Treinamento de Habilidades: mindfulness é o que faz tudo funcionar.

      A Terapia Comportamental Dialética só consegue ser realmente efetiva caso haja, no Treinamento de Habilidades, o desenvolvimento e a aplicação de mindfulness. Estar em contato com o momento presente é tão importante para a regulação emocional, mesmo em pessoas que sofrem intensamente, que Linehan destaca essa habilidade como um alicerce para todas as outras. Tal destaque fica evidente quando observamos a organização modular do Treinamento de Habilidades (Para saber um pouco mais sobre aspectos gerais e organizacionais do Treinamento de Habilidades, leia a excelente coluna da Patricia Guedes clicando aqui): são as únicas habilidades que aparecem ao longo de todo o treinamento.

      Linehan (2015) apresenta que “as habilidades de mindfulness em DBT são traduções psicológicas e comportamentais das práticas de meditação de base espiritual oriental”. Sim, A DBT bebe da prática Zen, assim como da ciência comportamental e da filosofia dialética. Observa-se, cada vez mais, que transpor a prática e filosofia Zen para a psicologia está sendo efetivo para ajudar pessoas a terem vidas valiosas (ou seja: aproximá-las de seus objetivos a longo prazo).

      Mindfulness é estar aqui, agora (e não em um comportamento privado – pensamento, p. ex. –  que o/a leve para o passado ou futuro), sem julgamento (ou seja: se você estava em um comportamento privado – pensamento -, sem problemas, isso acontece. Agora, volte para o aqui e agora, gentilmente). Mas… e na prática, o que é isso? É treinar a intensão de observar, descrever e participar do que está acontecendo agora, sendo efetivo e não-crítico nisso.

      A principal habilidade que se quer desenvolver com esse treino é a de permitir sentir ou pensar o que se sente ou pensa (experiências internas/privadas), mesmo que isso seja extremamente desagradável, ao invés de tentar evitar, esquivar, suprimir ou modificar essas experiências internas. E isso só é possível treinando. Dificilmente a explicação do que seja mindfulness conseguirá chegar próximo do que realmente é viver mindfulness e, por isso, o treino é muito importante.

Por que mindfulness na DBT?

      Se levarmos em consideração alguns dos pressupostos da DBT, tais como que a vida dos clientes são, realmente, intoleráveis como eles afirmam e que eles estão fazendo o melhor que eles podem, torna-se provável que alguns comportamentos que visam regular a emoção e o pensamento desagradável pela esquiva ou supressão sejam seguidamente reforçados negativamente.

      Isso não colabora, diretamente, para a aproximação de uma vida que vale a pena (ao contrário, pode levar a comportamentos mais intensos para regular emoções mais intensas, como cortar-se ou tentar suicídio). E é aí que entra uma das funções de mindfulness na DBT: para auxiliar pessoas na ampliação de repertório comportamental que as aproxime dos objetivos de longo prazo. De que forma? começando por treinar a habilidade de gentileza com sua história, seus pensamentos e emoções (a fim de diminuir a frequência do reforçamento negativo), notando e atuando no momento presente a fim de observar a vida acontecendo agora (e, assim, ampliar a frequência de reforçamentos positivos).

      Uma peculiaridade do mindfulness na DBT é que a Linehan incentiva a prática com os olhos abertos, por entender que precisamos estar despertos para ver a vida. Praticar de olhos abertos é um treino para ter uma “vida mindfulness”: “É dificílimo aceitar a realidade com os olhos fechados. Se quisermos aceitar o que está acontecendo conosco, precisamos saber o que está acontecendo conosco. Temos que abrir os nossos olhos e ver” (Linehan, 2015). Ainda que ela indique práticas de olhos abertos, não impede ou contra-indica práticas de olhos fechados.

Mindfulness e a Mente Sábia:

      A DBT apresenta no seu construto teórico explicativo ao(a) cliente três estados da mente: mente racional (decisões controladas pela lógica), mente emocional (pensamentos e comportamentos controlados pela emoção) e mente sábia. (Antes de continuarmos, é importante recomendar que se compreenda o termo “mente” do ponto de vista funcional, na clínica, e não do ponto de vista topográfico. No futuro, esse tema será abordado com bastante propriedade). A mente sábia é a síntese e o avanço advindos da mente racional e mente emocional. E, de acordo com Linehan, é com as habilidades em mindfulness que se aproxima da mente sábia – e aí está mais um ponto que demonstra a importância desse estar consciente para o sucesso da DBT. Para se aproximar da mente sábia através do mindfulness, são treinadas seis habilidades divididas em habilidades “o quê” e “como”.

Habilidades “o quê”:

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      Referem-se a observar, descrever e participar. Observar é prestar atenção em tudo, mas não necessariamente ao mesmo momento: ao que está ao redor, aos pensamentos, emoções e comportamentos e ao que está acontecendo no momento, sem julgar ou procurar modificar. Sem evitar, quando desagradáveis, ou prolongar, quando agradáveis. Apenas… observar. Isso requer um distanciamento de quem observa daquilo que é observado. Essas habilidades propõem desenvolver justamente esse distanciamento. Descrever é utilizar a linguagem para narrar eventos públicos ou privados (pensamentos/emoções/lembranças). Descrever desenvolve a habilidade de não-julgamento, ao justamente diferen
ciar descrever algo de avaliar (julgar) algo. Um dos objetivos da descrição é transformar a função literal do pensamento ou emoção na vida da pessoa. Além disso, a descrição auxilia na análise em cadeia (análise funcional do comportamento) utilizada na terapia individual e na vida em geral do(a) cliente. Participar, por fim,  é estar no que se está fazendo agora, nesse momento. É participar e atuar com atenção no que se está vivendo. É estar em uma reunião e estar atento a ela; é estar tomando banho e estar atento a isso; e, então, treinar a habilidade de estar no momento presente, de fato.

Habilidades “como”:

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      Essas três habilidades desse grupo se referem a maneira em que o(a) cliente observa, descreve e participa: envolve adotar uma postura não crítica, ter atenção plena em uma atividade e ser eficiente. Postura não crítica diz respeito a assumir uma postura de gentileza e aceitação com o que se está praticando no exercício ou vivendo na vida. Não é avaliar a experiência com boa ou ruim, certa ou errada, justo ou injusto. É justamente abandonar qualquer avaliação ou rótulo do que está acontecendo. Atenção plena a uma atividade é exatamente isso: treinar a habilidade de fazer uma tarefa por vez (isso aumenta as chances de participar dessa tarefa). Aqui é um treino de foco e de observação de quando o foco foi modificado ou dividido para, a partir daí, retornar a participar da atividade inicial. E ser eficiente é treinar a habilidade de fazer o que funciona. É abandonar o “ter razão” e o orgulho, por exemplo, e realizar aquilo que, de fato, funciona para se aproximar de uma vida que valha a pena. É notar que “ceder” a realização de comportamentos que funcionam em detrimento aos de convicção pode, na verdade, ser uma excelente habilidade para desenvolver mudanças na vida.

Por que no Treinamento de Habilidades?

      Sempre é importante lembrar que as consultas individuais em DBT têm, basicamente, duas funções, devido a complexidade de atender pessoas com intensa desregulação emocional: protocolo de crises e generalização comportamental. Porém, há muitos(as) clientes que não conseguem modificar seus comportamentos simplesmente porque não sabem fazer diferente. E é aí que entra a importância do grupo de Treinamento de Habilidades. Além do mais, nossa cultura, infelizmente, não valoriza o foco gentil no aqui e agora. Então, há grande probabilidade de o(a) cliente que sofre intensamente não tenha desenvolvido(a) essa importante habilidade de estar no aqui e agora. Digo que mindfulness é importante porque, para aprender as habilidades dos outros módulos ensinados no grupo (quais sejam: regulação emocional, tolerância a mal estar e efetividade interpessoal) é desejável ter algum treino em mindfulness. Por exemplo: para fazer o DEAR MAN, uma das ferramentas treinadas no módulo efetividade interpessoal, é necessário o “D” de descrever, que, como já vimos, é uma habilidade nuclear de mindfulness. Por esses motivos, dentre outros, é-se praticado mindfulness no Treinamento de Habilidades.

Mindfulness para a vida:

      A DBT não é uma terapia para ajudar pessoas que queiram se matar a não fazer isso. E uma terapia para ajudar pessoas a terem vidas que valem a pena, respeitando o quão ruim foi ou está sendo a vida do(a) cliente. Já há alguns indícios científicos de que mindfulness ajuda pessoas a viverem mais plenamente suas vidas, mesmo que com dores e sofrimentos. Parece que praticar mindfulness ajuda pessoas a ampliarem o seu repertório comportamental, a partir do treino de aceitação e gentileza com a sua própria vida. Ter mindfulness como o esqueleto do Treinamento de Habilidades foi uma grande sacada da DBT, pois com essa habilidade treinada, as que serão vistas nos próximos módulos assumem um sentido maior para a modificação de vidas. Não percam os próximos textos sobre o Treinamento de Habilidades. Enquanto isso, vou praticar um pouco de mindfulness com olhos abertos.

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Referência:

Linehan, M. (2015). DBT Skills Training Manual. 2 edition. New York: The Guilford Press.

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Escrito por Igor da Rosa Finger

Psicólogo (PUCRS). Doutor em Psicologia (PUCRS). Mestre em Psicologia, com ênfase em Psicologia Clínica (PUCRS). Colaborador do Grupo de Pesquisa Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitiva e Comportamental (PUCRS). Treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética (Behavioral Tech/2016). Professor de disciplinas em diversos cursos de formação e especialização brasileiros. Diretor da Vincular. Membro da ACBS.

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