Durante a minha experiência clínica trabalhando com clientes que apresentavam quadro de desregulação emocional, percebi o quanto que a integração da FAP e da DBT me favorecia durante as sessões, e que, lidar com o desconforto e até mesmo o questionamento sobre as minhas habilidades terapêuticas, tornou-se mais tolerável com esses clientes.
Esse texto tem o objetivo de apresentar, mesmo que de forma sintetizada, algumas semelhanças entre a FAP e a DBT, através da associação de algumas bases técnicas e teóricas, e descobrir como uma abordagem pode contribuir para a outra.
A Terapia Comportamental Dialética (DBT, Linehan, 1993) foi originalmente projetada para tratar o comportamento parassuícida de indivíduos diagnosticados com o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Esta terapia é baseada em uma visão biossocial que enfatiza uma transação entre a predisposição constitucional de um indivíduo para desregulação emocional e um ambiente que invalida a experiência privada do indivíduo para a desregulação de emoções (Linehan, 2010). Esta combinação pode levar o indivíduo a demonstrações emocionais extremas, no qual o ambiente por sua vez, tipicamente responde ao indivíduo de forma punitiva ou banalizante. (Para mais informações sobre o tema, acessem o texto “O que é Desregulação Emocional? O Modelo Biossocial – Ambientes Invalidantes”).
Por sua vez, a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP; Kohlenberg & Tsai, 1991) se baseia na análise comportamental da relação terapêutica. O modelo da FAP se concentra na intimidade, no crescimento pessoal e significado de valores dentro dos relacionamentos íntimos. Este modelo de aplicação cria e explora um processo interpessoal íntimo entre o cliente e o terapeuta, e tem como alvo o funcionamento interpessoal do cliente. O foco do tratamento é pró-social, através do desenvolvimento de uma conexão social, ao invés de focar somente na melhoria dos sintomas ou distúrbios específicos. Além de ter como alvo ajudar os clientes a terem conexões sociais melhores, a FAP também aborda comportamentos básicos que são fundamentais para o sucesso em diferentes tipos de relacionamentos, como por exemplo, dificuldades interpessoais que podem ocorrer devido a deficiências de discriminação ou/e em um repertório comportamental deficiente, excessivo ou aversivo. A FAP assume que um comportamento novo e mais efetivo pode ser modelado durante o processo de psicoterapia pelo responder contingente do terapeuta aos problemas do cliente que ocorrem na sessão. A suposição é que é mais fácil lidar com o comportamento relevante real dentro da sessão do que com uma mera descrição do comportamento.
Ambos os modelos aproveitam oportunidades para abordar comportamentos-problema à medida que ocorrem na sessão e reforçar ativamente comportamento de melhora. Para isso, tanto a FAP quanto a DBT enfatizam a formação de uma relação real, caracterizada pela compaixão, consciência e genuinidade. E, sendo assim, conduzir uma terapia nos moldes da FAP e/ou da DBT fornece aos terapeutas oportunidades para aprofundar sua própria autoconsciência e compaixão. Complementando, a FAP fornecerá regras para os terapeutas que direcionarem a atenção para as ocorrências do comportamento dentro da sessão e para a sua função (para uma revisão, ler Camoleze, 2016). Essa consciência (regra 1) significa que o terapeuta está mais atento para discriminar e priorizar o foco nos comportamentos-alvos, ajudando o terapeuta a aprender a habilidade de observar e notar o fluxo contínuo dos comportamentos na sessão.
Considerando que as abordagens também tem o objetivo de desenvolverem comportamentos pró-sociais, os comportamentos que interferem na terapia, que podem ser compreendidos na FAP como Comportamentos Clinicamente Relevantes (CCR1s, para mais informações, consultar “FAP e seus paralelos”), também interferem na vida diária do cliente. Nestas situações, as estratégias da DBT que visam esses comportamentos são consistentes com as estratégias da FAP, a qual sugere que os CCR1s devem ser extintos ou bloqueados. Estas são intervenções que um terapeuta DBT também poderia utilizar, tendo a própria Linehan (2010) relatado a influência da FAP no desenvolvimento da DBT.
Na FAP, assim como na DBT, a interação psicoterapêutica – o “aqui e agora” terapêutico – é conceituada como um contexto em que o terapeuta e o cliente se influenciam segundo os princípios do condicionamento clássico e operante (isto é, eliciando, evocando, e reforçando respostas). Os problemas trazidos por clientes com desregulação emocional, muitas vezes tratados nos moldes da DBT, geralmente são relevantes para a FAP, estando inevitavelmente presentes na sessão terapêutica e na relação. Clientes com desregulação emocional muitas vezes têm dificuldades interpessoais que costumam ser desafiadoras para o terapeuta (raiva/agressividade, descaso, comportamento exigente, intensa sensibilidade emocional, entre outras). A dialética – ou seja, a conciliação dos opostos em um processo constante de síntese, utilizada pela DBT – durante a construção dessa relação, será fundamental para o tratamento, assim como a necessidade de aceitar os clientes como são, com a finalidade de tentar ensiná-los repertórios que possibilitem a mudança para uma vida que vale a pena ser vivida.
Tentemos imaginar, que durante a sessão com essa população, estaremos equilibrados em uma vara de bambu, precariamente contrabalançados sobre um fio esticado (Linehan, 2010). A tarefa como terapeuta não é apenas encontrar o equilíbrio entre Consciência, Coragem e Amor (ver “Consciência, Coragem e Amor na FAP”), mas mantê-lo de maneira que nós, terapeuta e cliente, andemos para o meio da vara, ao invés de avançar para as pontas.
Durante a sessão, o terapeuta não estará apenas entrando na sala de terapia com os conhecimentos e habilidades que ele tem disponíveis, mas também como uma pessoa real, disposta a ser afetada pelo cliente, a experimentar e expressar suas reações reais durante a sessão, e envolver-se de uma maneira autêntica no relacionamento (Tsai et al., 2009). O terapeuta experimenta a genuinidade radical (chamada de ‘naturalmente reforçador’ na FAP), que é um aspecto extremamente importante nas duas modalidades. Lembrando que reforço natural é entendido como aquele produzido pela própria resposta, ou seja, que o comportamento seja mantido por consequências diretas. Tsai et al. (2001) também descreve a importância do bem estar físico do terapeuta para que este possa atuar de forma naturalmente reforçadora com seu cliente:
Por exemplo, terapeutas evitam estar famintos ou exaustos durante o trabalho, alimentam-se e buscam estar descansados ao inicio de suas sessões. Isto pode ser entendido como uma forma indireta de tornar mais provável que o terapeuta reforce naturalmente os progressos do cliente. Ou seja, os cuidados do terapeuta com seu bem estar físico podem torná-lo mais atento, paciente, compreensivo e, portanto, naturalmente reforçador (Tsai et al. 2001, p. 39).
Expressões francas por parte do terapeuta podem também ser extremamente terapêuticas durante esta interação, sendo que para a população atendida em DBT, experimentar essa postura do terapeuta é fundamental, em face destas provavelmente terem tido poucas oportunidades de vivenciarem relações autênticas e validantes.
O reforço de comportamentos de melhora (CCR2s) é de primordial importância no tratamento com a FAP, consequenciando a resposta do cliente de maneira que aumente a ocorrência deste. Reforçar naturalmente os comportamentos de melhora do cliente é designado como “Regra 3: Reforçar CCR” (Kohlenberg & Tsai, 1991). A DBT também coloca uma alta prioridade no conhecimento e reforço dos repertórios almejados durante o tratamento:
O terapeuta cria um contexto de validação, mais do que culpar a paciente, e, dentro desse contexto, o terapeuta bloqueia ou extingue maus comportamentos, extrai bons comportamentos da paciente e procura uma maneira de fazer os bons comportamentos tão reforçadores, que a paciente mantém os bons e para com os maus. (Linehan, 2010, p. 100).
Além disso, é sabido que o reforço imediato é muito mais poderoso que o tardio (Ferster, Culbertson e Boren, 1968), logo, é pertinente que o terapeuta reforce a melhora comportamental diligentemente. Manter-se alerta com relação ao impacto das estratégias escolhidas durante a sessão, é essencial.
Para perceber e identificar CCR1s e CCR2s, o terapeuta deve ter uma ideia clara acerca de quais são os problemas e objetivos de tratamento. Identificar CCRs como parte da formulação de caso, provavelmente aumentará a identificação do comportamento problema e/ou de melhora durante o tratamento. Essa formulação ajudará os terapeutas a tornarem-se mais conscientes dos efeitos reforçadores ou punitivos do seu próprio comportamento sobre o repertório do cliente e portanto mais observadores do impacto da sua intervenção (Regra 4). Uma análise funcional dos CCRs presentes em sessão, permitirá que os terapeutas avaliem as variáveis que suscitam e mantêm um comportamento problemático no contexto atual (fora e dentro da sessão), se concentrando em variáveis que antecedem e reforçam o comportamento existente.
Com intuito de dar continuidade a racional da FAP, a chamada regra 5, sugere que os terapeutas façam interpretações que descrevam variáveis que afetam o comportamento do cliente (Kohlenberg & Tsai, 1991), o que é muito consistente com a recomendação da DBT. Para esta última, o terapeuta treina o cliente a perceber a sequência de eventos que o levou a se comportar de alguma determinada maneira, através da análise em cadeia, que é próxima da análise funcional. Quando o cliente descreve as variáveis que influenciaram seu comportamento, denomina-se como CCR3 (comportamento de análise), na FAP.
Conclusão
A conclusão é que a FAP pode ajudar tanto no aumento de consciência para os comportamentos-alvo, quanto na sensibilidade dos terapeutas DBT à mudanças sutis de possíveis reforçadores do comportamento durante a sessão, e assim, a tornarem-se mais propensos a continuar validando as melhorias. Em comparação com muitos tratamentos comportamentais e cognitivo-comportamentais, tanto a FAP como a DBT enfatizam o papel da relação e afeto como uma variável causal chave (o desenvolvimento de relações ricas e significativas). Aprofundar a intimidade no processo terapêutico e utilizá-la como um modelo para o nosso dia a dia pode ajudar a reduzir sintomas e o medo que nos bloqueia de estarmos verdadeiramente presentes nas relações.
Referências:
Camoleze, M. (2016). Consciência, Coragem e Amor na FAP [Comporte-se]. Recuperado de https://comportese.com/2016/12/consciencia-coragem-e-amor-na-fap
Dornelles, V. (2016). O que é Desregulação Emocional? O Modelo Biossocial – Ambientes Invalidantes [Comporte-se]. Recuperado de http/::comportese.com:2016:08:o-que-e-desregulacao-emocional-3-o-modelo-biossocial-ambientes-invalidantes.
Ferster, C. B., Culbertson, S e Perrot Boren, M. C. (1968). Princípios do Comportamento. São Paulo: HUCITEC
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships. Springer.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional (F. Conte, M. Delliti, M. Z. Brandão, P. R. Derdyk, R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R. Starling, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 1991).
Linehan, M. M. (1993a). Cognitive Behavioral Therapy of Borderline Personality Disorder. New York: The Guilford Press.
Linehan, M. M. (1993b). Skills Training manual for treating borderline personality disorder. New York: The Guilford Press.
Linehan, M . M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre: Artmed.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette, W. C., & Callaghan, G. M. (2009). A guide to functional analytic psychotherapy: Awareness, courage, love, and behaviorism. New York: Springer.
Villas-Boas, A. (2013). FAP e seus paralelos [Comporte-se]. Recuperado de https://comportese.com/2013/03/fap-e-seus-paralelos