Autoajuda

Msc. Fabio Hernandez de Medeiros

Recentemente, vivenciei uma experiência bastante curiosa durante uma sessão de psicoterapia online. Em um certo momento da sessão, o cliente exibiu um livro, questionando se eu já o havia lido. Pela webcam, pude identificar que se tratava de um desses best-sellers de autoajuda, cujo nome não é relevante mencionar, mas que facilmente pode ser encontrado em praticamente qualquer livraria do país. O cliente demonstrava visível empolgação ao compartilhar o livro comigo, como se algo genuinamente surpreendente tivesse acontecido em sua vida. Respondi que estava familiarizado com o livro, mas que, infelizmente, ainda não havia tido a oportunidade de lê-lo. Foi nesse momento que ele disse: “Pois você deveria; este livro mudou minha vida!”.

Sua declaração me deixou intrigado. Indaguei: “Poderia me contar de que forma exatamente sua vida mudou após ler esse livro?”. Foi aí que algo bastante curioso se desenrolou. Depois de refletir por alguns instantes, ele respondeu: “Pensando melhor, nada realmente mudou até agora. No entanto, pelo menos agora eu sei o que devo fazer!”

Esse episódio trouxe uma série de inquietações à tona: Se nada de fato mudou em sua vida, como justificar tamanha empolgação? E se algo efetivamente mudou, o que poderia ter sido? Qual é a verdadeira capacidade desses livros de autoajuda em promover mudanças significativas na vida dos nossos clientes?

Como psicólogos, frequentemente discutimos questões relacionadas aos livros de autoajuda durante nossas interações com colegas de profissão, familiares, conhecidos e até mesmo nossos clientes. Levantamos questionamentos sobre sua natureza vaga, genérica, sensacionalista e, por vezes, até enganosa, para mencionar alguns adjetivos que geralmente usamos de forma crítica ou pejorativa. Reforçamos a importância da psicoterapia ao afirmar que “a autoajuda não substitui o acompanhamento terapêutico” e destacamos que “para efetivar mudanças reais, é fundamental se envolver em um processo terapêutico”. Estendemos essas mesmas críticas aos assim chamados “gurus da Internet” (youtubers, blogueiros, influenciadores etc.), aos coaches (adeptos da prática de “coaching”) e praticamente a qualquer pessoa que possa parecer estar invadindo nossa área de atuação.

Talvez cause surpresa aos leitores desta coluna eu afirmar que não pretendo, neste contexto, atacar ou demonizar os livros de autoajuda. Aliás, considero que, nos dias atuais, só o fato de se ler alguma coisa já é algo positivo. Além disso, reconheço que uma parte dos autores desses livros são especialistas em suas respectivas áreas, o que confere valor às suas análises e conselhos. No entanto, gostaria de explorar algumas das inquietações que mencionei anteriormente, examinando como a Análise do Comportamento pode contribuir para responder a essas questões, e como a Psicoterapia Comportamental Pragmática (Medeiros, 2020a) pode ajudar a intervir nestes casos.

O conteúdo dos livros de autoajuda em uma visão analítico-comportamental

De forma simplificada, um livro de autoajuda é uma publicação que busca oferecer orientação, conselhos, estratégias e técnicas para auxiliar os leitores a melhorarem áreas específicas de suas vidas. Escritos por autores frequentemente experientes em suas respectivas áreas de atuação, esses livros compartilham experiências pessoais com o intuito de inspirar, motivar e fornecer ferramentas práticas para que os leitores enfrentem desafios e alcancem metas. Os temas abordados são variados e incluem desde lidar com o estresse e controlar a ansiedade até fortalecer a autoconfiança, cultivar hábitos saudáveis, organizar as finanças pessoais, aprimorar relacionamentos e buscar um propósito mais profundo na vida. Geralmente, eles combinam teorias psicológicas, exemplos de casos reais e exercícios práticos, permitindo que os leitores apliquem os conceitos discutidos em suas próprias vidas.

Para a Análise do Comportamento, conselhos, instruções e sugestões, como as que aparecem nos livros de autoajuda, podem ser tratados como “regras” (Baum, 1994/1999). De acordo com Skinner (1969/1984), regras consistem em descrições verbais de contingências, isto é, são respostas verbais que descrevem relações do tipo “se…então…”: se tal comportamento, então tal consequência. Ao emitir uma regra, seres humanos influenciam, em maior ou menor grau, o comportamento de outro indivíduo, cujas ações podem passar a coincidir com o prescrito na regra. O comportamento governado por regras remete ao controle verbal do comportamento e, juntamente com a exposição às contingências e a observação de modelos, constituem as três formas de aprendizagem operante descritas pela Análise do Comportamento (Skinner, 1988).  

O controle verbal do comportamento é um elemento central na análise dos conteúdos abordados nos textos de autoajuda. Em essência, um livro de autoajuda tem como objetivo alterar o comportamento do leitor por meio da apresentação de regras que definem comportamentos e suas possíveis consequências.

Suponha, por exemplo, que um guia de educação financeira forneça o seguinte conselho: “Para conquistar estabilidade financeira, é essencial priorizar a construção de uma reserva de emergência equivalente a, no mínimo, seis vezes suas despesas mensais. Essa quantia deve ser investida em ativos de baixo risco, que ofereçam proteção contra a inflação e facilidade de liquidez. Exemplos de ativos que atendem a esses critérios incluem o Tesouro Selic, CDBs e a Poupança.

No exemplo, o autor emite uma regra no qual especifica-se um comportamento (poupar dinheiro) e suas prováveis consequências (estabilidade financeira). Um indivíduo cujo comportamento estivesse sob controle dessa regra se engajaria em uma série de ações (abrir uma conta em uma corretora de investimentos e comprar ativos), como também deixaria de emitir outros comportamentos incompatíveis com a contingência descrita na regra (fazer uma viagem ao exterior, comer em restaurantes caros, comprar roupas de grife etc.).

O comportamento governado por regras é um fenômeno extensamente estudado em Análise do Comportamento, tanto em termos de pesquisa básica quanto aplicada. Não há dúvidas quanto à possibilidade de o comportamento ficar sob controle verbal de uma regra ou instrução, como pode ser evidenciado em nossa propria experiência cotidiana. Skinner (1988) acrescenta que, além de efetivo, a aprendizagem por regras tende a ser mais rápida e produz menos contato com estímulos aversivos, quando comparado à aprendizagem por exposição direta às contingências.

Considerando que a emissão de regras é uma abordagem reconhecida para induzir mudanças no comportamento, surge uma indagação: como podemos explicar o fato de que nada mudou no comportamento do meu cliente? Para responder a esta pergunta, precisamos refletir sobre o seguimento de regras.

O seguimento de regras

            Antes de tudo, é fundamental esclarecer que “seguir regras” (ou seja, agir de acordo com o comportamento descrito na regra) pode ser concebido um comportamento operante e, como tal, está ancorado no nível ontogenético de variação e seleção. Em outras palavras, seguimos uma regra no presente porque, no passado, nosso comportamento de seguir regras foi reforçado ou, inversamente, não seguir regras foi punido. Em geral, é mais provável que o indivíduo siga uma regra quando esta é emitida por indivíduos cujo seguimento de regras emitidas no passado produziram reforço; em termos coloquiais, somos mais propensos a acatar conselhos de pessoas cujas orientações previamente se mostraram proveitosas. Adicionalmente, dizemos que “confiamos” ou que “atribuímos prestígio” a tais pessoas.

            No entanto, ainda que uma regra descreva com precisão as contingências, e que seja emitida por uma pessoa “de prestígio”, isso não garante que ela será seguida. Dentre as razões que levam uma regra a não ser seguida, está a possibilidade de as consequências serem atrasadas em relação a emissão do comportamento, implicarem na perda de reforçadores no curto prazo ou exigirem um alto custo de resposta (Abreu-Rodrigues & Sanabio, 2004). As duas primeiras razões estão conectadas ao que a Análise do Comportamento explora em estudos sobre o comportamento de escolha (Hanna & Todorov, 2002), especificamente através dos conceitos de “autocontrole” e “impulsividade”.     

De acordo com os modelos experimentais do comportamento de escolha, diz-se que uma resposta é “autocontrolada” quando, diante de dois esquemas de reforçamento concorrentes, onde o reforçamento para responder a um esquema é imediato, porém de menor magnitude, e o reforçamento para responder ao segundo esquema é atrasado, mas de maior magnitude, o indivíduo se comporta (ou “escolhe”) de acordo com o segundo esquema. Ou seja, o comportamento fica sob o controle da magnitude do reforçador em detrimento da imediaticidade. Tomando como exemplo o contexto de educação financeira mencionado previamente, uma resposta classificada como “impulsiva” seria alguém gastar seu salário em jantares caros, roupas de marca, viagens etc. Por outro lado, uma resposta “autocontrolada” implicaria em economizar o dinheiro para alcançar estabilidade financeira no futuro, presumindo a estabilidade financeira como reforçador de maior magnitude.

Baum (2004), na sua proposta de análise molar do comportamento de escolha, vai além ao sustentar que todo comportamento é uma forma de escolha. A fundamentação para essa afirmação reside no fato de que cada comportamento envolve a alocação de tempo em uma atividade à custa de outras. De acordo com Baum, o principal efeito do reforçamento é prolongar o período durante o qual um indivíduo se engaja em uma atividade, influenciando, por conseguinte, o seu comportamento como um todo. Seguindo essa linha de pensamento, o comportamento de “economizar dinheiro” implicaria na renúncia de viagens ao exterior, aquisição de roupas de grife, e assim por diante, o que leva à conclusão de que é impossível afetar um comportamento sem que isso afete outros.

            Assim, uma explicação plausível para o fato de meu cliente não notar mudanças em seu comportamento, apesar de “saber o que deve fazer”, pode estar relacionada com o fato de que as consequências para colocar em prática as orientações do seu livro de autoajuda são atrasadas e implicam renunciar a outras consequências, possivelmente mais imediatas, contingentes aos comportamentos que atualmente constituem o seu repertório comportamental.

Sugestões ao psicoterapeuta

Dentro da abordagem terapêutica da Psicoterapia Comportamental Pragmática (Medeiros, 2020a), o controle por regras assume uma posição central. Reconhecendo que uma parcela significativa das contingências relevantes para o processo terapêutico ocorre fora do ambiente do consultório, uma das maneiras de intervir nessas contingências é por meio da emissão de regras que descrevam formas eficazes de lidar com elas. Entretanto, Medeiros (2010) alerta que a emissão de regras por parte do terapeuta nem sempre é eficaz e pode ter efeitos secundários indesejados. Como alternativa, Medeiros (2020b) propõe a utilização do questionamento reflexivo como uma estratégia de intervenção possível. Nesse enfoque, o terapeuta guia o cliente a formular regras analíticas ou de modificação de comportamento por meio de perguntas abertas sequenciais.

Adicionalmente, se a simples emissão de regras pelo terapeuta (ou seja, instruir o cliente sobre o que ele deve fazer) fosse capaz de gerar mudanças significativas, é provável que meu cliente já tivesse experimentado transformações após ler as orientações do seu livro de autoajuda. Certamente, um dos maiores desafios da psicoterapia é criar condições para que os clientes efetivamente coloquem em prática as regras que surgem durante o processo terapêutico, independente de estas terem sido formuladas por eles próprios ou recebidas de outras fontes. Uma lição que podemos extrair da fala do meu cliente é que “saber o que deve fazer” pode não ser suficiente para gerar mudanças significativas no comportamento. Nesse contexto, o que nós, terapeutas, podemos fazer?          

Talvez seja útil considerar que, se nosso objetivo é promover mudanças, é válido ampliar o olhar ao comportamento do nosso cliente como um todo,atentando não só ao que ele se propõe a fazer, mas também ao que ele já faze as consequências que atualmente controlam seu comportamento. É fundamental olhar para as contingências que vigoram no presente, já que estas podem competir com as contingências descritas na regra, atravancando o processo de mudança. No caso do meu cliente, uma postura adequada seria explorar as implicações de seguir as regras descritas no seu texto de autoajuda e questioná-lo: Se você aplicar essas orientações, de que forma sua vida será impactada? Que concessões você está disposto a fazer para alcançar seus objetivos? Como você se sentiria abrindo mão dessas coisas? Caso você efetivamente faça tais concessões, como poderia assegurar que sua vida se mantenha satisfatória?      

Em outras palavras, é fundamental facilitar a produção de autoconhecimento. Nesse aspecto, temos uma vantagem sobre os livros de autoajuda: ao contrário deles, mantemos contato direto com nossos clientes e, por conseguinte, estamos em melhor posição para realizar análises funcionais. Embora possamos não contar com a mesma expertise dos autores em temas variados, estamos em melhores condições para facilitar a emissão de respostas de autoconhecimento que, por sua vez, podem criar condições para que nossos clientes atuem sobre seus ambientes de forma mais eficaz.

Referências

Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio-Heck E. T. (2004). Instruções e Auto-Instruções: Contribuições da pesquisa básica. Em C. N. Abreu & H. J. Guilhardi (Orgs.), Manual prático de técnicas em psicoterapia comportamental, cognitiva e construtivista. São Paulo: Roca.

Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura (M.T.A. Silva, G.Y. Tomanari & E.E.Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre:Artmed.

Baum W. M. (2004). Molar and molecular views of choice. Behavioural Processes, 66, 349–359.

Hanna, E. S. & Todorov, J. C. (2002). Modelos de autocontrole na Análise Experimental do Comportamento: Utilidade e crítica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18(3), 337-343.

Medeiros, C. A. (2010). Comportamento governado por regras na clínica comportamental: algumas considerações. Em A. K. C. R. de-Farias. (Org.). Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso (1ª ed., v. 1, pp. 95-111). Artmed.

Medeiros, C. A. (2020a). Psicoterapia Comportamental Pragmática: Da mudança no comportamento verbal à mudança de comportamento fora do consultório. Em C. A. A. Rocha; B. C. Santos &  H. M. Pompermaier (Orgs.). Comportamento em Foco: Vol. .12 (pp. 111-125). São Paulo: ABPMC.

Medeiros, C. A. (2020b). Questionamento reflexivo: um modo de intervir sem emitir regras para o cliente. Em I. C. Alencar, D. Lettieri & D. F. V. Lobo. (Orgs.), Análise do comportamento e suas aplicações: desafios e possibilidades. (1ª ed., v. 1, pp.106-119). Imagine Publications.

Skinner, B. F. (1969/1984). Contingências de reforço. (R. Moreno, trad.). São Paulo: Abril Cultural.

Skinner, B. F. (1988). A fable. The Analysis of Verbal Behavior, 6, 1-2. doi: 10.1007/BF03392823.

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