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Autoconhecimento e as esquivas dos clientes em sessão

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Muitos de nós já sabemos que autoconhecimento é um conceito muito importante para o behaviorismo radical, já definido por Skinner, em 1974, no seu livro Sobre o Behaviorismo.

Não apenas para o desenvolvimento da filosofia e ciência do comportamento, o autoconhecimento também é um objetivo que costumo chamar de “coringa”, por ser comum a todos os processos psicoterapêuticos, especialmente na Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR). Isto porque, de acordo com a proposta da TCR, o autoconhecimento envolve identificar e conhecer as contingências de reforçamento em que cada um de nós está inserido (conhecer como nos comportamos nos contextos em que vivemos e como este ambiente nos influencia). As influências que sofremos envolvem o ambiente social e não social, tanto nos antecedentes que evocam e eliciam nossos comportimentos (neologismo proposto por Guilhardi, em 2023, para um único termo que se refira a comportamentos e sentimentos), quanto nas consequências que os selecionam e mantêm.

O autoconhecimento, diferente de outras classes de comportamentos, este sim é produto impreterivelmente de contingências sociais. A comunidade sócio-verbal a que pertence a pessoa é que irá selecionar o que é relevante para ela conhecer acerca de seu ambiente e de si mesma, e irá criar – ou não – condições favoráveis para que a pessoa aprenda a nomear, por exemplo, como se sente, o que motiva seus comportamentos (as razões para fazer o que faz), por exemplo.

O psicoterapeuta, como parte da comunidade sócio-verbal do cliente, tem um papel importante para o desenvolvimento de autoconhecimento. Uma vez tendo esta função como um dos objetivos da psicoterapia, vale também lembrar que nem sempre este caminho será uma linha reta e suave, mas pode haver obstáculos no meio do caminho.

Um destes obstáculos podem ser os comportamentos de esquiva do cliente, apresentados em sessão. As esquivas podem se apresentar de formas variadas: quando o cliente relata uma situação de forma muito breve e pouco clara (emite tatos verbais pouco descritivos das contingências em operação), como se quisesse “abreviar o assunto”; quando o cliente não fala sobre um tema, não dá continuidade a temas abordados em sessões anteriores; quando demonstra desconforto e muda de assunto diante de SDs específicos apresentados pelo terapeuta (perguntas diretas sobre o tema, comentários que remetam ao assunto desejado, por exemplo).

Nestas ocasiões, quais repertórios do psicoterapeuta seriam bons aliados para tomar um bom caminho em sessão?

Primeiramente, conhecer o histórico do cliente nas próprias sessões: o cliente esquiva-se com frequência de perguntas e intervenções? Se o faz, esta esquiva ocorre diante de algum tema específico? O cliente esquiva-se de maneira assertiva ou age de forma funcionalmente agressiva, punindo o terapeuta?

Além disso, o psicoterapeuta precisa buscar conhecer a história de aprendizagem do seu cliente antes e fora da sessão: aquela pessoa conviveu e/ou convive com pessoas que o estimulam a falar de si mesmo? Tem espaço, incentivos e audiência para falar de suas emoções, pensamentos, experiências? Pode ser que a psicoterapia seja o ambiente em que este repertório de falar de si mesmo (e vir a se conhecer) seja diferente e pouco conhecido para o cliente. Diante de situações novas, podemos tentar evitar o contato e exposição, sempre dependendo de nossa história de contingências de reforçamento (história de aprendizagem).

A decisão a ser tomada pelo psicoterapeuta pode e deve contar com diversas possibilidades: uma vez identificada a razão pela qual o cliente não se expõe à sessão (por ausência de repertório, ou por esquiva de fazê-lo), o psicoterapeuta estará em condições de decidir pela condução. Contestar o cliente, reformular a pergunta, insistir no tema pode ser um caminho necessário da intervenção. Isto quando a análise funcional indicar que aquela esquiva é indesejada e poderá ser prejudicial para o cliente.

Por outro lado, precisamos nos lembrar de que nem todo comportamento de esquiva é indesejado e descabido. O psicoterapeuta tem a função também de zelar e se atentar à construção e manutenção do vínculo psicoterapêutico. Avaliando tudo isto em conjunto, pode chegar à conclusão de que precisa ser ameno e permitir que o assunto seja adiado, detalhes sejam explorados em outras oportunidades.

Termino esta reflexão propondo, portanto, que desenvolver autoconhecimento é um importante objetivo psicoterapêutico, mas que não pode ser buscado a qualquer custo.

Referências
Guilhardi, H. J. (2022). Definição de comportamento. Disponível em http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/helio/definicao_de_comportamento.pdf

Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo. Trad. Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Editora Cultrix.

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Escrito por Marília Zampieri

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento - ITCR-Campinas, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Atua como psicóloga clínica e supervisora de atendimentos a adultos em Campinas - SP e online, e como supervisora dos cursos de especialização do ITCR - Campinas.
Possui acreditação como Analista do Comportamento pela ABPMC.

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