Recursos para o trabalho do Luto na Terapia Analítico-Comportamental Infantil

O presente artigo é fruto de trabalhos realizados para o Curso em Terapia Analítico-Comportamental Infantil, promovido e orientado pela psicóloga Amanda Viana dos Santos (CRP – 09/14306) por meio do projeto Guia Prático dos Pequenos (disponível no Instagram @guiapraticodospequenos). A proposta dos trabalhos foi apresentar recursos terapêuticos como apoio ao terapeuta no processo psicoterápico de crianças que estão passando pelo processo de luto. O manuscrito foi escrito por Amanda Viana dos Santos com colaboração de Thaís Rêgo, Érika de Abreu Silva, Ana Catarine Medeiros Barreiros e Claubia Figueiredo de Oliveira, que desenvolveram os recursos psicoterapêuticos.

No luto, emoções e lembranças que remetem à dor são inevitáveis. Por culturalmente esses fenômenos serem configurados erroneamente como “ruins”, cuidadores de crianças podem desencorajá-las a entrar em contato com sentimentos ou pensamentos dolorosos: por exemplo, pais podem fugir do assunto sobre o ente querido que faleceu, disfarçar e até mesmo inventar metáforas que acabam sendo prejudiciais (e.g., dizer “a pessoa não está aqui, porque foi viajar” – a criança poderia manter-se na espera do ente querido e até mesmo sentir-se chateada por não ter sido convidada para a viagem ou por ele não ter ligado ou ter se despedido dela). Esses comportamentos de esquiva ou de fuga dos cuidadores geralmente dificultam a aprendizagem da criança em lidar com a perda e a se adaptar ao ambiente modificado (ausência do ente querido).

Vivenciar o pesar da perda por meio da expressão dos sentimentos e pensamentos, sem tentar lutar contra, é uma oportunidade da criança se sentir acolhida e amparada em sua dor. No contexto psicoterápico com crianças que estão no processo de luto, se faz importante o terapeuta construir caminhos terapêuticos que evoquem emoções, lembranças e pensamentos relacionados à pessoa ou animal que faleceu (Nascimento, Nasser, Amorim, & Porto, 2015). A trilha por esses caminhos, ainda que ocorra aos poucos no início e que seja desconfortável, auxilia na redução significativa dos efeitos dolorosos, por meio dos processos de extinção e de construção de repertórios comportamentais de regulação emocional (Nascimento et al., 2015).

O uso de recursos terapêuticos, como os lúdicos, se configura como um apoio ao terapeuta para acessar e intervir em conteúdos clinicamente relevantes da criança. A escolha de qual material ou atividade utilizar, bem como qual será seu manejo ou adaptação, deve ser guiada pela análise funcional de cada caso. Para o trabalho de luto, há diversas possibilidades de recursos e atividades que podem ser realizadas com a criança. Algumas possibilidades são: utilizar músicas, filmes ou poemas que retratam perdas inevitáveis; escrever cartas ou diário, expressando seus pensamentos e sentimentos sobre a situação; jogar jogos sobre emoções que criam contexto para que ocorra a psicoeducação sobre os sentimentos (e.g., jogo da memória das emoções); utilizar cartazes ou desenhos sobre o ciclo da vida da natureza em animais e em humanos; abrir oportunidade para perguntar qualquer curiosidade ou dúvida que tiver sobre o tema de morte ou luto; realizar um livrinho de memórias da pessoa ou animal falecido; escrever ou desenhar coisas que a pessoa ou que o animal que morreu fez por ela e pelas quais a criança se sente grata; fazer um desenho daquilo que ela mais sente falta de fazer com a pessoa ou animal que morreu; discutir se há alguma coisa de que ela gostaria que quem morreu soubesse e pedir para escrever sobre isso; discutir que coisas a criança poderia dizer para um amigo dela que está passando pela mesma situação; pedir para fazer um desenho de algo que aconteceu que ela gostou muito e que sente saudade (c.f. Neufeld & Reis, 2015).

Portanto, recursos terapêuticos podem criar contexto para a criança entrar em contato e interagir diferente com as emoções, lembranças e pensamentos relacionados àquele que se foi, facilitando a adaptação no novo ambiente, sem perder a conexão emocional e as memórias saudosas. Considerando 1) o contexto cultural que, acidentalmente, influencia a ocorrência de comportamentos de fuga ou esquiva de eventos privados dolorosos e 2) como isso pode impactar negativamente no processo do luto; além da 3) a importância do uso de recursos terapêuticos na clínica infantil para intervenção, o presente artigo teve como objetivo descrever dois materiais terapêuticos inéditos como auxílio ao trabalho de luto com crianças.

O primeiro recurso, “Luto infantil: Memórias Afetivas”, inspirado no livro infantil de Neufeld e Reis (2015), foi construído pelas autoras Érika Abreu e Ana Catarine Medeiros. A atividade possui o objetivo de auxiliar a criança a compreender e a passar pelo luto de forma lúdica, trabalhando memórias e sentimentos significativos relacionados à perda da pessoa ou animal querido. O material foi desenvolvido para que seja aplicado em crianças com idade entre 4 e 12 anos.

A atividade é dividida em seis partes. O primeiro momento é destinado para que seja realizada a psicoeducação com a criança sobre memórias afetivas: o que são e como aparecem no dia a dia a partir dos cinco sentidos. Por meio do lúdico (e.g., desenhar, pintar e colagens), a segunda etapa explora as memórias afetivas da criança, a partir de cinco perguntas que, de modo geral, evocam: 1) um momento que a criança viveu com aquele que perdeu; 2) um lugar, cheiro ou objeto que desencadeia a lembrança da pessoa ou animal citado anteriormente; 3) quais atividades a criança sente falta de fazer ao lado dele; 4) como se sente ao se lembrar dele; 5) algo que a criança gostaria de falar para essa pessoa ou animal que não está mais presente.

O recurso, no formato de folha A4, pode ser impresso e, para sua realização, sugere-se que sejam separados materiais para desenho (lápis grafite, lápis para colorir, canetinhas, tintas e pincéis etc.). Espera-se que o recurso seja um auxílio à criança no processo de luto ao possibilitá-la entrar em contato com lembranças e sentimentos difíceis e ter a chance de poder ressignificá-los para sua adaptação nesse novo ambiente sem a presença da pessoa ou animal amado. No material, utilizou-se o termo “’boas’ memórias” e “emoções ‘positivas’ e ‘negativas’” no sentido de serem agradáveis ou desagradáveis, e não como “erradas” ou “ruins”.

            O segundo recurso foi desenvolvido pelas autoras Thaís Rêgo e Claubia Figueiredo. O material se trata da descrição de como o filme “A Caminho da Lua” pode auxiliar no trabalho de luto com crianças. O objetivo da atividade é trabalhar, de forma lúdica, o luto com crianças que apresentam dificuldades em lidar com os sentimentos causados pela perda de um ente amado. Espera-se que o recurso possa contribuir para que a criança seja capaz de falar sobre seus sentimentos e adquirir estratégias para lidar com eles, tal como obter a identificação de estímulos que têm gerado déficits ou excessos comportamentais.

O recurso se inicia com um breve resumo da história do filme, que conta sobre uma garotinha chamada Fei-Fei que perdeu a mãe ainda muito criança e, desde então, vive apenas com seu pai e seu coelho de estimação. No decorrer do filme, o pai dela inicia o namoro com uma mulher que tem um filho mais novo que a protagonista. Então, Fei-Fei busca encontrar uma lenda de histórias infantis, para que pudesse ter novamente a exclusividade de seu pai. A lição que ela aprende é que seu pai continuará a amando mesmo que a vida tenha mudado um pouco e agora tenha novas pessoas nela.

Algumas cenas foram selecionadas para que fosse possível abordar temas relacionados ao luto com o público infantil, como seguir em frente após a perda de alguém e a construção de uma nova família. A seguir, são sinalizadas os tempos das cenas que possibilitam esse trabalho:

Para concluir a atividade, sugere-se que se solicite à criança que faça um desenho para a pessoa falecida, ilustrando um momento feliz no qual ela poderia “guardar” aquele ente que se foi. Junto à criança, pode ser refletido pontos de proteção para garantir o não esquecimento daquele ente, como um álbum de fotografias, vídeos ou algo sugerido pela própria criança.

Ao final no material, encontra-se um jogo da memória com cenas do filme para utilizar de diversas formas com a criança.

Como utilizar o recurso: sugere-se que as cenas em destaque sejam apresentadas para a criança na sessão e, logo após, discutidas junto com o terapeuta como os conteúdos apresentados no enredo podem possuir semelhança funcional com o que ela está enfrentando no seu dia a dia. Essa reflexão pode ser norteada pelas perguntas apresentadas na Tabela 1. O jogo da memória pode ser utilizado como forma de criar contexto/ocasião para os questionamentos ocorrerem assim que as cartas forem sendo viradas e, então, haver possibilidade de avaliação e/ou intervenção terapêutica.

Portanto, foram desenvolvidas possibilidades de recursos terapêuticos como contexto para a criança interagir com diversas e diferentes emoções, pensamentos e lembranças saudosas relacionadas ao processo do luto. Além disso, os materiais criados podem auxiliar o terapeuta em sua avaliação e análise funcional, planejamento e intervenção terapêutica. O presente manuscrito não esgota possibilidades do uso de recursos e instiga o leitor a refletir novas possibilidades de criação de materiais para o trabalho do luto infantil na clínica.

Para baixar gratuitamente os materiais, clique aqui.

Referências

Neufeld, C. B.; Reis, A. H. (2015). O vovô não vai voltar? Trabalhando o luto com crianças. Hamburgo: Sinopsys

do Nascimento, D. C., Nasser, G. M., de Amissis Amorim, C. A., & Porto, T. H. (2015). Luto: uma perspectiva da terapia analíticocomportamental. Psicologia Argumento33(83).

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Escrito por Amanda Viana dos Santos

Psicóloga infantojuvenil (CRP - 09/14306). Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com Prêmio Mérito Acadêmico Magna cum laude. Mestranda na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Coordenadora da Comissão de Estudantes da ABPMC (2021). Professora convidada do curso de Pós-Graduação em Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC. Pós-graduanda em Terapia Analítico-Comportamental Infantil pelo Instituto Skinner. Durante a graduação, foi membro do Laboratório de Análise Experimental do Comportamento/PUC GO, realizando iniciações científicas na área do comportamento de escolha, autocontrole e estilos parentais (bolsista CNPq). Criadora do projeto Guia Prático dos Pequenos, disponível no Instagram @guiapraticodospequenos. E-mail: amandapsico8@gmail.com

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