Leis, acesso à justiça e análise do comportamento

Uma das questões mais presentes no campo da Psicologia Forense está relacionada à adoção de novas leis não, necessariamente, ao aumento da variabilidade comportamental. Diversas leis foram criadas e simplesmente “não pegaram”, isto é, não tiveram qualquer engajamento comportamental por parte da população. Porém, algumas leis “pegam” e geram mudanças comportamentais significativas em boa parte da população.

De acordo com Bilz e Nader (2014), as leis podem atingir seus objetivos de duas maneiras: 1) de forma direta, pela aplicação de sanções ou por consequências positivas para quem se engaja nos comportamentos descritos; e 2) de forma indireta, ao modificar crenças sobre os comportamentos a serem regulados. Interessante destacar que segundo os autores, o segundo caminho parece ser o mais eficiente para o engajamento comportamental, especialmente quando as leis envolvem decisões e comportamentos morais. Nader (1986) exemplifica essa posição pelo uso de cadeiras de segurança para crianças em automóveis nos Estados Unidos. De acordo com a autora, apesar de multas, o uso na época no país era baixo. Mas que estados que haviam investido em propagandas e educação sobre a importância dos assentos específicos para crianças tinham menor número de infrações.

Essa característica nos ajuda a entender como algumas leis são rapidamente adotadas pela população, enquanto outras passam por um processo longo e gradual de adaptações comportamentais. Um exemplo na legislação brasileira é a Lei Maria da Penha. Ao ser adotada em 2006, essa legislação foi alvo de críticas de membros da sociedade que eram contrários à sua implementação. Contudo, ao longo de diferentes processos de psicoeducação e campanhas nacionais, cada vez mais a Lei é conhecida e compreendida como um fator de proteção às pessoas em situação de violência (Alves et al., 2012; Maria et al., 2015).


Com isso, algumas evidências sobre o seguimento de leis também implicam em compreender como os comportamentos seguidos por regras passam por diferentes avaliações por parte dos indivíduos. É possível que a Lei não represente as visões/opiniões da maioria ou de parte da população sobre um determinado fenômeno, o que levaria a comportamentos contrários à sua implementação, como o movimento contrário à Lei Maria da Penha que Calazans e Cortes (2011) apresentam em seu artigo. Ou ainda, seja muito cara para ser aplicada, ou ainda, pouco clara sobre o que deve ser feito, não indicando o que é aceitável e o que não é aceitável (para uma revisão desses aspectos Levine et al., 2019). Ao não apresentar estímulos contingentes com a realidade, as legislações podem não receber qualquer atenção dos indivíduos, por regular comportamentos que não são reconhecidos ou compatíveis com os emitidos em situação natural.

Logo, pesquisadores começaram a se perguntar quais seriam as melhores estratégias para que leis protetivas, em especial de pessoas em situação de vulnerabilidade, como crianças e idosos, fossem adotadas, mas também que tivessem ferramentas que possibilitassem o acesso à Justiça. Há certa confusão nesse aspecto com pessoas acreditando que o acesso à Justiça seria acesso aos elementos do Judiciário, quando na realidade estamos discutindo acesso a quaisquer mecanismos legais que aumentem a proteção e possibilitem um desenvolvimento saudável dos indivíduos. Por exemplo, acesso à Justiça envolveria a possibilidade de estudo para meninos e meninas e uma ferramenta para tal seria o acesso à ônibus escolares gratuitos. Isto é, acesso à Justiça e suas ferramentas envolvem toda a sociedade em uma cadeia comportamental de diferentes indivíduos para que as leis sejam, de fato, aplicadas (Farrow, 2013).

Desse modo, uma das tarefas principais da Análise do Comportamento no campo da Psicologia Forense é compreender as relações entre os comportamentos governados por regras ditados por leis e como eles se relacionam com os comportamentos modelados por contingências (Levine et al., 2019). As ferramentas de acesso à Justiça podem ser uma estratégia fundamental para o futuro dessa intersecção, com foco na facilitação e maior aproximação dos profissionais com as reais necessidades da sociedade e seus indivíduos.

Para saber mais:
Alves, E. D. S., Oliveira, D. L. L. C. D., & Maffacciolli, R. (2012). Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência doméstica em Porto Alegre. Revista Gaúcha de Enfermagem, 33, 141-147.
Bilz, K., & Nadler, J. (2014). Law, moral attitudes, and behavioral change. In E. Zamir & D. Teichman (Eds.), The Oxford handbook of behavioral economics and the law (pp. 241–267). Oxford University Press.
Calazans, M., & Cortes, I. (2011). O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha. Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 193.
Farrow, T. C. (2013). What is access to justice. Osgoode Hall LJ, 51, 957.
Levine, M., Wallach, L., Levine, D. & Goldfarb, D. (2019). Psychological problems, social issues and the Law. West Academic Publishing.
Maria, S., dos Santos, A. L., Gonçalves, A. O., & de Jesus Nicácio, J. (2016). “FALA MARIA PORQUE É DE LEI”: a percepção das mulheres sobre a implementação da lei Maria da Penha em Salvador/BA. Revista Feminismos, 4(1).
Nader, L. (1986). The law as a behavioral instrument (Vol. 33). U of Nebraska Press.
Rhode, D. L. (2004). Access to justice. Oxford University Press.

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Escrito por Sidnei R. Priolo Filho

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná em Curitiba.

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