Aceitação Radical… O que é? Por quê? E quando praticar?

Queridos leitores dessa coluna sobre Terapia Comportamental Dialética (DBT) do “Comporte-se”. Muitos de vocês, que se interessam pelas abordagens terapêuticas denominadas “Terapias Comportamentais Contextuais”, já devem ter se visto de frente com o termo “aceitação radical” ao longo de suas leituras e/ou experiências. Através de frases como: “É fundamental trabalhar com os pacientes a ideia de aceitação radical”, ou então “aceitar radicalmente é base para a mudança” ou ainda “aceitar radicalmente a realidade, com toda a sua profundidade, é vital, pois não aceitar a realidade não muda a realidade”. Enfim, existe hoje um aumento significativo do estudo, do interesse e da utilização dos procedimentos de “aceitação radical”. Mas como saber ao certo o que é, porque e como utilizar a “aceitação radical”? Além disso, pode-se aplicar “aceitação radical” para todas as situações? Assim sendo, é justamente sobre essas importantes dúvidas que essa presente coluna pretende dissertar.

Cabe salientar aqui que “aceitação radical” reflete muito mais do que apenas estratégias terapêuticas dentro das Terapias Comportamentais Contextuais. Trata-se de uma posição filosófica central dessas abordagens. Dessa forma, será possível que vocês tenham contato, se é que já não possuem, com ela ao escutarem ou lerem sobre Terapia Comportamental Dialética (DBT), Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) ou quaisquer outras abordagens de Terapias Comportamentais Contextuais (Hayes, Linehan, Follette, 2011). Contudo, como essa coluna trata especificamente da Terapia Comportamental Dialética (DBT), então será abordado o entendimento de “aceitação radical” dentro da DBT.

“Aceitação Radical” para a DBT pode ser entendida como uma completa abertura para a realidade, como essa se apresente, sem lutar contra ela ou utilizar de estratégias inefetivas para não enfrentar ou lidar com ela (Linehan, 2015a). Trabalhar internamente a “aceitação radical” é algo realmente muito difícil, uma vez que nos exige que façamos, de fato, esforços para conseguirmos aceitar a realidade tal como ela é. Normalmente quando essa ideia é colocada para as pessoas que estão sendo introduzidas a DBT (terapeutas iniciando o seu treinamento ou pacientes), inicia-se colocando que a “aceitação radical” envolve aceitar a sua vida tal como ela é no momento presente (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b).

Contudo, a questão que deve ser levantada aqui é que é muito comum a confusão entre aceitar radicalmente algo com conformar-se com algo. É fundamental o entendimento adequado que conformar-se envolve não aceitar a realidade, até porque conformação é uma estratégia passiva para lidar com os acontecimentos da vida. Ao contrário disso “aceitação radical” envolve expor-se a realidade tal como ela é, ou seja, trata-se de uma estratégia ativa que requer intencionalidade na sua aplicação (Linehan, 2015b). Além disso, “aceitação radical” não deve ser confundida com aprovar ou lastimar porque também tratam-se de formas passivas de lidar com os acontecimentos da vida (Linehan, 2015b).

Mas, ainda é possível questionar-se afinal de contas porque praticar “aceitação radical”? Existe uma série de motivos pelos quais se justificam a prática da “aceitação radical”. O primeiro deles, e talvez o mais categórico de todos, envolve o fato de que não aceitar a realidade, não modifica a realidade. Ou seja, para que seja possível realizar quaisquer mudanças em nossas vidas é fundamental que reconheçamos exatamente qual é o nosso momento atual, para que assim possamos elaborar ações direcionadas para modificar o que queremos mudar. Ou seja, estamos diante de um dos maiores paradoxos dentro da DBT que é o da aceitação como base para a mudança. Contudo, é importante que não se confunda a ideia de que “aceitação radical” seja uma prática com a intenção de mudança, pois ela não é. A mudança que decorre da “aceitação radical” trata-se de um efeito possível com essa prática, mas não uma intenção direta. Metaforizando a situação em questão é como se para enxergar algum detalhe em uma caneta se tentasse colocar ela cada vez mais perto dos olhos para poder enxerga-la. O efeito disso é que simplesmente a imagem fica totalmente desfocada e não enxerga-se nada do detalhe que está tentando-se ver. No momento em que se aceita que aproximar a caneta não fará que se enxergue o detalhe que se quer ver, é possível que se pare de aproximar ela do rosto e comece-se a afastá-la do rosto, e nesse momento coloca-la em uma distância ideal para que o foco da imagem seja ótimo para que seja possível enxergar o detalhe até então pretendido.  Essa metáfora explica bem o paradoxo entre a “aceitação radical” e a mudança que a DBT tanto coloca. Além disso, fica evidente, com essa metáfora, o porque não aceitar a realidade não modifica ela, pois, de acordo com o exemplo proposto ficar tentando incessantemente colocar a caneta mais próxima do rosto para conseguir enxergar o detalhe pretendido só terá dois efeitos: 1) frustração e 2) dor de cabeça (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b; McKay & Wood, 2011).

Outro ponto fundamental do porque realizar a prática da “aceitação radical” envolve o fato de que dor (tanto física quanto emocional) faz parte da vida, e lutar contra ela só agrega sofrimento à experiência dolorosa. Um exemplo bem específico disso envolve a dor física de uma lesão muscular provocada por uma atividade esportiva realizada no final de semana pelos famosos “atletas de final de semana”. Imaginem uma pessoa que resolveu praticar rafting no final de semana e acabou sofrendo uma pequena contratura muscular nas costas. A dor decorrente desse tipo de lesão é realmente muito desconfortável. Contudo, se essa pessoa começar a não aceitar essa dor e ficar envolvido com pensamentos do tipo: “que saco essa dor!”, “não aguento mais ficar sentindo tanta dor”, “quanto tempo mais vou ter de suportar”, “porque eu fui inventar de fazer rafting… Poderia ter ficado tranquilamente em casa ou ter ido a um parque tomar um chimarrão”. Todos esses pensamentos naturalmente envolvem uma postura de não aceitação da dor física pela contratura muscular. O efeito disso será que além de sentir dor nas costas, essa pessoa começará a ter raiva em função da não aceitação da dor, o que pode inclusive piorar a dor nas costas que essa pessoa está sentindo. Ou seja, a postura de não aceitação da experiência dolorosa invariavelmente levará a mais e mais sofrimento (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b; McKay & Wood, 2011).

No entanto, apesar de tudo o que já foi escrito evidenciando o que é a “aceitação radical” e o porquê pratica-la, ainda é necessário ver quando praticar-se a “aceitação radical”.  Assim sendo, a melhor definição sobre a utilização da “aceitação radical” dentro da DBT pode ser compreendida através dos quatro primeiros versos da Oração da Serenidade de São Francisco de Assis: “Deus, conceda-me a serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar; a coragem para mudar aquilo que eu possa e a sabedoria para discernir entre as duas” (Linehan, 2015b). Ou seja, a prática da “aceitação radical” é propícia para quando você está vivendo uma vida que não é aquela que você deseja no momento. Diversas vezes as “cartas” que recebemos para jogar o “jogo da vida” não são exatamente aquelas que gostaríamos. Como por exemplo, a nossa família pode não ser exatamente do jeito que desejamos, a nossa situação financeira atual também, assim como a estação do ano pode não ser aquela que mais gostamos. Contudo, lutar contra a realidade de como essas coisas são, não modificará em nada elas. A ideia da “aceitação radical” é que possamos aprender a jogar com as cartas que temos na mão. Tal como fazem os grandes jogadores de Poker, que ao invés de ficarem esperando passivamente por terem um jogo excelente nas mãos, aprendem a jogar de maneira efetiva com aquelas cartas que eles tenham a disposição (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b; McKay & Wood, 2011).

Por fim, querido leitores desse espaço sobre Terapia Comportamental Dialética (DBT) convido-os a observarem a importância vital do conceito de “aceitação radical”, não só para o processo psicoterapêutico em si, mas, também, para o nosso dia a dia.  Aprender a aceitar a realidade como ela é, sem resistir, sem se lamentar ou sem se conformar é um passo importante que podemos dar no sentido de nos aproximarmos da construção de uma vida mais plena dentro dos nossos valores. Somente através da “aceitação radical” ficamos conscientes das “cartas” que temos a nossa disposição para experienciarmos profundamente a nossa vida. Assim sendo, quero convidá-los a praticarem em suas vidas a “aceitação radical” e a observarem, de forma validante e compassiva, as “cartas” que vocês têm a disposição!

 

Referências:

Hayes, S. C., Follette, V, M., & Linehan, M. M. (2011). Mindfulness and acceptance: expanding the cognitive-behavioral tradition. New York: Guilford Press.

Linehan, M. M. (2015a). DBT skills training manual. New York: Guilford Press.

Linehan, M. M. (2015b). DBT skills training handouts and worksheets. New York: Guilford Press.

McKay, M., Wood, J. C. (2011). The dialectical behavior therapy diary: monitoring your emotional regulation day by day. Oakland: New Harbinger Publications.

 

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Escrito por Vinicius Dornelles

Psicólogo (PUCRS); Mestre em Psicologia (PUCRS); Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais; Formação em Tratamentos Baseados em Evidênvias para o Transtorno da Personalidade Borderline (Fundación FORO - Argentina); Concluindo o Dialectical Behavior Therapy (DBT): Intensive Training (Behavioral Tech - EUA, Fundación FORO - Argentina); Sócio da International Society for the Study of Personality Disorders (ISSPD); Professor da faculdade de Psicologia da UNISINOS; Coordenador e professor da Especialização em Terapias Comportamentais Contextuais (InTCC); Professor e Supervisor da Especialização em Terapias Cognitivo-Comportamentais (InTCC); Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Personalidade (GEP)

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