As armadilhas do pensamento e flexibilidade psicológica: podcast com participação de Steven Hayes

Há algumas semanas, Steven Hayes participou de um episódio do podcast “Bounce, conversations with Larry Weeks”. Steven C. Hayes é professor de psicologia da Fundação Nevada no programa de Análise do Comportamento da Universidade de Nevada. Autor de 47 livros e cerca de 670 artigos científicos, ele é o desenvolvedor da Teoria das Molduras Relacionais, e orientou sua extensão para a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), uma forma de psicoterapia que usa métodos de mindfulness, aceitação e ações orientadas por valores. Ele é cocriador da Terapia Baseada em Processos, uma nova proposta  para as terapias baseadas em evidências. Em seu podcast, Larry Weeks busca conversar com líderes de várias áreas para obter experiências, ideias ou pesquisas sobre como as pessoas e as empresas lidam com os desafios atuais ou problemáticas futuras.

No podcast, foram abordados temas como: as taxas crescentes de transtornos psicológicos e o impacto da pandemia; como nossa mente frequentemente pode nos trazer dificuldades; a complexidade de nossos pensamentos e nosso baixo controle sobre eles; aspectos da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT); entre outros. Continue lendo para saber um pouco mais sobre os temas abordados. Você pode acessar o podcast clicando aqui.

Steven Hayes começa trazendo a problemática das categorias diagnósticas. Embora reconheça sua utilidade e a quantidade de suporte existente para essa forma de comunicação, acredita que, mesmo após décadas de pesquisa e categorização, ainda não existem respostas conclusivas a respeito da origem, curso e tratamento das psicopatologias. Além disso, há uma crescente patologização da condição humana e consequente medicalização. Steven reconhece que a medicação, assim como as categorias de psicopatologia, tem sua utilidade e importância, porém é recorrente que ela seja utilizada de forma indevida. Ao ser questionado sobre o aumento das taxas de depressão desde o início da pandemia, Hayes afirma que não é a única psicopatologia a apresentar aumento, e que isso reflete uma falha nossa em gerenciar nossas vidas. Para ele, precisamos voltar ao início e nos questionar: o que faz uma vida que vale a pena ser vivida e como nos aproximamos dela?

Segundo ele, estamos vivendo um paradoxo: nunca houve período de maior prosperidade, em termos de desenvolvimento tecnológico, mas as taxas de psicopatologia continuam aumentando, o que indica que nossas habilidades de enfrentamento não estão acompanhando esse desenvolvimento. Embora a tecnologia nos coloque em contato com grandes possibilidades, também nos expomos com maior frequência e rapidez à dor, à tragédia, às comparações, ao julgamento etc. Encontramos conforto em uma cultura comercial, que não nos aproxima de uma vida guiada pelo que realmente importa para nós. Steven Hayes acredita que é hora de mudar de direção, ou as estatísticas não irão mudar também.

Diante desse cenário preocupante, é de extrema importância desenvolvermos habilidades de flexibilidade. Steven aponta que o primeiro passo para desenvolver essa flexibilidade é um passo para trás. Não para fugir ou se esquivar, mas para tomar perspectiva. É como colocar o nariz em uma pintura. Tão perto, não saberemos dar nome ao quadro completo, mas, à medida em que damos alguns passos para trás, a perspectiva é ampliada e é possível perceber diante do que nos encontramos. Da mesma forma, acontece com nossos sentimentos, pensamentos, sensações, memórias, impulsos etc. Ao dar um passo para trás e observar o que está acontecendo, cria-se um intervalo de tempo no qual se torna possível sair do modo automático e fazer uma escolha. Esse modo automático, muitas vezes, é construído em um longo histórico de vida, e são experiências que não vão embora. Práticas de mindfulness e de meditação ajudam no desenvolvimento de uma maior consciência do que acontece no ambiente interno e externo.

Hayes também fala sobre como aprendemos por meio da construção de relações arbitrárias, que são a base da linguagem humana. Essa aprendizagem relacional tanto pode trazer dificuldades quanto abrir possibilidades. O que irá definir se será um problema ou uma possibilidade é a capacidade de ser flexível. Uma das implicações do nosso aprendizado de relações simbólicas é que não é possível suprimir algo sem entrar em contato com o que originalmente se queria suprimir, e possivelmente até mesmo amplificar.

Steven faz uma diferenciação de terapias cognitivas clássicas, nas quais a intervenção é focada no questionamento do conteúdo dos pensamentos. Embora ele não seja contra esse tipo de estratégia, especialmente com pensamentos recorrentes, Hayes defende a utilidade de mudar o foco do conteúdo para a forma como nos relacionamos com esse conteúdo. Para isso, ele traz a ideia de surfar em nossa realidade. Em vez de colocar a vida em espera para questionar o conteúdo, apenas notar o que está acontecendo, usar o que é útil, deixar passar o que não é, e redirecionar a atenção para o que realmente importa no momento. Existem momentos para corrigir pensamentos, mas isso precisa ser feito de uma forma que aumente a flexibilidade psicológica, e não por meio de autocrítica. Enquanto travamos guerras em nossas mentes, perdemos momentos importantes em nossas vidas. Alguns processos ajudam nesse movimento de acolher pensamentos e sentimentos desagradáveis e construir flexibilidade psicológica: adotar uma postura de observador e desenvolver uma maior consciência de si; alocar a atenção de forma flexível para o momento presente; se conectar com o que traz significado e propósito para você intrinsecamente; e organizar seu comportamento em torno disso.

Hayes falou também sobre o processo de desfusão, essencial para desenvolver essa flexibilidade. Na desfusão, são utilizados métodos para criar uma separação entre o observador e o observado, aumentando a consciência e a possibilidade de escolha. Vários exercícios podem ser utilizados para isso. Um exemplo é dar um nome à mente e, quando perceber um pensamento, chamar a mente pelo nome designado, observando com uma postura de curiosidade o que ela tem a dizer e, em seguida, avaliando sua utilidade. A ideia desse exercício é tratar a mente não como uma inimiga ou amiga e sim como uma ferramenta. Outro exercício, que pode ser utilizado com pensamentos recorrentes, é resumir o pensamento em uma palavra e a repetir rapidamente em um espaço de 30 segundos. A função do exercício é destituir a palavra de seu significado, de forma que o pensamento também perde sua credibilidade. Pensamentos e emoções difíceis em geral apontam para algo que é importante para nós. Um exercício que nos coloca em contato com esse valor escondido por trás das cortinas é o seguinte: pegue um pensamento construído ao longo da história de vida e se imagine, enquanto criança, quando ele começou a ser formado, dizendo ele em voz alta para si. Embora alguns exercícios de desfusão sejam engraçados, seu objetivo não é se ridicularizar ou se julgar, e sim despertar autocompaixão.

Steven finaliza falando sobre ações valorizadas, um dos aspectos essenciais na ACT. A vida já está acontecendo, apesar das dificuldades, que não vão embora. Portanto, precisamos continuar, mesmo com as dificuldades, escolher a direção que nos aproxime da vida que queremos ter e da pessoa que queremos ser, e dar o próximo passo. Nossa história de vida sempre irá nos acompanhar, logo, precisamos permitir que ela nos fortaleça, em vez de nos acorrentar.

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Escrito por Isabela Borges

Psicóloga formada pelo Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), realizou a Tutoria em Terapia Comportamental Dialética pela Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, e atualmente realiza a Formação em Terapia Comportamental Dialética pela Elo: Psicologia e Desenvolvimento. Atua na Psicologia Clínica, atendendo adolescentes e adultos individualmente, nas modalidade on-line e presencial. Oferece a oficina de Psicologia e Bem-Estar no projeto UNIPAM Sênior, com foco no desenvolvimento de habilidades para a vida.

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