupostos é, para mim, de duas dimensões: a primeira é nos livrarmos de outros pressupostos que aprendemos e carregamos por décadas advindos de outras formas de tratamento, frequentemente ineficazes – como que as pacientes são intratáveis, não querem melhorar, fazem de tudo para sabotar o tratamento e são manipuladoras. A segunda dimensão da importância dos pressupostos pode ser vista facilmente quando fazemos o seguinte exercício (que nos foi ensinado em um Treinamento Intensivo da Behavioral Tech/DBT Brasil por Tony DuBose): (1) imagine o seu ou a sua paciente mais difícil; (2) agora imagine que ele ou ela não quer melhorar e como você reage a isso e se comporta em relação ao paciente; (3) agora pense o contrário (“ele ou ela quer melhorar, mas não consegue) e perceba o que acontece.

(7) A DBT é um tratamento voluntário

Por último, mas não menos importante: a DBT é um tratamento voluntário tanto para a paciente quanto para a terapeuta. É preciso que o cliente esteja de acordo e adentrando o tratamento voluntariamente. A minha opinião pessoal sobre isso é que esse princípio demonstra um profundo respeito que a criadora da DBT, Marsha Linehan, tem pelas pessoas que sofrem com transtornos mentais. Ela própria viveu um período muito difícil em sua vida, tão sofrido que ela o chamou de “viver no inferno,” no final da adolescência, durante o qual ficou internada cerca de 2 anos em um hospital psiquiátrico (Ver “descendo ao inferno”, em Linehan 2021).

Entendo que isso tenha deixado uma profunda impressão em como o tratamento é imposto muitas vezes aos pacientes. Uma discussão sobre voluntariedade e involuntariedade em casos em que há risco iminente de vida (ou outros) foge ao escopo deste texto, mas o último princípio que eu gostaria de ressaltar é o da voluntariedade. Voluntariedade não é um princípio que diz respeito apenas à paciente; terapeutas também devem, no final do pré-tratamento, perceber e decidir se estão dispostas a continuar o tratamento com as pacientes. Minha visão pessoal é que, quanto mais estudamos, praticamos e nos desenvolvemos nessa abordagem, tanto nós quanto nossos pacientes dizem “sim” a essa pergunta.

Referências

Koerner K., 2020 (2012). Aplicando a terapia comportamental dialética: um guia prático. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora. 

Linehan, 2010 (1993). Terapia Cognitivo-Comportamental para o Transtorno da Personalidade Borderline. Porto Alegre: Artmed Editora SA. 

Linehan M. M., 2018a (2015) Treinamento de Habilidades em DBT: Manual de Terapia Comportamental Dialética para o Paciente. 2ed. Porto Alegre: Artmed Editora SA. 

Linehan M. M., 2018b (2015): Treinamento de Habilidades em DBT: Manual de Terapia Comportamental Dialética para o Terapeuta. 2ed. Porto Alegre: Artmed Editora SA.

Linehan M. M., 2021: Building a Life Worth Living: a Memoir.Nova Iorque: Random House. 

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Escrito por Alexandre Tzermias

Médico psiquiatra formado pelo Instituto Bairral de Psiquiatria, psiquiatra da infância e adolescência formado pela UNICAMP e terapeuta DBT treinado pela Behavioral Tech / DBT Brasil. Trainer-in-Training da Behavioral Tech / DBT Brasil. Co-fundador da DBT Campinas.

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