Não há resposta simples para a pergunta título, principalmente se partimos do viés analítico-comportamental e das psicoterapias contextuais, segundo o qual o homem é um ser complexo, que só pode ser analisado por meio das muitas faces que o constituem. Assim como o mundo, o homem é multideterminado, variável, plural. Tentaremos, então, desenvolver uma compreensão do tema calcada na ideia de ação contextualizada, que leva em conta as condições antecedentes e as consequências presentes e passadas ao analisar o comportamento humano.
MÁSCARAS
Cada vez que ponho uma máscara para esconder minha realidade, fingindo ser o que não sou, fingindo não ser o que sou, faço-o para atrair o outro e logo descubro que só atraio a outros mascarados distanciando-me dos outros devido a um estorvo: a máscara.
Faço-o para evitar que os outros
vejam minhas debilidades
e logo descubro que,
ao não verem minha humanidade,
Os outros não podem me querer pelo que sou, senão pela máscara.
Faço-o para preservar minhas amizades
e logo descubro que,
quando perco um amigo,
Por ter sido autêntico,
Realmente não era meu amigo,
E, sim, da máscara.
Faço-o para evitar ofender alguém
e ser diplomático
e logo descubro que
aquilo que mais ofende às pessoas das quais quero ser mais íntimo, é a máscara.
Faço-o convencido de que
é o melhor que posso fazer
para ser amado
e logo descubro o triste paradoxo:
o que mais desejo obter com minhas máscaras é, precisamente, o que não consigo com elas
Gilbert Brenson Lazan
Para quem sofre com uma extrema sensibilidade emocional pode ser comum sentir-se confuso quanto a própria identidade, necessitando realizar constantemente um vasculhamento do ambiente em busca de sinais do que fazer, de como pensar ou do que sentir/expressar para ser aceito.
De acordo com o modelo biossocial que fundamenta a Terapia Comportamental Dialética (DBT), o transtorno de personalidade borderline se desenvolve a partir de uma complexa rede de transações recorrentes entre um organismo vulnerável biologicamente (alta reatividade e sensibilidade às emoções) e ambientes que não reconhecem, ignoram, minimizam ou punem a maneira de sentir dessas pessoas (invalidação).
O conceito de afeto para uma criança perpassa muito mais pela via da observação externa do que da introspecção. Assim, expressões emocionais dos cuidadores tornam-se representações que permitem à criança interpretar e compreender suas próprias emoções, bem como as manifestações de afeto dos outros em relação a ela.
Crianças mais sensíveis emocionalmente (vulnerabilidade biológica) tendem a se tornar mais hipervigilantes em relação aos comportamentos dos cuidadores, buscando pistas disponíveis no ambiente para a predição dos comportamentos destes. Uma criança que chora muito e que sente dificuldade de se autoacalmar pode estar exposta a invalidações sobre o seu modo de expressão emocional que, de maneira repetitiva ao longo da vida, pode ensiná-la concepções negativas e autodepreciativas sobre si, podendo também se tornar especialista em ler o comportamento dos outros (para evitar ser invalidada) e má leitora de seus próprios estados emocionais.
O mesmo pode acontecer com crianças com outros padrões de comportamento (mais tímidas e retraídas, mais expansivas etc) expostas à transações recorrentes com estilos parentais e influências sociais invalidantes. Esse processo complexo de transações entre vulnerabilidade biológica e ambientes invalidantes muitas vezes desemboca no que usualmente conhecemos como “sentimento crônico de vazio”, “perda do senso de identidade”, “instabilidade afetiva”, “instabilidade em relação a autoimagem ou percepção de si” etc., que geralmente ocorrem no final da adolescência/início da vida adulta. É importante salientar que, apesar de este ter sido o recorte escolhido neste artigo, tais processos não são exclusivos do contexto de infância, podendo acontecer em diferentes etapas do desenvolvimento.
Linehan (2018) descreve a desregulação emocional como sendo uma sensibilidade elevada às emoções, alta intensidade e um retorno lento ao estado emocional de base. Para entendermos os graves transtornos da desregulação emocional (dentre eles o Transtorno de Personalidade Borderline), é importante que estejamos atentos as dificuldades desses pacientes em compreenderem os próprios estados emocionais (e se autorregularem) e os impactos que essas respostas mais intensas exercem em sua compreensão acerca da realidade (desregulação cognitiva). O diagnóstico pode ser feito a partir do final da adolescência, tendo em vista a complexidade da avaliação acerca do desenvolvimento da personalidade.
Pelo fato de vivenciarem uma alta intensidade emocional com muita rapidez e de maneira tão dolorosa, muitos pacientes tentam se proteger, a todo custo, do mal estar, podendo enxergar momentos de vulnerabilidade como maneiras de permitir que o outro lhe cause uma dor. Disto resulta o sofrimento perante a crítica ou rejeição, podendo ocasionar comportamentos que possuem a função de autopreservação, como distorções cognitivas acerca da realidade ou até mesmo em relação às próprias experiências internas.
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) foi desenvolvida pela Dra. Marsha Linehan, professora de psicologia na Universidade de Washington, EUA, para tratar o transtorno de personalidade Borderline. O modelo de tratamento é bastante amplo e inclui psicoterapia individual, treinamento de habilidades psicossociais, consultoria por telefone (o terapeuta acompanha o paciente fora das sessões através de contato telefônico com o intuito de facilitar a generalização de novas formas de lidar com os problemas) e equipe de consultoria para o terapeuta. O objetivo geral da psicoterapia individual é o desenvolvimento de uma compreensão abrangente acerca dos comportamentos que têm causado sofrimento na vida do paciente, bem como a clarificação acerca de uma vida qualitativamente mais significativa. Porém, a DBT parte do princípio de que compreender as causas e funções dos comportamentos nem sempre é suficiente para pacientes que sofrem intensamente, assim o treinamento de habilidade psicossociais tem como objetivo ampliar o leque de comportamentos alternativos visando maneiras mais efetivas/flexíveis e alinhadas com a vida que se quer viver.
É essencialmente importante lembrar que todos nós temos momentos de desregulação emocional e somos sensíveis, em algum nível, às nossas emoções. Todavia, para algumas pessoas a intensidade e a velocidade com que suas emoções emergem, bem como o lento retorno à linha de base podem desencadear processos de extremo sofrimento.
Referências
Fonagy, P., Gergely, G., & Jurist, E. L. (Eds.). (2018). Affect regulation, mentalization and the development of the self. Routledge.
Hayes, S. C., Hofmann, S. G., & Ciarrochi, J. (2020). A process-based approach to psychological diagnosis and treatment: The conceptual and treatment utility of an extended evolutionary meta model. Clinical Psychology Review, 101908.
Linehan, M. M. (2018). Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o terapeuta. Artmed Editora.
Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano (Vol. 10). São Paulo: Martins Fontes.