Recurso psicoterapêutico para crianças: lidando com a separação dos pais

Este artigo é fruto de um trabalho realizado para o Curso em Terapia Analítico-Comportamental Infantil, promovido e orientado pela psicóloga Amanda Viana dos Santos (CRP – 09/14306) por meio do projeto Guia Prático dos Pequenos (disponível no Instagram @guiapraticodospequenos). A proposta do trabalho foi apresentar um recurso como apoio para intervenção psicoterápica com crianças cujos pais estão no processo de separação. O presente texto foi redigido por Amanda Viana dos Santos com a colaboração de Gabriella Antônia Resende Dos Santos e Veronica Maria Figueiredo de Queluz, que desenvolveram os recursos psicoterapêuticos.

O divórcio é um momento difícil para os adultos, podendo ser mais ainda para os filhos. Os sentimentos dolorosos podem ser complicados de lidar para a maioria das crianças, as quais preferem esconder, e podem ser transformados em dores de cabeça, dores de estômago ou problemas de comportamento (Heegaard, 1998). Sendo a separação amigável ou conturbada, a preocupação dos cuidadores quanto à rotina e ao modo de educar a criança, bem como a adaptação à nova configuração familiar, é posta em ênfase. Sem tomar consciência das contingências aversivas que a criança pode ser exposta quando os cuidadores são um casal que não deseja mais ficar junto, essa aflição, muitas vezes, pode colocar em xeque a decisão dos pais de se separarem ou não.

A tomada de decisão da separação pode trazer algumas inseguranças aos cuidadores quanto a como manejar e lidar com situações que podem ser desafiadoras com a criança. Entre elas, pode ser citada a dúvida se devem esconder ou mentir para o filho acerca da separação que está em processo. Caso isso ocorra, a criança pode se sentir “enganada” quando, mais tarde, seus cuidadores finalmente contarem, podendo gerar emoções de raiva e comportamentos de revolta em relação aos seus responsáveis; além do sentimento de desamparo nesse processo que geralmente é difícil para todos da casa.

Face ao que foi exposto, o trabalho do psicólogo infantil, em muitos casos, se torna essencial tanto com a criança quanto com seus cuidadores. Dentre as possibilidades de trabalho com os pais, inclui-se orientá-los a esclarecer ao filho que a separação não diz respeito à relação da mãe com o filho ou do pai com o filho, e sim do casal. A rotina irá se alterar a partir da separação, o que inclui fazer passeios diferentes, só com um e depois só com o outro, ter duas casas e poder ligar para o outro cuidador caso sinta saudade. O amor dos cuidadores pelo filho será perene e não sofrerá nenhuma mudança. Além disso, oprocesso pode ser valioso por ser uma oportunidade de a criança ser amparada, se preparar para a adaptação que será feita e tirar quaisquer tipos de dúvidas que surgirem nesse momento. Este último ponto é de suma importância, especialmente porque crianças podem fantasiar possibilidades irreais, como “meu pai está indo embora porque eu não arrumei meus brinquedos aquele dia” ou “minha mãe não gosta mais de mim, ela está querendo ir para longe de mim para sempre”. É importante serem gentis com a criança se perceberem alguma concepção errônea sobre a separação e a corrigirem delicadamente.

Ademais, é necessário acolher a expressão de sentimentos de tristeza ou raiva da criança e compreender que são sentimentos esperados de ocorrerem no início desse processo. Ainda que seja muito movimentado burocraticamente o momento da separação, é importante que os pais não se esqueçam de dedicarem pequenas porções diárias de atenção exclusiva à criança. A(s) nova(s) casa(s) precisa(m) estar preparada(s) para receber a criança, o que inclui ter seu quartinho, seus brinquedos e outros pontos separados para ela; buscar evitar grandes mudanças na rotina, como a escola que frequenta que está com seus colegas ou quanto aos lugares que costuma ir/passear; não dar esperanças da volta do casal se um deixa claro que não há voltas. Como o ex-casal estará sempre ligado por conta do filho, é importante trabalharem para que haja comunicação ao menos respeitosa entre ambos.

Nos encontros com a criança, as possibilidades de trabalho são: ajudá-la a compreender a situação que está passando e aprender novas formas de interagir com os pensamentos e os sentimentos relacionados, buscando se adaptar à nova realidade com o apoio emocional de seus cuidadores, o que inclui o terapeuta; se for o caso, esclarecer que não é a criança que escolhe se os pais vão ou não se separar, que o amor entre os membros familiares com ela não irá mudar, e que ela não é a razão da separação de seus pais, que a mudança faz parte da vida, assim como a plantinha muda, a gente mesmo e os períodos do dia; identificar pontos de dificuldade do divórcio, bem como os obstáculos, para refletirem diferentes soluções de lidar com a mudança; refletir o que é casamento e o divórcio e por quais razões podem ocorrer de forma geral; avaliar a atribuição da culpa da criança pelo momento que está passando, se há pensamentos discrepantes; aprender sobre os sentimentos que o divórcio gera: identificar e nomear sentimentos, esclarecer que eles fazem sentido e são naturais os sentirmos quando perdemos algo, que não existem sentimentos errados; criar contexto para identificar medos e preocupações diante da situação do divórcio e outras situações; reconhecer os sentimentos dos pais nesse momento; ter conhecimento de sua rede de apoio, como os demais familiares e colegas.

Os conflitos da criança com seu mundo interno e/ou externo podem ser resolvidos e sua autoestima aumentada quando as habilidades de manejo diante da situação de separação dos pais são desenvolvidas (Heegaard, 1998). Assim, é fundamental o terapeuta se preparar para atendimentos com esse tipo de demanda tão delicada. Portanto, a segunda e a terceira autora do artigo prepararam um recurso que pode funcionar como um veículo de comunicação entre o terapeuta e a criança para o trabalho de separação de pais. O recurso é um compilado de atividades para serem realizadas após a leitura da obra literária “Lá e Aqui”, de Carolina Moreyra. O livro diz respeito ao processo de separação dos pais e que, ao olhar do filho, pode ser experienciado de uma forma salutar, sem diminuir o sofrimento.

A primeira atividade tem como intuito iniciar o contato com seus eventos privados sobre o tema e verificar a compreensão do enredo, assim, se deve solicitar à criança que realize um desenho livre relacionado ao livro e posteriormente comentar aspectos clinicamente relevantes sobre ele. Por exemplo, se o desenho representar o sofrimento inicial do processo de separação, este pode ser um contexto para o terapeuta investigar e avaliar o impacto na vida da criança do que foi desenhado, bem como direcionar o planejamento e intervenções necessárias, se apoiando ou não na obra utilizada.

A segunda atividade diz respeito a realizar movimentos semelhantes aos do personagem da obra lida, no que tange identificar e relatar as diferentes e diversas atividades reforçadoras presentes tanto na casa da mãe quanto do pai. O relato pode ser diálogo, desenho ou fantasia (por exemplo, por meio do uso de fantoches). O objetivo é deixar a criança sensível às contingências de reforçamento implicadas no processo de separação de seus pais. Caso não sejam identificadas, esse pode ser um contexto para terapeuta planejar e instalar as atividades na rotina da criança, trabalho que pode ser realizado tanto com ela quanto com os cuidadores.

A terceira e última atividade é dialogar com a criança sobre o que ela diria para a criança do livro e que ajuda poderia ser oferecida. O propósito dessa dinâmica é ajudar a criança a formular autorregras que, como estímulos discriminativos verbais, podem a auxiliar a se relacionar de forma salutar com o (novo) ambiente em momentos que sentir dificuldade.

 Para acessar gratuitamente o recurso, clique neste link.

Referências

Heegaard, M. (1998). Quando os Pais se Separam. Porto Alegre: Artmed.

Moreyra, C. & Moraes, O. (2015). Lá e Aqui. São Paulo: Zahar.

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Escrito por Amanda Viana dos Santos

Psicóloga infantojuvenil (CRP - 09/14306). Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com Prêmio Mérito Acadêmico Magna cum laude. Mestranda na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Coordenadora da Comissão de Estudantes da ABPMC (2021). Professora convidada do curso de Pós-Graduação em Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC. Pós-graduanda em Terapia Analítico-Comportamental Infantil pelo Instituto Skinner. Durante a graduação, foi membro do Laboratório de Análise Experimental do Comportamento/PUC GO, realizando iniciações científicas na área do comportamento de escolha, autocontrole e estilos parentais (bolsista CNPq). Criadora do projeto Guia Prático dos Pequenos, disponível no Instagram @guiapraticodospequenos. E-mail: amandapsico8@gmail.com

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