Aceitar não é aprovar: compreendendo o balanço entre aceitação e mudança na terapia comportamental dialética (DBT)

Olá leitores do portal comporte-se! Discutiremos aqui neste texto um dos aspectos centrais em Terapia Comportamental Dialética (DBT): o balanço entre a aceitação e a mudança. Para Linehan (2018), idealizadora da DBT, o balanço constante entre estes dois eixos permite o dinamismo tão caracteristicamente observado nesta abordagem. É possível perceber a presença da síntese entre a aceitação e a mudança tanto nos princípios que deram origem à DBT como em cada um dos quatro braços desse modelo de tratamento – psicoterapia individual, coaching telefônico, consultoria de caso e no treino de habilidades. 

Logo de início, ao dedicar-se a tratar pacientes com desregulação emocional grave e risco suicida por meio da análise do comportamento, Marsha Linehan pôde constatar que, apesar de efetiva, esta abordagem de intervenção apresentava limitações importantes neste contexto de atuação (Linehan & Wilks, 2015). A análise do comportamento não se mostrava muito eficaz ao balancear as estratégias de mudança e de resolução de problemas com a necessidade de validação das emoções e das dificuldades dos pacientes em se engajar em comportamentos mais efetivos durante o tratamento (Linehan, 2010). Desta forma, fez-se necessário o surgimento de uma abordagem que, além dos princípios teóricos da abordagem comportamental, preconizasse a aceitação do paciente e da realidade como são no momento presente, por parte tanto do próprio paciente como do terapeuta. Esta dialética exige equilíbrio do terapeuta, que precisa se concentrar em observar e compreender cada interação com o paciente como única e passível de uma nova releitura a todo instante.

A teoria de aceitação da DBT foi pensada a partir de práticas que se concentrassem basicamente na aceitação da realidade como é no presente momento, sem tentar alterá-la de nenhuma forma. Para tal fim, Marsha mergulhou nos trabalhos de mindfulness desenvolvidos por Kabat-Zenn (1990), que preconizavam uma nova perspectiva de enfrentar a dor e o stress diário. Em DBT, entretanto, as ideias baseadas em religião foram postas de lado e concentrou-se os estudos nos aspectos relacionados a aceitação radical da realidade (Linehan, 2018).

Um texto anteriormente publicado nesta coluna já descreveu o porquê aceitar as coisas radicalmente ajuda na busca de uma “vida que vale a pena ser vivida” (clique aqui). Muitas vezes, a aceitação radical da realidade envolve enfrentar de frente situações difíceis que estão acontecendo em nossas vidas. Por mais dor que possa trazer, é preciso aceitar radicalmente que alguém morreu ou pode estar com uma doença incurável, que um relacionamento acabou ou que seu filho adolescente pode estar apresentando comportamentos de risco. Dentro dessa lógica, não estamos dizendo que você precisa amar alguém que te magoou, mas sim que é preciso aceitar que foi ferido se quiser superar o que aconteceu e agir diferente de agora em diante. É preciso aceitar que seu filho não é exatamente como você idealizou, se quiser ajuda-o na mudança de hábitos que ele precisará enfrentar diante de tais comportamentos de risco (Linehan, 2018).

A partir desta aceitação da realidade e de que esta nova compreensão das coisas já implica uma mudança, é possível vivenciar a dialética entre estes dois eixos e entender a importância desse balanço no processo terapêutico e na vida humana como um todo. A mudança consiste na necessidade de adequar a realidade em que o paciente vive e solucionar possíveis problemas que estejam interferindo nos objetivos dele. Este papel, entretanto, a análise do comportamento parece desempenhar com maestria, sendo capaz de ajudar o paciente a discriminar e modificar coisas que devem ser alteradas na busca de um comportamento mais efetivo (Linehan, 2010).

Vale ressaltar que a mudança só pode ocorrer dentro de um contexto onde há espaço para a aceitação da realidade como ela é. A aceitação não tem a capacidade de produzir a mudança por si só, mas pode ajudar na compreensão de que as coisas não estão/são como gostaríamos e que, para mudá-las, precisamos agir partindo dessa realidade que se faz presente no momento (mesmo que não seja a desejada…). Ao mesmo tempo que aceito que alguém que amo morreu ou que um relacionamento acabou, posso começar a avaliar que rumos devo tomar na vida de agora em diante sem a presença dessas pessoas; se entendo que meu filho está se comportando de forma não efetiva e começo a abrir mão do filho que eu havia imaginado, posso diminuir o sofrimento, aceitar as coisas como são, e entender o que é mais efetivo para ajudar a solucionar problema como, por exemplo, o do abuso de substâncias e as automutilações recorrentes (Harvey & Rathbone, 2015; Rathus et al., 2015).

É importante enfatizar que a dialética entre aceitação e mudança pode ser observada em todo o tratamento de DBT. No âmbito da relação terapêutica, ela foi metaforicamente representada por Linehan (2010) como uma dança de salão, exigindo do terapeuta a flexibilidade e leveza de responder aos passos de acordo com as possibilidades e limitações da paciente. O terapeuta deve ser capaz de conduzir o paciente, além de transitar pelos polos de aceitação e mudança, de forma firme e suave ao mesmo tempo.  O treinamento de habilidades, outro braço de intervenção da DBT, também reflete esse balanço, contemplando em sua construção as habilidades de aceitação (tolerância ao mal-estar e mindfulness) e as habilidades de mudança (regulação emocional e efetividade interpessoal). Desta forma, é possível que o terapeuta e o co-terapeuta que comandam o grupo sejam capazes de preparar o cliente para aceitação de situações dolorosas que não são passíveis de mudança naquele instante e capacitá-lo para mudança do que é efetivo alterar em sua relação consigo mesmo, com as demais pessoas e com o meio em que está inserido (Linehan, 2018).

Então, buscando ser tão dialético quanto a DBT propõe, é preciso tomar consciência de uma questão básica nesta abordagem e que venho deixar como mensagem central deste texto: Precisamos reforçar que aceitar algo não significa, necessariamente, aprovar ou gostar. Aceitação envolve parar de brigar com a realidade e entender que aceitá-la é o primeiro passo e a forma mais honesta de reinventá-la!

Até a próxima!

Harvey, P., & Rathbone, B. H. (2015). Parenting a teen who has intense emotions: DBT skills to help your teen navigate emotional and behavioral challenges. New Harbinger Publications.

Kabat-Zinn, J. (1990). Full catastrophe living: Using the wisdom of your body and mind to face stress, pain, and illness. New York: Delacorte Press.

Linehan, M. M. (2018). Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o terapeuta. Artmed Editora.

Linehan, M. M., & Wilks, C. R. (2015). The course and evolution of dialectical behavior therapy. American journal of psychotherapy69(2), 97-110.

Linehan, M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para transtorno da personalidade borderline. Ronaldo Cataldo Costa, Trad.). Porto Alegre: Artmed.[Trabalho original publicado em 1993.].

Rathus, J., Campbell, B., Miller, A., & Smith, H. (2015). Treatment acceptability study of walking the middle path, a new DBT skills module for adolescents and their families. American journal of psychotherapy69(2), 163-178.

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Escrito por Brisa Burgos

Psicóloga clínica, Mestra em Psicobiologia e Doutoranda em Saúde Mental. Pós graduada e Proficiente em Terapia Cognitivo-Comportamental. Treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética. Professora, psicóloga e supervisora clínica.

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Revista Perspectivas: Edição Especial sobre a Produção de Conhecimento em Terapia Analítico-Comportamental