Treinamento de Habilidades na DBT

A DBT é uma abordagem que é conduzida em módulos: o tratamento individual, o treinamento de habilidades (individual ou em grupo), coaching entre sessões e a equipe de consultoria (para os terapeutas). Textos anteriores de Terapia Comportamental Dialética (DBT) do Portal Comporte-se têm enfocado a sua teoria, explicando conceitos básicos dessa abordagem. O texto de hoje, e os textos das próximas semanas, abordarão um componente bem prático e fundamental desse modelo de tratamento: o Treinamento de Habilidades dentro da DBT. O treinamento é um assunto que requer algumas leituras e um certo aprofundamento, já que é algo que não ocorre com tanta frequência em outras modalidades de tratamento amplamente difundidas.

Por quê o treino de habilidades é um componente da DBT?

Criada por Marsha Linehan e colaboradores, a DBT foi inicialmente formatada para pacientes com ideação suicida crônica. Posteriormente, se identificou que ela também é eficaz para outros transtornos que envolvem desregulação emocional intensa. Nesses casos, o indicado pode ser o(a) cliente frequentar a terapia no formato individual e o treinamento de habilidades (que geralmente ocorre em grupo). Para entender o motivo do grupo ser necessário, precisamos compreender o desenvolvimento dos transtornos de desregulação emocional. Outros textos já foram escritos no Portal Comporte-se sobre o tema da Vulnerabilidade Emocional (as emoções são disparadas diante de discretos estímulos, sentidas de forma mais intensa e retornam de forma lenta ao estado original) e de Ambientes Invalidantes (contextos nos quais não se soube reconhecer de forma efetiva o que aquela emoção estava comunicando, passando a mensagem que o que a criança/adulto sentia não era certo ou permitido) os links para esses textos se encontra no final desse artigo. Um adulto que cresceu nesse cenário tem uma série de consequências em sua vida: tem dificuldade de reconhecer suas emoções e saber o que fazer com elas, acaba tendo uma dificuldade de acreditar na sua capacidade de lidar com os problemas (baixa autoeficácia), se envolve em comportamentos baseados no impulso advindo das emoções (cada emoção desencadeia um impulso, ainda que a emoção seja válida, nem todos os comportamentos podem ser executados), e problemas nos relacionamentos, que por vezes são intensos e confusos.

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Um(a) cliente com esse histórico de vida e de comportamentos acaba por ter dificuldades para dar respostas mais efetivas aos estímulos que são dados pelo ambiente, pois ele(a) não foi ensinado(a) a dar essas respostas. É como se essa pessoa fosse exigida ao longo da vida a ser melhor e fazer mais, mas ninguém lhe disse como. E aí entra o Treinamento de Habilidades (ou Competências). Nesse módulo do tratamento, o cliente será ensinado e poderá praticar uma série de habilidades para essas falhas na aprendizagem. O Treinamento é organizado em temas. Esses foram pensados justamente para ensinar aquilo que o cliente tem dificuldade no seu dia-a-dia.

 

O quê trabalha cada um dos quatro módulos?

Ainda que todos os temas/módulos se vinculem e sejam dinamicamente entrelaçados para uma grande gama de comportamentos, cada um enfoca o desenvolvimento (ou aperfeiçoamento) de cada uma das consequências descritas anteriormente. Para a baixa auto-eficácia, por exemplo, existe o Módulo de Mindfulness, ou práticas de Atenção Plena, que instrui nas habilidades de observar, descrever e participar sem julgamento, buscando efetividade, utilizando um conceito da DBT chamado Mente Sábia. Para a vulnerabilidade emocional, o Módulo de Regulação Emocional, auxiliará a reconhecer, nomear e compreender as emoções, bem como modificar respostas emocionais e o manejo de emoções extremas. Já para os comportamentos impulsivos, o Módulo de Tolerância ao Mal Estar, que ensina habilidades de tolerância e sobrevivência a crises. Comportamentos que envolvam aceitação, trabalhados nesse módulo, são muito importantes para saúde mental, já que o sofrimento faz parte da vida e a luta contra isso pode trazer mais sofrimento, ao se distanciar das mudanças desejadas. Aqui é importante fazer uma ressalva: aceitar não significa aprovar, mas sim, experienciar as emoções e pensamentos sem a tentativa de controlá-los. Por fim, para os problemas nos relacionamentos, o Módulo de Efetividade Interpessoal, ensina ao cliente como conquistar seus objetivos nas relações, mantendo o auto respeito, assim como a cultivar relações que sejam saudáveis e cessar com as que não são. A ordem e a ênfase dada para cada módulo poderá ser modificada (Linehan, 2014).

O treino de habilidades no grupo e na terapia individual

Diante disso, podemos nos perguntar qual a diferença entre a Terapia Individual e o Treinamento de Habilidades? Ainda que o terapeuta individual (ou principal) também ensine habilidades, quando necessário, ele focaliza os alvos primários e secundários do tratamento, bem como o manejo de crises do cliente, e utiliza o que foi aprendido no Treinamento para fortalecer e generalizar respostas às situações específicas trazidas pelo cliente durante as sessões.

captura-de-tela-2016-09-24-as-20-32-10Cada sessão do Treinamento de Habilidades tem um norteador, semelhante a uma aula, na qual, além do conteúdo mais teórico, existe a prática e o agendamento de atividades entre um encontro e outro. Geralmente é conduzido por um terapeuta e um co-terapeuta. Esses têm papéis diferentes, enquanto o terapeuta conduz o treino das habilidades em si, controla o tempo, faz a sequência dos temas durante a sessão, o co-terapeuta observa cada um dos participantes e a interação com o terapeuta, dá explicações alternativas e ainda tem a função de, caso seja necessário, poder sair com algum participante da sessão para realizar uma prática para alguma crise que o cliente esteja enfrentando naquele momento. Tanto o terapeuta, quanto o co-terapeuta devem ter formação adequada, conhecer as habilidades e as terem praticado ao longo da sua vida. Esses terapeutas devem ser conhecedores da teoria que embasa a DBT para poderem entender os contextos de cada cliente e o impacto dos comportamentos nesses ambientes. Os terapeutas aumentam, assim, sua capacidade empática diante das dificuldades de adquirir novas habilidades/competências. Assim como na terapia individual, o Treinamento envolve a tensão entre algumas polaridades, entre elas: aceitação e mudança; perdas e ganhos sendo mais competentes; validar o esforço e aprender novas habilidades para melhorar (Koerner, 2012).

Vantagens do treinamento em grupo

No primeiro parágrafo foi informado que o Treinamento pode ser realizado em grupo ou de forma individual. Existem algumas vantagens de ser realizado em grupo: já que os clientes podem aprender com as vivências dos outros; existe uma interação entre as pessoas, que pode ser observada pelos terapeutas para melhor entendimento de cada caso; os clientes podem aprender como fazer parte de um grupo e, ainda, a relação criada no grupo pode ser um modelo diferente de relação mais validante que os clientes não vivenciaram com tanta frequência. Porém, caso não seja possível que o Treinamento seja realizado em grupo, por uma série de razões (como por exemplo: não ter terapeutas formados em DBT na região ou não existir um número suficiente de clientes que possam participar do grupo, entre outros) existem algumas alternativas. Primeiro, é possível que o mesmo terapeuta seja o terapeuta individual e treinador de habilidades. Nessa situação, um obstáculo pode ser a dificuldade de diferenciar os dois papéis. Para tentar minimizar isso, pode-se agendar os encontros em dias diferentes, modificar de alguma maneira a sala (ou seja, o cenário), entre outras estratégias que utilizem a criatividade, aliada ao conhecimento da técnica. Outra possibilidade é contar com outro terapeuta que realize o treinamento de habilidades de forma individual. (Linehan, 2014).

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Esse artigo se propôs a introduzir o tema do Treinamento de Habilidades da Terapia Comportamental Dialética. Nas próximas semanas, você poderá conhecer um pouco mais sobre cada um dos módulos, suas características, conteúdos e intervenções. Até a próxima!

 

Koerner, K. (2012). Doing dialectical behavior therapy: A practical guide. Guilford Press.

Linehan, M. M. (2014). DBT skills training manual. Guilford Publications.

 

https://comportese.com/2016/01/o-que-e-desregulacao-emocional

https://comportese.com/2016/03/o-que-e-desregulacao-emocional-2-o-modelo-biossocial-vulnerabilidade-emocional

https://comportese.com/2016/08/o-que-e-desregulacao-emocional-3-o-modelo-biossocial-ambientes-invalidantes

 

 

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Escrito por Patricia Guedes

Psicóloga Clínica na empresa Vincular. Mestranda em Psicologia Clínica (PUCRS), Treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética (Behavioral Tech/2015) formação em Terapias Comportamentais Contextuais (InTCC/2015) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (InTCC/2014).

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