Uma das primeiras intervenções que terapeutas DBT aprendem, certamente, são as estratégias de validação. É uma das diferenças cruciais de um tratamento diferente e inovador (especialmente quando foi primeiramente divulgado) para o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), a desregulação emocional pervasiva; ainda mais por levar em conta uma teoria etiológica cunhada de teoria biossocial, que descreve o papel da invalidação crônica por parte do ambiente como fator causal para o TPB (Linehan, 2010).
As estratégias de validação são centrais na DBT. Mas será que sabemos, de fato, validar? Será que estamos atentos e atentas ao nível de adesão das nossas intervenções de validação, e mais, será que estamos atentos às reações e efeitos dessas comunicações (supostamente) validantes em nossos clientes?
Como não validar
Recentemente reestudei o tema, me preparando para uma aula na pós-graduação do CTC VEDA, e me deparei com muito que não sabia. E pude checar junto com a minha equipe a qualidade de minhas falas intencionalmente (mas nem sempre, efetivamente) validantes.
Analisemos alguns exemplos do que poderiam ser frases validantes, mas que tiveram ação contrária em determinado contexto:
- (a) “Que bom que você me falou isso, deve ter sido difícil!” [cliente diz que esteve tão deprimido a ponto de quase não vir na sessão]
- (b) “Que pena que você passou por isso…” [cliente relata ter sofrido bullying durante vários anos]
- (c) “Será que não foi vergonha que você sentiu? Pessoas com esse tipo de dificuldade costumam sentir muita vergonha pelo que o ambiente faz com elas…” [cliente diz que não sabe o que sentia durante invalidações sofridas pelas pessoas da família, escola etc]
Os exemplos (b) e (c) são exemplos reais de frases que eu mesmo emiti durante sessões recentes. O efeito foi contrário às funções esperadas da validação (Fruzzetti e Ruork, 2019) – ao invés de proporcionar diminuição de emoções aversivas, aproximação do cliente, melhora da relação terapêutica e uma sensação de estar sendo compreendido, os efeitos foram justamente desconexão, distanciamento (e respostas como olhar para baixo, corar, ou, no caso descrito em (b), o cliente dizer algo aparentemente para me tranquilizar).
Linehan ressalta que algumas intervenções e respostas do terapeuta podem ser contrárias à estratégia central de validação da DBT (Linehan, 2010, cap. 8). Destaco algumas que me chamam a atenção, ou por serem atitudes conhecidamente anti-DBT, ou por serem armadilhas comuns em que caímos frequentemente:
- Terapeuta (T) insistir nas suas percepções sobre os sentimentos do paciente (P);
- T enfatizar a base distorcida da emoções e pensamentos sem reconhecer o “grão de verdade;
- T responder a emoções dolorosas como algo a se livrar (! cuidado com o uso indiscriminado de habilidades de Tolerância ao Mal-Estar !)
- T comunicar que P (ou que os outros) deve ser diferente de como é
- T impor um determinado conjunto de valores ou posição filosófica sobre a realidade e a verdade
- T superestimar as capacidades de P
- T chamar P de “manipuladora” ou coisas do gênero, seja em sua frente ou em reuniões de equipe
- T interagir de maneira excessivamente profissional ou fragilizar P
Todos os itens, menos o último, estão descritos em Linehan, 2010. O último item está descrito em Boritz et al, 2023, p. 36. E é exatamente o erro que eu cometi no exemplo acima em (b). Minha intenção original era comunicar que eu entendo como é difícil sofrer bullying (no caso, comunicar que entendo mesmo, já que eu passei por essa experiência por longo tempo – seria possivelmente uma validação nível 7, como descrito por Fruzzetti e Ruork, 2018). Mas aparentemente o que eu comuniquei foi “que pena, tadinho de você, como você é frágil! Oh meu Deus!”
Assim como no exemplo em (c), minha intenção era usar validação nível 3 (V3), “ler mentes”, e mostrar ao paciente o que de fato ele poderia estar sentindo. Explorando mais durante a mesma sessão, compreendi que minha fala de que ele “deveria ter sentido vergonha, etc etc” foi uma intervenção rápida demais, fácil demais (e prematura demais!) e que, mais importante, se assemelhava demais à história prévia e recente de muita invalidação sofrida dentro do próprio sistema de saúde. O cliente nunca se sentiu compreendido e ouvido, apenas recebeu diagnósticos (e até mesmo a ausência deles – “você não tem nada”) e as experiências foram invalidantes – não encontraram o que de fato ele estava sentindo, pensando, e como estava se comportando e mais importante: falharam em comunicar que fazia sentido ele ser e sentir, pensar, se comportar daquela forma.
Definição de Validação
Voltemos rapidamente à definição de validação, então, e depois vamos revisar alguns passos para podermos ficar mais atentos e atentas, mais aderentes, e nos aprofundar nessa estratégia tão básica da DBT, mas tão sutil e complexa.
“A essência da validação é a seguinte: o terapeuta comunica à paciente que suas respostas fazem sentido e são compreensíveis dentro do seu contexto ou situação de vida atual. O terapeuta aceita ativamente a paciente e transmite essa aceitação a ela. O terapeuta leva as respostas da paciente a sério e não as desconsidera ou banaliza. As estratégias de validação exigem que o terapeuta procure, reconheça e reflita para a paciente a validade inerente das suas respostas aos acontecimentos.” (Linehan, 2010, p. 213).
A estratégia de validação tem 3 passos: 1- observação ativa; 2- reflexão e 3- validação direta (Linehan, 2010). Ou seja, é importantíssimo, em primeiro lugar, estarmos atentos (em mindfulness, presentes) ao paciente; em segundo, refletir o que está sendo dito, pensado, sentido, as respostas do cliente e, em terceiro, a comunicação clara de que suas respostas (ou pelo menos parte delas) fazem sentido no momento atual.
Alvos e Níveis
Linehan descreve o que devemos validar (Linehan, 2010/1993):
- comportamentos observaveis
- cognições
- emoções
Um pouco mais tarde, em 1997, em um capítulo de livro, ela aprofunda o tema da validação, descrevendo 6 níveis (atualmente melhor descritos como tipos) de validação. Alan Fruzzetti adicionou um sétimo nível (Linehan, 1997; Fruzzetti e Ruork, 2018). Vamo estuda-los. Para isso, pense no seguinte exemplo: uma cliente diz que, ao se aproximar de uma viela escura próximo à sua casa, sentiu medo. Veja a tabela abaixo, que descreve os níveis de validação, uma breve descrição ou maneiras de validar em cada nível, e uma frase que exemplifica o uso da estratégia de validação no nível correspondente :
Nível de Validação | Descrição |
1- Ouvir e observar | Ouvir e obervar o cliente; Estar interessado no cliente; Prestar atenção e tentar entender o que o cliente está dizendo, sentindo, fazendo. Ex.: Hmmm hummm… [terapeuta atento, olhan- do para a cliente, balançando a cabeça] |
2- Reflexão acurada | Refletir de maneira acurada os pensamen- tos, emoções, pressupostos e comporta- mentos do cliente. Fornece entendimento do cliente, empode- ra o cliente, autentica quem o cliente é. Perguntar frequentemente, “é isso mesmo? entendi corretamente” Ex.: Então você sentiu medo quando se aproxi- mou da viela? |
3- Articulando o não verbalizado | Comunicar o entendimento do terapeuta sobre aspectos da experiência e resposta do cliente que não foram verbalizadas di- retamente pelo cliente. O terapeuta “lê” o comportamento do cli- ente. Muito cuidado para checar se a sua leitura está correta. Ex.: Imagino que você deve ter pensado nos perigos de um lugar assim! Estou correto? |
4- Validando em termos de causas suficientes | Todo comportamento é causado por even- tos que o precederam no tempo. Justifica-se o comportamento encontran- do-se suas causas. “Já que X ocorreu, como Y poderia ser diferente?” Podemos validar, no mínimo, em termos de história de aprendizagem, antecedentes atu- ais (mesmo que não válidos) e doença ou alteração biológica. Ex.: Faz sentido sentir medo, já que você foi assaltada em uma viela no passado. |
5- Validando como razoável no momento | O comportamento é válido em termos dos eventos atuais, do funcionamento bioló- gico normal, ou das metas de longo prazo e mais importantes da vida do cliente. Encontrar os fatos no contexto atual, no qual ocorreu o comportamento. Ex.: Posso imaginar! Vielas escuras de fato podem ser perigosas! |
6- Genuinidade Radical – tratanto a pessoa como válida | Reconhecer a pessoa como ela é. Responder tanto às capacidades do cliente como às suas dificuldades e déficits de habilidade. Acreditar no indivíduo como capaz de mudar em direção a uma vida valiosa. Responder como a uma pessoa de status igual. Ex.: Muito sábio da sua parte… a sua mente sá- bia está trabalhando bem. Te ajudando a reconhecer quando pode haver um perigo “real” e quando seu medo não corresponde aos fatos. Se fosse eu, também não teria en- trado nessa viela! |
7- Validando através da auto-revelação | O terapeuta revela vulnerabilidades pró- prias semelhantes às do cliente. Uso de comunicação recíproca. Continua tratando o cliente como legítimo e de status igual. Ex.: Eu também já fui assaltado e sei como é ter medo de lugares que antes não me amedrontavam. [e logo dando indicação de que consegue manejar isso] Hoje eu consi- go diferenciar mais facilmente entre um pe- rigo e a minha ansiedade. |
Com essa dicussão, que espero ter sido valiosa para os leitores, pretendi mostrar que validar não é apenas dizer “oh, faz sentido,” mas é preciso de conhecimento teórico, técnica, aperfeiçoamento e, sempre, sempre, checar o efeito de nossas intervenções in vivo: diretamente na sessão com o cliente.
Em um próximo texto exploraremos um pouco mais sobre o mesmo tema, com um aspecto que foi deixado de fora neste momento: quando o terapeuta deve ativamente invalidar?
Referências
Linehan M. M., 2010 (1993). Terapia Cognitivo-Comportamental para o Transtorno da Personalidade Borderline. Porto Alegre: Artmed Editora SA.
Linehan, M. M., 1997. Validation and psychotherapy. Em A. Bohart & L. Greenberg (Eds.), Empathy Reconsidered: New Directions in Psychotherapy. Washington DC: American Psychological Association, 353-392.
Fruzzetti A. E., Ruork A. K., 2018. Validation Principles and Practices in Dialectical Behavior Therapy. Em: Swales, M. A., Oxford Handbook of Dialectical Behaviour Therapy.