Entrevista – Diretoria da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências

Esequias – Hoje tenho o prazer de falar com parte da primeira diretoria da recém-fundada Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências (ABPBE): Jan Luiz Leonardi, presidente da Associação; Clarice Ferreira, Vice-Presidente; e também com Vitor Andrade, Diretor de Operações. Eles falaram sobre o surgimento da ABPBE, sobre seu funcionamento e projetos futuros.

Antes de seguir, peço a todos que leiam com bastante atenção cada palavra! Foi uma entrevista corajosa em que responderam diretamente muitas das perguntas mais polêmicas que surgiram nas redes sociais. Obrigado à diretoria da ABPBE pela disponibilidade para participar.

Jan Leonardi
Clarice Ferreira
Vitor Andrade

Jan Leonardi – Olá Esequias, olá pessoal! Espero que todos estejam bem! Muito obrigado pela oportunidade de falarmos um pouco sobre a ABPBE.

Esequias – Como surgiu a ideia e o que motivou a criação da ABPBE?

Clarice Ferreira – Havia uma comunidade virtual com um grupo de estudos, que reunia vários interessados em Psicologia Baseada em Evidências. Eu e Vitor entramos no grupo em maio de 2021, e passamos a acompanhar as apresentações, que ocorriam pelo menos uma vez a cada duas semanas, cada vez por um membro diferente. Muitos deles acabaram se aproximando cada vez mais e fazendo amizades entre si, mantendo também um contato por chat todos os dias para conversar sobre Psicologia Baseada em Evidências, Filosofia Analítica, e outros assuntos relevantes. As pessoas eram muito interessadas e dedicadas, e nós dois começamos a pensar sobre o que seria necessário para oficializar isso; afinal, queríamos que o trabalho de todos pudesse ser também reconhecido. Começamos a discutir possibilidades, pesquisar, fazer reuniões com o pessoal, até chegarmos na ideia de que o projeto mais adequado para nossos objetivos seria a fundação de uma Associação. Já acompanhávamos e admirávamos muito o trabalho do Jan em PBE há algum tempo, e por reconhecermos sua competência, decidimos convidá-lo para participar da primeira chapa da ABPBE conosco, se tornando nosso Presidente. Todo o processo de estruturação até a fundação durou alguns meses, desde meados de outubro e novembro, até agora, com a fundação em janeiro. Foi um grande esforço coletivo de todos os fundadores para que isso viesse à tona em poucos meses.

Nossa motivação vem de uma insatisfação com a situação da nossa área e dos cursos de graduação como temos hoje no país, bem como uma vontade grande de construirmos uma Psicologia verdadeiramente científica. A sociedade confia nos profissionais de Psicologia para ofertarem um serviço que realmente tenha as maiores probabilidades de contribuir para o aumento do bem-estar, mas ao se distanciar da ciência, como vem sendo feito até agora, não há como isso ser garantido. Deste modo, é necessário um movimento de oposição e de construção de novas possibilidades, e aí entra o papel da ABPBE. Temos a esperança de criar, através de um trabalho coletivo, uma psicologia mais responsável e ética, que se baseie nas melhores evidências disponíveis, que considere a subjetividade e o contexto de seus clientes, e que priorize aquilo que de fato contribuirá para o bem-estar social, ao invés de ceder a um corporativismo.

Esequias – Jan, no post de lançamento da associação você a define como “uma entidade que vem ‘pra’ reunir pessoas interessadas em disseminar uma psicologia verdadeira científica e lutar pelo fim das pseudociências e do obscurantismo num campo do conhecimento tão vital para todos nós”. Nas redes sociais, observei muitos questionamentos sobre a que coisas ou abordagens você se referia ao usar os termos “pseudociências” e “obscurantismo”. Essa dúvida emergiu, principalmente, no contexto das diferenças entre a PBE e a Análise do Comportamento brasileira. Explica um pouco melhor para nós o que você quer dizer e a “quem” se refere?

Jan Leonardi – Olha, a meu ver, não há porquê relacionar os termos “pseudociências” e “obscurantismo” no contexto das diferenças entre a PBE e a Análise do Comportamento. Conforme já falei publicamente e já escrevi em artigos publicados por mim, a Análise do Comportamento, seja na pesquisa básica, na pesquisa aplicada ou na prestação de serviços, apresenta, desde a sua origem, um forte comprometimento com ciência, pesquisa, dados empíricos, etc., e que, atualmente, algumas formas de aplicação da Análise do Comportamento ainda não têm evidências de eficácia (como é o caso da Terapia Analítico-Comportamental). Isso não quer dizer que ela seja uma terapia inócua ou iatrogênica; significa que faltam pesquisas. Se isso fez alguém vestir a carapuça, não foi minha intenção. Dito isso, quando usei as palavras “pseudociências” e “obscurantismo”, me referi a todas as práticas no campo da Psicologia que não têm compromisso com ciência e/ou que se recusam a se submeter à verificação empírica rigorosa. Coisas como constelação familiar, thetahealing, barras de access e afins, incluindo coisas que estão até mesmo nos currículos de graduação em Psicologia, como a psicanálise.   

Esequias – Na apresentação da Associação feita no perfil do Instagram, consta entre os objetivos a condução de estudos e pesquisas relacionados à PBE. Como vai funcionar? A própria ABPBE deve conduzir? Existirão iniciativas para apoiar grupos ou pessoas que desejem desenvolver pesquisas de qualidade?

Clarice Ferreira – Uma das comissões da ABPBE é a comissão de pesquisa, que pode ter como uma de suas atividades o desenvolvimento de artigos científicos. Já temos planos de desenvolver neste ano uma revisão sistemática e pelo menos dois artigos teóricos sobre Psicologia Baseada em Evidências, além da inauguração de uma revista de divulgação científica. Como ainda estamos iniciando nossos trabalhos, ainda precisaremos de um tempo maior para nos organizar e avaliar a viabilidade projetos mais ambiciosos como esse que você mencionou, de apoio direto a outros grupos. De todo modo, temos planos de realizar uma premiação anual para pessoas que produziram trabalhos relevantes em Psicologia Baseada em Evidências, que acaba sendo também uma forma de incentivo.

Esequias – A ABPBE congrega especialmente profissionais que já vem de tradições psicológicas que apresentam, ao menos em alguma medida, a preocupação de serem científicas – como a TCC e a AC. Estas são abordagens já representadas por outras associações ou federações, como a FBTCC ou a ABPMC. De que forma vocês veem a relação da ABPBE e a posição dela em relação a estas outras associações?

Jan Leonardi – A ABPMC dedica-se à Análise do comportamento. A FBTC dedica-se às Terapias Cognitivas e, mais recentemente, às Terapias Contextuais. O objetivo da ABPBE é o fortalecimento e a disseminação da Prática Baseada em Evidências em Psicologia, o que abrange o conhecimento da Análise do Comportamento, das Terapias Cognitivas e Contextuais, mas vai além. Primeiro, porque o compromisso da ABPBE não é com um ou outra abordagem específica, uma vez que a ciência está sempre inacabada e que novas teorias, pesquisas, métodos e práticas podem surgir e se transformar. Por isso a importância de uma associação dedicada à PBE e não circunscrita à Análise do Comportamento ou às Terapias Cognitivas e Contextuais. Segundo, porque uma das missões da ABPBE é o combate às pseudociências, fraudes científicas, pesquisas antiéticas e desinformações na Psicologia, o que não é o foco da ABPMC e da FBTC. Dito isso, é importante destacar que tais abordagens têm papel de extrema importância na ciência psicológica e, por isso, parcerias institucionais tanto com a ABPMC quanto com a FBTC seriam muito bem vindas. Ah, vale dizer também que no primeiro congresso da ABPBE contaremos com pesquisadores e terapeutas tanto da Análise do Comportamento quanto das Terapias Cognitivas e Contextuais.

Esequias – Um dos membros da diretoria da ABPBE mencionou que, em breve, serão criadas comissões específicas para atuarem em áreas específicas da associação. Vocês podem adiantar algumas informações sobre como funcionarão e o que seria necessário para participar delas?

Vitor Andrade –Neste momento as comissões já foram criadas e estão se preparando para o início dos trabalhos. O nosso funcionamento interno está ocorrendo da seguinte maneira: temos uma Diretoria que administra a Associação e a direciona para cumprir com seus objetivos sociais e temos comissões que são compostas por membros que auxiliam ativamente a ABPBE em suas atividades dentro de cada setor. Estas comissões são compostas por membros colaboradores e coordenadores. Os colaboradores são aqueles que atuam nas comissões realizando as atividades que se dispuseram a auxiliar. Já os coordenadores são aqueles que se colocam como os principais responsáveis pela administração daquela comissão. Então eles, além de auxiliar nas atividades, também possuem o papel de acompanhar os colaboradores e repassar para a Diretoria todas as necessidades do seu setor.

Até então as comissões da ABPBE são: a pesquisa, ensino, articulação, comunicação e recursos humanos. A pesquisa já foi mencionada anteriormente; o ensino tem como objetivo realizar cursos de Psicologia Baseada em Evidências para todos os níveis de formação; a articulação busca realizar uma ponte entre a Associação e a comunidade de Psicologia Baseada em Evidências, dentro ou fora do Brasil; a comunicação cuida de toda parte de design de conteúdo e divulgação da associação; e os recursos humanos cuidam das relações interpessoais dentro da ABPBE. Ainda poderão ser criadas mais comissões conforme a necessidade, o crescimento da Associação e ideias que possam surgir.

Todas as pessoas interessadas em ajudar a disseminar a PBE no Brasil poderão se candidatar para serem membros colaboradores. Ainda estamos nos organizando internamente para estipular com mais precisão quantas vagas teremos disponíveis em cada comissão. Assim que encerrarmos esse período de análise, vamos divulgar esta informação no site com detalhes sobre como se candidatar. Buscaremos fazer uma avaliação de todos os interessados para averiguar se possuem as competências necessárias para a respectiva função que querem desempenhar, e daremos um retorno sobre os resultados.

Esequias – Muitas pessoas têm manifestado interesse em se associarem e, ao mesmo tempo, curiosidade sobre quais seriam os benefícios de um associado da ABPBE. Vocês podem adiantar um pouco do que tem sido discutido sobre isso?

Vitor Andrade – Claro! Buscaremos fazer com que a Associação seja um caminho facilitador para os associados consumirem conteúdos de PBE, realizarem pesquisas, se desenvolverem enquanto profissionais e auxiliarem no crescimento da Psicologia Baseada em Evidências. Tendo em vista isso, forneceremos cursos para os associados, com vagas reservadas e valores privilegiados.  Os associados também terão descontos em cursos de PBE parceiros da Associação, além de todos os nossos eventos, simpósios e ciclo de palestras. Por fim, os associados farão parte de uma comunidade com outras pessoas com interesses em Psicologia Baseada em Evidências, o que pode auxiliá-los a criar laços de amizade e desenvolver seu networking, fazer parcerias e participar de discussões sobre essa temática. Todos esses benefícios poderão se expandir na medida em que a Associação crescer, firmarmos mais parcerias e assim que obtivermos retorno sobre as necessidades dos associados.

Esequias – Existem profissionais, clínicas e grupos de pesquisa interessados em trabalhar e divulgara a PBE em todo o Brasil. De que forma a ABPBE deve se relacionar com eles? Haverá algum tipo de apoio, criação de diretrizes ou alguma outra iniciativa? Podem falar um pouco?

Jan Leonardi – Eu e todos os envolvidos na fundação da ABPBE ficamos muito felizes em ver a repercussão que o surgimento da ABPBE teve. Foram dezenas de posts em redes sociais, mensagens privadas, comentários e afins celebrando e enaltecendo nosso trabalho em prol da Psicologia Baseada em Evidências no Brasil. Nós temos diversas ideias! A primeira delas é 1º Congresso Brasileiro de Psicologia Baseada em Evidências, que será realizado no formato online entre os dias 26 e 29 de Maio deste ano de 2022 (https://abpbe.org/congressoapbe/), com presenças ilustres, como Daniel Gontijo, Fernanda Landeiro, Leonardo Costa, Carmen Neufeld, Maria Celeste Airaldi, Maarten Boudry, entre outros. Outra ideia é criar e oferecer prêmio da ABPBE para acadêmicos que realizaram trabalhos relevantes para a Psicologia Baseada em Evidências. Queremos também criar um podcast destinado a abordar temas correntes em Psicologia Baseada em Evidências por meio de conversas/entrevistas com referências na área. Estamos avaliando também a possibilidade de termos instituições afiliadas à ABPBE. Além disso, como a Clarice já disse, há diversas comissões de trabalho que já contam com voluntários interessados em trabalhar e divulgar a PBE em todo o Brasil. E esse é só o começo!

4.2 5 votes
Article Rating
Avatar photo

Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Terapeuta Comportamental, com especialização em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP), com Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech | A Linehan Institute Training Company (Seattle, Washington/ EUA) e Formação em Terapia de Aceitação E Compromisso e Terapia Analítica Funcional pelo Instituto Continuum (Londrina, PR). É sócio da Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde atende a adultos individualmente, em terapia de casais e terapia de família, além de prover Supervisão Clínica e Treinamento para Terapeutas Comportamentais. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento (www.comportese.com), onde também coordena a equipe de colunistas de Terapia Comportamental Dialética. Coorganizou os livros Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação (Ed. Esetec, 2012) e Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental (Ed. Juruá, 2015). Atua como consultor de Comportamento e Cultura para a Rádio Clube (AM 770) de Patos de Minas e escreve sobre Psicologia e Saúde Mental para o jornal Clube Notícia (https://www.clubenoticia.com.br). É sócio afiliado da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e, entre os anos de 2015 e 2017, foi membro da Comissão de Comunicação da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

Todas as mulheres

“DES-VULNERABILIZAR”: COMO AS HABILIDADES EM DBT PODEM AUXILIAR PESSOAS EM CONTEXTOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Live Canal dos Berrekas – A Formação em ABA no Brasil