Então é Natal! Ritual de conexão

Family toasting on Christmas dinner at home

Há alguns temas frequentes em terapia de casal: boa comunicação, solução de conflitos satisfatória, intimidade sexual. Porém, há outros tópicos que também merecem um cuidado especial, principalmente aqueles que promovem conexão entre o casal, afinal, nem só de conflitos vive o terapeuta no setting clínico, e criar situações que ajudem os parceiros a se conectar também é papel do terapeuta. Uma dessas situações são os chamados rituais de conexão.

Bill Doherty, professor do Departamento de Ciências Sociais da Família na Universidade de Minnesota, escreveu um livro para abordar o assunto em profundidade intitulado The Intentional Family [1]. Segundo ele, os rituais são atividades repetidas e coordenadas que têm significado para o casal ou a família. O autor diferencia rotina e ritual destacando que ambos são ações que se repetem e estabelecem organização da vida familiar, mas só os rituais estão imbuídos de significado, de símbolos que fazem sentido para os participantes. Doherty destaca ainda que rituais de conexão são ferramentas importantes para um relacionamento bem-sucedido, promovendo a coesão, comunicação, reflexão e memórias partilhadas.

Devemos, antes de tudo, investigar a razão pela qual os rituais de casal e/ou familiares são importantes e por que devem ser foco de atenção do terapeuta. O motivo é que, ao conhecer as especificidades do casal e como é a dinâmica deles em relação aos rituais, desenhamos uma espécie de panorama familiar. É como tirar uma fotografia e entender os elementos que a compõem: quem são eles enquanto casal/família? O que eles costumam fazer? Que valores possuem? É um jeito indireto de conhecer o casal sem fazer perguntas diretas sobre a relação.

Rituais produzem resultados importantes

Segundo Doherty (1997), os rituais desenvolvem aspectos importantes para o casal e para família. O primeiro é previsibilidade, algo tão importante nas relações, principalmente para casais com crianças, pois estabelece rotinas reconfortantes como, por exemplo, tomar café da manhã juntos ou ler para as crianças antes de dormir. Sabe-se que aquele momento vai acontecer e anseia-se por isso, contrapondo-se a ocasiões negociadas de última hora. Um segundo aspecto é a conexão, o senso de unidade.  Imagine um pai que lê para o filho todas as noites e esse é um momento único para os dois se conectarem e conversarem sobre o dia.  Ou um casal que combina que, não importa o que aconteça no dia, eles têm que ir para cama no mesmo horário e, assim, fortalecem o vínculo. Um terceiro aspecto dos rituais é que criam identidade. Tem-se, então, uma noção de quem pertence à família, o que há de especial nela e quem frequenta a casa do casal, que pode também se transformar numa espécie de “família estendida”. Para alguns, praticar esportes torna-se um ritual que ajuda a formar a identidade do casal como amantes de atividades físicas, ou aqueles casais que sempre dão jantares e acabam unindo os amigos. Em relação ao quarto e último aspecto os rituais são uma forma de difundir e honrar valores daquele núcleo familiar. Os valores demonstram no que o casal acredita e o que valoriza, além de ajudar os parceiros ou membros da família a pertencerem a algo maior, a sentirem-se vistos e ouvidos. Os rituais religiosos são um bom exemplo disso, assim como o trabalho voluntário, a ajuda à comunidade, ou a visita aos avós na companhia dos filhos. 

Estudos citados no texto “À mesa com a família”: Rituais familiares ao longo do ciclo de vida, de Carla Crespo [2], apontam para os benefícios da estabilidade que rotinas e rituais proporcionam ao longo do tempo para os membros da família. Os rituais são fatores protetores para as crianças advindas de famílias que apresentam casos de alcoolismo, promovem a saúde metal dos adolescentes, diminuem o conflito familiar, aumentam a satisfação conjugal, o sucesso acadêmico das crianças, entre outros.

Uma vantagem adicional é que os rituais têm a capacidade de auxiliar na compreensão e gestão dos sentimentos à medida que os familiares enfrentam mudanças na vida, permitindo manter vínculos mesmo em momentos de conflito. Além disso, à medida que os filhos amadurecem, a preservação de rituais e tradições duradouras se torna fundamental para preservar os laços emocionais e a proximidade entre eles.

Vale ressaltar o efeito problemático de casais ou famílias que quebram rituais por estarem em conflito com algum membro. Se a família não se reunir de forma regular, tanto os componentes da díade, os pais, como os filhos podem perder a sensação de estarem emocionalmente ligados.  Pode-se produzir uma sensação de solidão, falta de pertencimento, imprevisibilidade, ausência de apoio e ansiedade. 

Tipos de rituais 

Os rituais marcam no tempo uma situação reservada para conexão emocional, ainda que se tenha rotinas exaustivas como a da vida moderna. Qualquer coisa pode ser transformada em ritual. O café da manhã pode ser apenas rotina para um casal, mas para outro pode ser a hora em que eles se interessam pelo mundo psicológico do(a) parceiro(a). 

Doherty classifica os rituais em tipos e vale destacar dois deles. Há os rituais de amor, que se centram na promoção da intimidade pessoal e na valorização de cada membro da família. Podem ser categorizados como rituais entre casais e rituais destinados a pessoas especiais. Exemplos de rituais de amor entre casais incluem celebrações de aniversário, Dia dos Namorados, encontros especiais e momentos íntimos. Já os rituais voltados para pessoas especiais geralmente se concentram em ocasiões como aniversários, Dia das Mães e Dia dos Pais. 

Um segundo tipo são os rituais comunitários, que se caracterizam por uma natureza mais pública em comparação com os rituais de amor. Englobam eventos de grande escala na família, como casamentos e funerais, que estabelecem conexões entre as famílias e suas comunidades. Adicionalmente, os rituais comunitários envolvem esforços deliberados para se conectar com uma rede social mais ampla do que a família, com o propósito de oferecer apoio e receber apoio em troca. Famílias ou casais mais saudáveis desempenham um papel ativo em suas comunidades e contam com um apoio considerável em retorno.

Como iniciar, mudar e/ou revisar rituais

Está chegando o Natal e o Brasil, um país majoritariamente cristão, se prepara para essa ocasião de um jeito especial.  De que maneira o terapeuta pode ajudar seus clientes a criar seus próprios rituais e tradições com base nos objetivos, valores e interesses de sua família?

Suponhamos uma família composta por Jorge, Adriana e os filhos: a família Silva. Jorge trouxe de sua família a tradição de comemorar o Natal na noite de 24 de dezembro e fazer amigo secreto entre os parentes com muita festa, comida natalina e música. Adriana não tem lembranças tão satisfatórias, Natal era uma época em que seus pais brigavam muito. Adriana lembra que, por muitas vezes, teve que interromper um conflito entre seus pais e ia dormir sempre aborrecida. Quando vai chegando o dia de Natal, Jorge e Adriana começam a se estranhar, as brigas aumentam e situações que outrora eram recheadas de paciência agora são dignas de disputas. 

Jorge fica frustrado. Adriana quer que esses dias passem rápido. Os filhos pequenos não entendem nada. Uma sensação de vazio e falta de conexão paira no ar. Eles nunca haviam conversado sobre o que o Natal significava, como deveria ser e o que eles gostariam que significasse agora. Isso até chegarem à terapia de casal. 

Para que o terapeuta ajude a família Silva, ele pode sugerir que esse casal se aproxime do dia de Natal com alguns rituais de conexão já em mente. Gottman [3] propõe (junto com outros autores supracitados) que um ritual precisa ser pensado e planejado. O terapeuta pode  incentivar o casal a conversar sobre os tipos de tradições e rituais que cada um deles teve quando eram crianças: quais são as melhores e piores lembranças? O que as teria tornado melhores? Como são esses rituais para eles hoje? O que eles significam ou simbolizam? Como eles gostariam que esses rituais fossem agora? 

O terapeuta pode recomendar que cada um compartilhe suas experiências anteriores com essas tradições e crie suas próprias experiências especiais. O planejamento pode começar partindo das seguintes resoluções: (a) quando vai acontecer? (b) onde? (c) quem vai começar? (d) como isso vai se desenrolar? (e) o que se comerá? (f) como vai acabar?

Os rituais garantem que as pessoas reservem tempo para a conexão emocional, por isso é importante também que o terapeuta estimule o casal a falar sobre rituais em uma perspectiva emocional, seja Natal, aniversário, Dia dos Pais, ou Dia das Mães. Sempre que o casal tratar sobre rituais de conexão no relacionamento, é necessário que se assegurem de que ambos tenham tempo e energia disponíveis para que possam fazer perguntas sobre o significado daquilo e como deve ser feito. O casal deve manter em mente que essa conversa precisa ser contínua e retomada muitas vezes. 

Assistir os casais a descobrir que tipos de rituais eles gostariam de introduzir ou continuar em seu relacionamento irá ajudá-los de muitas maneiras: a sentirem o conforto e a confiança que advêm de contar com rotinas regulares, a voltarem-se um para o outro, a construírem laços mais fortes e, inevitavelmente, aprofundarem sua conexão emocional.

Rituais se retroalimentam, casais e famílias unidas e satisfeitas investem mais nos seus rituais significativos, e casais e famílias que investem nos rituais tornam-se mais coesas e satisfeitas. O tema dos rituais de conexão pode passar despercebido pelo terapeuta, mas é bom lembrar do impacto positivo que eles têm na relação dos parceiros e da família como um todo. Investindo nos rituais de conexão, os eventuais conflitos tendem a ser mais brandos porque eles aumentam a conta bancária emocional do casal e da família a curto e longo prazo. 

[1] Doherty, W. J. (1997). The intentional family. Addison-Wesley.

[2] Crespo, C. À mesa com a família: Rituais familiares ao longo do ciclo de vida. 

[3] Gottman, J., & Silver, N. (2000). Sete princípios para o casamento dar certo. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.

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Escrito por carolperroni

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