FAP – O papel das análises de contingências e tarefas de casa sobre a generalização de comportamentos

A psicoterapia analítica funcional (FAP) é um modelo de tratamento voltado aos relacionamentos, que intervém sobre três classes de comportamentos clinicamente relevantes (CCR 1, 2 e 3), por meio de cinco regras que são sugeridas ao terapeuta.

Alguns estudos obtiveram que a regra 3, que sugere ao terapeuta reforçar CCR2, parece ser o mecanismo principal de promoção de mudança de comportamentos do cliente (Haworth, Kanter, Kuczynski, Rae & Kohlenberg, 2015; Lizarazo, Muñoz-Martinez, Santos & Kanter, 2015; Villas-Bôas, 2015).

Nestes e em outros estudos também foram obtidos dados sobre os elementos que constituem a regra 5, que se refere à utilização de interpretações funcionais e estratégias de generalização (Camoleze, 2017; Haworth et al. 2015; Lizarazo et al. 2015; Villas-Bôas, 2015; Martim, 2016).

Alguns destes dados sugerem que a generalização dos comportamentos modelados em sessão para a vida diária do cliente, não parece ser influenciada diretamente pelas interpretações funcionais (Haworth et al. 2015; Lizarazo et al. 2015 & Villas-Bôas, 2015). Sobre o uso das tarefas de casa enquanto uma estratégia possível de generalização na FAP, obteve-se que elas podem facilitar a ocorrência de comportamentos-alvo tanto nas sessões subsequentes às prescrições de tarefas, como na vida diária do cliente, sugerindo que elas podem ter algum efeito na generalização dos comportamentos aprendidos em sessão para o contexto extra-sessão (Martim, 2016).

Ambas as variáveis – interpretações funcionais e tarefas de casa em FAP –  também foram avaliadas no que se refere à correlação de intervenções do terapeuta com comportamentos do cliente. Os resultados indicam que 1) evocar CCR3 parece ser mais relevante do que reforçá-los, no que se refere ao ensino desta resposta; e que 2) tanto evocar como reforçar respostas de auto-orientação do cliente sobre tarefas de casa, “são intervenções do terapeuta que facilitam ao cliente o aprendizado da resposta de auto-orientação sobre comportamentos relevantes de se testar e praticar na vida diária” (Camoleze, 2017, p. 93).

Correlações fortes também foram encontradas entre ‘CCR3, o reforço contingente do terapeuta ao CCR3, e a resposta de auto-orientação do cliente’, sugerindo a hipótese de que a modelagem de CCR3, “ao ensinar o cliente a analisar funcionalmente seus comportamentos, aumenta a probabilidade de ele conseguir identificar comportamentos alternativos importantes de se testar e praticar na vida diária, facilitando a ocorrência da resposta de auto-orientação” (Camoleze, 2017, p. 94).

Assim, os dados dos estudos apresentados permitem algumas considerações sobre como a regra 5 da FAP pode ser usada para promover a generalização dos comportamentos-alvo modelados em sessão para vida diária do cliente.

Villas-Bôas, Meyer, Kanter e Callaghan (2015) discutem ricamente como as intervenções analíticas da FAP, que constituem mais fortemente a regra 5, podem ser utilizadas para potencializar os efeitos da parte experiencial da FAP, em que comportamentos-alvo são modelados.

No artigo presente, as considerações realizadas a seguir estão pautadas nos dados do estudo de Camoleze (2017). O leitor interessado em entender com mais detalhes a discussão do uso de regras na FAP, pode consultar o artigo de Villas-Bôas et al. (2015).

Modelar regras efetivas

Interpretar funcionalmente de modo efetivo, de acordo com os dados de Camoleze (2017), pode ser o comportamento do terapeuta de fazer perguntas ao cliente que o levem a formular análises de contingências sobre seus comportamentos intrassessão ou extra-sessão.

Por meio de perguntas semelhantes, o cliente pode emitir um CCR3, que basicamente é uma regra. Mas, essa regra diz respeito às variáveis que de fato exercem controle sobre os comportamentos do cliente, possibilitando a melhoria em seu autoconhecimento e, com isso, maior previsibilidade sobre seus comportamentos.

As análises de contingências extra-sessão podem, ou não, decorrer de paralelos funcionais entre eventos ocorridos na sessão e eventos da vida diária do cliente. Para os leitores que não conhecem os paralelos funcionais da FAP, sugiro consultar os textos FAP e seus paralelos e FAP e seus paralelos II: identificando os paralelos em uma interação terapêutica.

A modelagem de CCR3 sobre comportamentos ocorridos em sessão e/ou na vida diária, torna o cliente mais ciente do controle de estímulos sobre seus comportamentos. Assim, pode ser mais provável que ele se auto-oriente sobre comportamentos alternativos que, quando efetivos, são naturalmente reforçados no contexto de vida diária.

Para compreender, considere o exemplo em que o cliente pode ter formulado a seguinte regra, ou CCR3: quando alguém me pergunta como está meu trabalho (evento antecedente), sinto ansiedade e desvio o assunto (respostas), então a pessoa parece perceber e se afasta encerrando a conversa (consequências).

Sabendo que sua forma de agir, nessa situação, tem produzido o afastamento de pessoas importantes, ele pode formular a seguinte auto-orientação, que pode se caracterizar como uma regra efetiva: quando alguém me pergunta como está meu trabalho (evento antecedente), eu posso sentir minha ansiedade e me arriscar dizendo como realmente está (resposta alternativa), então as pessoas poderão se sentir mais próximas de mim e permanecer conversando comigo naquele momento (consequências).

Obviamente que as consequências sinalizadas, em um primeiro momento, são apenas hipotéticas. Mas, a ciência das variáveis controladoras dos seus comportamentos pode tornar mais provável que o cliente identifique um comportamento alternativo para aquela situação, com probabilidade maior de reforço.

Então, o cliente poderá testar o comportamento alternativo em situações determinadas da sua vida. Se nos testes o comportamento for reforçado, ele poderá continuar emitindo-o, praticando-o e, na medida em que ele praticar, poderá ter uma frequência maior de reforços que poderão fortalecer o comportamento alternativo no repertório do cliente.

Em síntese, os dados das pesquisas que contemplaram alguma avaliação sobre a regra 5 da FAP, sugerem que, embora as interpretações funcionais não exerçam efeito direto na generalização dos comportamentos-alvo modelados em sessão para a vida diária, elas podem atuar como facilitadoras da generalização dessas aprendizagens, por meio da modelagem de CCR3 e da modelagem de auto-orientações.

 

REFERÊNCIAS

Camoleze, M. L. (2017). Relações entre análises de contingências e tarefas de casa em psicoterapia analítica funcional e os comportamentos-alvo em sessão e na vida diária. (Dissertação de mestrado não publicada). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.

Haworth, K., Kanter, J. W., Tsai, M., Kuczynski, A. M., Rae, J. R., & Kohlenberg, R. J. (2015). Reinforcement matters: A preliminary, laboratory-based component-process analysis of functional analytic psychotherapy’s model of social connection. Journal of Contextual Behavioral Science, 4(4), 281-291.

Lizarazo, N. E., Muñoz-Martinez, A. M., Santos, M. M., & Kanter, J. W. (2015). A within-subjects evaluation of the effects of functional analytic psychotherapy on in-Session and out-of-session Client Behavior. The Psychological Record, 65(3), 463-474.

Villas-Bôas, A. (2013). FAP e seus paralelos. Disponível em: https://comportese.com/2013/03/fap-e-seus-paralelos

Villas-Bôas, A. (2013). FAP e seus paralelos II: identificando os paralelos em uma interação terapêutica. Disponível em: https://comportese.com/2013/09/fap-e-seus-paralelos-ii-identificando-os-paralelos-em-uma-interacao-terapeutica

Villas-Bôas, A. (2013). Psicoterapia analítica funcional (FAP): lidando com o cliente em sessão. Disponível em: https://comportese.com/2012/10/psicoterapia-analitica-funcional-fap-lidando-com-o-cliente-em-sessao

Villas-Bôas, A. (2015). Efeitos de análises de contingências sobre comportamentos clinicamente relevantes e sobre mudanças extra sessão. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP).

Villas-Bôas, A., Meyer, S. B., Kanter, J. W., & Callaghan, G. M. (2015). The use of analytic interventions in functional analytic psychotherapy. Behavior Analysis: Research and Practice, 15 (1), 1–19.

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Escrito por Mônica Camoleze

Psicóloga (CRP 08/15023), graduada pela Universidade Positivo. Especialista em terapia analítico-comportamental pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba. Formação em psicoterapia analítica funcional e terapia de aceitação e compromisso pelo Instituto Continuum. Cursou terapia comportamental dialética, pelo Dialectica Psicoterapia Baseada em Evidências. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná, com pesquisa sobre psicoterapia analítica funcional. Atua como psicóloga clínica em Curitiba, atendendo crianças, adolescentes, adultos e casais.

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