Fátima era uma senhora de meia idade de quem Carlos, seu terapeuta, gostava muito. Ela andava muitíssimo insatisfeita com sua vida e sentia-se bastante solitária. Havia sido casada por cerca de 30 anos, mas seu marido tinha saído recentemente de casa, sem que ela entendesse claramente o motivo. Ela apenas culpava-o por ter estragado sua vida. Seus quatro filhos, agora casados ou morando sozinhos tinham suas próprias vidas e estavam lhe dando menos atenção do que ela gostaria e achava que merecia. Ela sentia que tinha dado tudo a eles e agora só recebia afastamento em troca. Sentia-se bastante entediada na maior parte do tempo; sempre tinha sido dona de casa e agora, com a casa vazia, boa parte de seu dia ficava desocupado. Felizmente uma de suas filhas morava perto e com um filho pequeno, solicitava a ajuda da mãe cerca de uma ou duas vezes por semana, mas não passava disso. Fátima atendia a esses pedidos da filha com prazer, mas depois só sentia solidão.
Estava claro para Carlos, o terapeuta, que Fátima havia sempre cuidado de todos a sua volta e, agora que não precisavam mais, ela estava com uma vida vazia. Boa parte de seus comportamentos ao longo da vida iam na direção de cuidar dos outros e ela sempre foi reforçada por isso. Agora que isso não fazia mais sentido para os que estavam ao redor, ela não sabia como se aproximar. Às vezes se queixava com uma filha, dizendo como todos a abandonaram, mas isso gerava irritação na filha e posterior afastamento. Outras vezes, Fátima contava de situações nas quais discordava da forma como os filhos estavam criando seus netos, relatando os “conselhos” que dava a eles. Porém, Carlos desconfiava que tais conselhos estavam mais para críticas ou envolviam algum tipo de superproteção e muitas das tentativas de aproximação de Fátima acabavam envolvendo reclamação e vitimização. Tal padrão acabava produzindo atenção de seus filhos de forma irritada e impaciente.
Por outro lado, dentro de sessão, Fátima era bastante agradável. Nunca irritava o terapeuta ou o deixava impaciente. Fátima contava animadamente situações que haviam acontecido com seus filhos mesmo que discordasse da forma como eles haviam agido e apenas quando questionada mais a fundo criticava as ações deles. Depois de criticar, costumava-se lamentar a distância dos filhos e o fato de se sentir acompanhando suas histórias “do lado de fora”, falava do quanto sentia falta deles e de não saber como se aproximar. Com frequência demonstrava também alguma irritação com os filhos, culpando-os pelo fato de estar tão isolada.
Carlos via com clareza alguns dos paralelos possíveis de serem feitos entre os comportamentos de Fátima em sessão (CCRs) e fora dela (Os) – veja texto teórico “FAP e seus paralelos” para maiores explicações. Pelo que conseguia compreender da situação, Fátima se esquivava de assumir responsabilidades e de tratar de assuntos doloridos e quando o fazia, sempre colocava-se como coitada. A função disso era a de produzir a aproximação dos demais, que passavam a cuidar dela. Era isso que produzia com os filhos, queixava-se de sua vida, de seus problemas e de sua solidão, sempre se colocando como vítima (O1). Possivelmente seus filhos sentiam-se culpados por reconhecerem sua colaboração para esses sentimentos da mãe e davam-lhe um pouco mais de atenção, porém facilmente irritavam-se com suas críticas e superproteção e logo se afastavam novamente.
Em sessão, Carlos via a cliente falando inicialmente de superficialidades quando contava sobre e vida de seus filhos, mas facilmente conseguia evocar nela a descrição de seus sentimentos em relação a eles e seus sentimentos de exclusão. A princípio, tais relatos soavam como um CCR2, já que a cliente estava se abrindo, entrando em contato com seus sentimentos e expressando-os abertamente ao terapeuta. Porém, a cliente não saia disso e nunca tinha sido capaz de assumir a responsabilidade, ainda que parcial, do afastamento dos filhos e mesmo do final de seu casamento. Culpava os filhos e o ex-marido e sentia-se como uma coitada, produzindo muito pena em Carlos. Todo esse padrão pode ser considerado então, um CCR1 de Fátima, pois tinham a função de produzir em Carlos uma aproximação e cuidados, permeados por sentimentos de pena e até raiva dos filhos de Fátima. Apesar dos seus sentimentos serem bastante diferente dos sentimentos dos filhos da cliente, em ambos os casos, ela conseguia a atenção que estava querendo e não por se mostrar uma pessoa interessante de quem os outros gostem de estar perto, mas produzindo sentimentos desagradáveis, de culpa (no caso dos filhos) ou pena (no caso do terapeuta).
Carlos via-se frequentemente querendo cuidar dela e defendê-la da “crueldade” de seus filhos. No entanto, ele sabia que isso não seria o melhor a fazer. Devido ao paralelo funcional que tais comportamentos tinham com seus comportamentos problema fora de sessão (O1s), ele passou a reconhecê-los como CCR1s, depois de algum tempo de terapia. Além disso, com bastante frequência, Fátima apresentava alguns cuidados com Carlos que complicavam um pouco mais a situação. Adorava presenteá-lo com bolos que ela tinha feito, tortas, e outros “carinhos típicos de mãe”.
Quando Fátima conseguiu começar a assumir sua parcela de responsabilidade dos problemas com os filhos (CCR2s), surgiu em Carlos um admiração ainda maior por ela e por seu talento de enfrentar essas questões difíceis com sua ajuda. Essa admiração permitiu que ele passasse a reforçar genuinamente esse novo repertório (Regra 3 – reforçar CCR2s), modelando outras respostas que não mais a revolta contra os filhos e os cuidados excessivos dela. E um novo repertório mais efetivo foi sendo instalado em sessão. Ao verificar que tais interações estavam sendo produtivas, apesar de difíceis para Fátima, Carlos acreditou estar indo no caminho certo de sua melhora (Regra 4 – verificar seu efeito reforçador). Foi quando passou a ser possível fazer paralelos de dentro-para-fora da sessão terapêutica, discutindo com Fátima como ela poderia apresentar esses novos repertórios adquiridos em sessão, buscando novas formas de conquistar a aproximação de seus filhos e buscando por novos reforçadores (Regra 5 – fazer paralelos de dentro para fora da sessão, visando generalização).
No presente caso (fictício), vale destacar que foi apenas quando Carlos considerou como suas dificuldades e história de vida pessoal poderiam estar influenciando em suas sessões que conseguiu reverter sua forma de agir, saindo de sua zona de conforto e ajudando a cliente a fazer o mesmo.