Queixas de depressão e o trabalho clínico

Recentemente escrevi uma publicação para o Comporte-se sobre ansiedade (Queixas de ansiedade e o trabalho clínico), sofrimento que frequentemente está associado à depressão. Por isso, escrevo este texto trazendo o raciocínio clínico da psicoterapia comportamental para a depressão. Recomendo também assistir aula do Paulo Aguirra sobre o assunto (Análises funcionais das Depressões e possíveis intervenções).

Como postulado no artigo sobre ansiedade, na Análise do Comportamento lidamos com relações de contingência que, na aplicação comportamental, compreende como indivíduos acessam consequências em determinados contextos, sobretudo sociais, por meio de seus repertórios comportamentais. Os casos clínicos do texto sobre ansiedade também vieram com queixas de depressão e aqui discutiremos como as contingências desse sofrimento operaram na vida das pessoas de que falamos. 

Começo relembrando a minha cliente que…

aos 72 anos vivia com o marido que, dez anos mais velho, estava adoecendo. Inesperadamente, ele desfalecia, sofria quedas, envolvia-se em acidentes… e ela entrava em um frenesi comportamental: oferecia água com açúcar, levava-o para o banho, ajudava-o a levantar as pernas, a se deitar… além disso, passava o dia ocupando-se com afazeres domésticos, como se a organização da casa prevenisse algo ruim que estava à espreita.

Observando esse trecho da vida dela, compreendemos como a extinção gerou os operantes da ansiedade. A perda sistemática de acesso a reforçadores críticos (saúde, estabilidade da rotina, previsibilidade dos acontecimentos) levou tanto ao aumento imediato na frequência, variabilidade e magnitude das suas respostas como também à redução, em longo prazo, da frequência geral dos seus comportamentos. O enfraquecimento do responder pela perda de reforçamento do processo de extinção associada às punições da ocorrência incontrolável de acidentes e acontecimentos imprevisíveis fez com que minha cliente, antes frenética nos seus afazeres, ficasse deprimida. Julgava-se incapaz de dar conta de tudo, sentia um vazio e um cansaço imobilizante, passou a dormir até muito mais tarde e perdeu tanto peso que assustava quem a reencontrava.

Não menos preocupante era o estado de seu marido. É verdade que a velhice lhe trouxe limitações, mas a sua inatividade era mais bem explicada pelas intervenções da família do que pela fragilidade do seu corpo. Se ele ia para a cozinha fazer o almoço ou se combinasse de sair para encontrar algum amigo, a esposa o supervisionava de maneira aguçadamente crítica e os filhos o ameaçavam de acidentes com sequelas irreversíveis que poderiam acontecer fora de casa. Mas se ficasse sentado no sofá contava com a aprovação de todos, tinha refeições e lanchinhos à mão e podia ver programação diversa na tv graças aos serviços de streaming instalado pelos filhos. Permanecer sentado – e o mais imóvel possível, para não correr o risco de escorregar e cair – era o pouco que era reforçado. E, assim, ele também deprimiu. 

Quem leu o artigo sobre ansiedade, lembra do meu querido cliente que… 

… passou por muitas dificuldades ao longo da vida e anos depois, mesmo já tendo conseguido tudo o que precisa para viver bem, não conseguia parar de se cobrar para fazer mais e melhor.

As contingências históricas de alto critério para acessar reforçadores tornou a vida dessa pessoa um looping infinito: era preciso fazer sempre mais e melhor, fazendo com que ela oscilasse entre sentimentos de ansiedade e depressão. Depressão pois, para ser sempre e muito produtivo, ele perdia muitos outros reforçadores, cuja falta de acesso gerava privações significativas – e essa é mesmo uma armadilha da ansiedade nesse tipo de contingência: levar a pessoa a responder muito, mas em poucas partes da vida. Isso exaure o indivíduo e coloca em extinção outros repertórios, principalmente os que envolvem trocas afetivas.

Noutro caso que atendi, a pessoa…

… tinha medo de pássaros e aconteceu de um pombo entrar na sua casa. Desesperada, ela ligou para o namorado pedindo que ele fosse lá retirar o bicho. Esse repertório – pedir ajuda numa topografia bastante útil para a ter com urgência – é consequenciado com manter-se distante de aves… se o namorado espanta o pombo, ela pode continuar segura, longe dele e de seus espécimes. E, claro, existem outras maneiras de conseguir isso… mas na história dela, pedir para alguém salvá-la nessas situações foi selecionado e é mantido.

Na vida dela não foram exatamente as contingências da ansiedade que também levaram à depressão, mas algo relacionado: o rompimento abrupto do relacionamento escancarou a dependência que ela tinha do namorado como mediador em diversas situações da sua vida, como ir à academia ou curtir um estilo musical, dependendo da aprovação dele até mesmo sua frequência na faculdade. A ausência do namorado subtraiu os reforçadores sociais envolvidos no que ela se engajava.

Em síntese, as contingências capazes de causar (no sentido selecionista) depressão podem ser depreendidas desses casos clínicos como: processos de 1. extinção operante e punições inescapáveis; 2. reforçamento diferencial de comportamentos depressivos; 3. contingências de alto critério determinando respostas e acesso a consequências restritas em uma história de vida de superações; e 4. controle de reforçadores sociais, bem como a extinção de comportamentos que podem gerar reforçamento concorrente.

As intervenções com cada uma dessas pessoas foram complexas, mas no recorte que cabe no nosso escopo, conto como desenvolvemos o nosso trabalho.

Com a cliente deprimida pela incontrolabilidade da vida, atuamos em relações verdadeiramente contingenciais: praticar aulas de dança, cozinhar e discriminar cuidados necessários (ir ao médico, controlar medicações) e superestimados (como checar a pressão do marido de meia em meia hora) foram mudanças em que ela se engajou. Além disso, ela compreendeu como respeitar a autonomia e a capacidade do seu marido de realizar atividades de baixo risco.

Com a pessoa posta em uma demanda infinita por produtividade, trabalhamos o contato com outros reforçadores além dos vinculados ao trabalho, principalmente os sociais (família, amigos e paquera/namoro); nesse sentido, a relação terapêutica foi alvo direto, pois estar em contato comigo gerava reforçadores que eram objetivos com o cliente: atenção à pessoa, intimidade e mediação social.

Já para a cliente que deprimiu após o término com o namorado, estabelecer o contato com os reforçadores naturais disponíveis ao frequentar academia, festas e faculdade foram, obviamente, objetivos terapêuticos, mas trabalhamos, principalmente, pelo acesso aos reforçadores sociais nesses contextos. Reaproximar-se dos amigos, conhecer gente nova e ficar com outras pessoas era importante tanto por dispor aquilo que o namorado mediava, como para fortalecer algo que com ele era enfraquecido: experimentar diversos esportes, curtir outros estilos musicais, frequentar diferentes tipos de festas e interessar-se por mais áreas dentro da sua formação.

Reiterando: todas essas habilidades são trabalhadas em classes, como aceitação e regulação emocional, discriminação e expressão de necessidades, desenvolvimento de self, fortalecimento de vínculos, resolução de problemas e melhora na qualidade geral de vida. O que abordei sobre a depressão nesse texto foi o raciocínio clínico analítico-comportamental, que deve ser cuidadosamente individualizado e, mesmo que compartilhe algumas das características dos casos discutidos aqui, não deve ser ajustado para essas formulações.

Referências
Skinner, B. F (1953). Ciência e Comportamento Humano (11a ed.). São Paulo, Martins Fontes. Capítulos V, VI e XI.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991/2006). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec. Capítulos 4 e 6.

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Escrito por Francine Fernandes

Formada em Psicologia pela UFSCar e especialista em Clínica Analítico-Comportamental, atua como psicoterapeuta e supervisora clínica.

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