“(…) à medida que a modificação do comportamento começou a ser vista como uma tecnologia efetiva, um número de psicólogos aplicados ecléticos ainda trabalhando como clínicos, psicólogos escolares, psicólogos industriais, etc., começaram a adicionar a análise do comportamento à sua coleção de técnicas, um tanto quanto antes de acadêmicos ecléticos adicionarem a visão de Skinner ao seu repertório intelectual. E se por um lado eles puderam adquirir muito bem a tecnologia, estes novos profissionais, em geral, não adquiriram a ciência ou a filosofia da ciência que foi responsável pela tecnologia.” (Michael, 1980, pg. 8)
A citação acima, do início da década de 80, já retratava uma realidade que só vemos aumentar, piorar e se concretizar nos dias atuais, principalmente quando falamos em Análise do Comportamento Aplica ao tratamento do Transtorno do Espectro do Autismo. Os ótimos resultados obtidos com a intervenção ABA no desenvolvimento de crianças e adolescentes com autismo levaram muitos profissionais a começarem a usar as técnicas oriundas da Análise do Comportamento descoladas da teoria e filosofia que as embasam. A Análise do Comportamento não é um mero conjunto de técnicas que podem ser copiadas de um caso e coladas no outro. A Análise do Comportamento é oriunda da filosofia comportamental e tem seus conceitos definidos e suas técnicas comprovadas por meio da pesquisa básica, feita em laboratórios nas grandes universidades. Aplicar tais técnicas sem conhecer esta filosofia e essa base científica é, no mínimo, irresponsável e perigoso para o cliente.
A pesquisa básica não tem utilidade e nem motivação sem as demandas da aplicação; e, por sua vez, a aplicação, quando desprendida das investigações e descobertas científicas, torna-se atrasada, estagnada e reduzida a um pacote pronto de técnicas comportamentais destinado a todo e qualquer caso. Um dos mais importantes pressupostos da filosofia comportamental refere-se ao caráter individual de todo ser humano, já que seu repertório comportamental é determinado pela junção de variáveis genéticas, culturais e de contingências de sua história de vida, o que o torna único e, então, o plano de intervenção comportamental também deve ser único, desenvolvido e planejado para cada pessoa, considerando suas características genéticas e sua história de vida.A intervenção aqui apresentada, por meio de consultorias para famílias e equipes de pessoas com TEA, não é inovadora, visto que consiste na aplicação da filosofia comportamental, isto é, são práticas da aplicação comprometidas com a ciência do comportamento e fundamentalmente oriundas desta ciência.
O Analista do Comportamento, comprometido com a Ciência Comportamental, deve, segundo Baer, Wolf e Risley (1968/1987), invariavelmente cumprir os 7 passos descritos abaixo:
- Definir classes de respostas a serem instaladas/maximizadas e aquelas a serem extintas/minimizadas:Para isso, a primeira consultoria consiste na Avaliação de Repertório Inicial. Esta tem como objetivo conhecer a criança e o meio onde ela vive, sua rotina, as dificuldades enfrentadas e as principais queixas dos familiares e profissionais que lidam com ela no dia-a-dia.O resultado deste primeiro contato é a definição das classes de respostasque estão prejudicando o desenvolvimento da criança, suas relações sociais e a qualidade de vida e, portanto, precisam ser Busca-se, ainda, definir classes de respostas adequadas socialmente e benéficas ao desenvolvimento da criança, que serão fortalecidas e utilizadas como meio para o ensino de novas classes de respostas.
- Observar e registrar os comportamentos de interesse:A definição de classes de respostas a serem maximizadas e minimizadas é feita com base na observação ao vivo da criança nos contextos rotineiros, como: casa, escola, terapias, atividades lúdicas, etc., além da coleta de dados através do relato dos familiares. Durante a observação, as respostas-alvo sãoregistradas, bem como as variáveis ambientais que as antecedem, e as consequências que seguem estas respostas. Com estes dados é feita, então, uma Análise Funcional de cada comportamento, ou seja, análise de que variáveis ambientais evocam as respostas e que consequências as estão mantendo.
- Estabelecer a linha de base de cada comportamento:Antes do início de qualquer procedimento são coletados dados de Linha de Base de cada comportamento a ser minimizado/extinto e cada comportamento a ser maximizado/instalado. Estes dados permitirão avaliar a eficiência do procedimento, ou seja, se o comportamento está sendo ou não modificado no decorrer da intervenção. Além disso, os dados de Linha de Base permitem avaliar se a mudança comportamental gerada deve-se realmente ao procedimento aplicado, ou se é fruto de variáveis não controladas.
- Estabelecer as metas comportamentais a serem cumpridas:Ainda na Avaliação Inicial são estabelecidas, juntamente com a família e os profissionais que lidam com a criança cotidianamente, as primeiras metas a serem atingidas. É fundamental estabelecer metas pontuais a cada momento da intervenção, sempre respeitando o grau de mudança ambiental que a família é capaz de aceitar e se adaptar.
- Escolher os procedimentos a serem utilizados:Com as metas definidas e os comportamentos-alvo analisados, pode-se planejar os procedimentos que serão aplicados, ou seja:a) manipular variáveis ambientais (antecedentes e consequentes) visando enfraquecer e, consequentemente, reduzir a frequência de comportamentos-problema; e b) planejar estratégias de ensino de habilidades sociais, acadêmicas e verbais ainda não adquiridas pela criança. Estas estratégias são desenvolvidas para cada criança, com base em seu repertório comportamental e suas necessidades especiais.
- Avaliar constantemente a intervenção proposta:Para cada caso é definida uma frequência de consultorias adequada para as necessidades específicas. Nestas consultorias tem-se como objetivo: a)Avaliações da Criança: observações periódicas in locus ou através de filmagens para avaliar o desempenho nas metas estabelecidas; b)Análise de Dados: análise dos registros feitos pelos profissionais e familiares, bem como elaboração e análise de gráficos para avaliação de desempenho e da efetividade dos procedimentos (comparação entre dados de Linha de Base e dados coletados após a aplicação dos procedimentos); c)Escuta das novas demandas: a cada consultoria novas queixas surgem, e antigas queixas tornam-se acessíveis; d)Estabelecimento de novasmetas: então, novas classes de respostas a serem minimizadas/extintas e maximizadas/instaladas são definidas.
- Programar a generalização:Este é o objetivo último das consultorias, ou seja, maximizar o número de horas de terapia. Para isso, familiares, profissionais e para-profissionais (cuidadores, estagiários, etc.) são treinados para a aplicação sistemática e diária dos procedimentos para modificação de comportamentos e ensino de novas habilidades.Os melhores resultados de manutenção e generalização são obtidos quando os pais colaboram com a intervenção.Juntamente com cada família avalia-se os custos da intervenção e, caso estes sejam restritos, os consultores orientam acerca das prioridades em cada momento.
Outro problema trazido pela intervenção ABA feita por pessoas não adequadamente capacitadas, é a redução da intervenção apenas a sessões de consultório. Segundo Bagaiolo e Guilhardi (2002),“a intervenção comportamental com crianças autistas (…) explicita uma tecnologia possível de ser transmitida para pessoas do meio social da criança, por exemplo os pais, capacitando-os a se tornarem eles próprios agentes participantes e comprometidos com o processo de mudança de seus filhos.”. Isto é, a ABA não deve e nem pode ser aplicada apenas por analistas do comportamento super qualificados, estes analistas do comportamento devem treinar e orientar as pessoas que convivem com a criança em ambiente natural, para que os procedimentos de ensino de novas habilidades e de manejo comportamental sejam aplicados em todos os contextos da vida da criança. Fazer apenas sessões de terapia ABA com duração de 1h duas vezes na semana no consultório do analista do comportamento, sem treinar e capacitar as pessoas que convivem com o indivíduo nos demais contextos de sua vida, não tem como resultar em uma evolução satisfatória, afinal, sabemos que crianças com TEA apresentam dificuldades de generalizar habilidades aprendidas para outros contextos. Assim, este esquema de ABA só no consultório está fadado ao fracasso, já que esta criança poderá até adquirir novas habilidades, mas há poucas chances de ela levar tais habilidades para sua vida fora das paredes do consultório.
Segundo McEachin, Smith e Lovaas (1993), a intervenção baseada na análise do comportamento só é efetiva se for aplicada por 40 horas semanais, sem esta garantia torna-se uma metodologia tão efetiva quanto terapias convencionais. Quando falamos em 40h semanais não estamos nos referindo à terapia estruturada, em consultório, mas sim à aplicação dos procedimentos oriundos da ABA em todos os contextos da vida da criança, casa, escola, terapias, passeios, etc. Por isso, todos que lidam com a criança devem ser treinados pelo analista do comportamento responsável pela intervenção.
McEachin, Smith e Lovaas (1993), relatam que “Lovaas (1987) dedicou aproximadamente 40 horas semanais de intervenção comportamental individualizada por um período de 2 anos ou mais a um grupo experimental de 19 crianças com autismo que tinham menos de 4 anos. Tal intervenção também incluiu o treinamento dos pais (…). Quando reavaliados na idade media de 7 anos, os sujeitos do grupo experimental haviam ganho uma media de 20 pontos no QI e haviam alcançado maiores progressos no rendimento escolar.(…) O grupo controle estava formado por 19 crianças que receberam uma intervenção muito menos intensiva (10 horas semanais ou menos de intervenção comportamental individualizada, além de uma variedade de tratamentos proporcionados por agencias comunitárias, como o treinamento de pais ou as salas de educação especial).” (pgs. 360 e 361). Os autores ainda afirmam que “(…) o tratamento é complexo e, para uma replicação correta do mesmo, um investigador deve possuir: a) uma base sólida na investigação da teoria da aprendizagem; b) conhecimentos detalhados do manual de tratamento que utilizamos; c) prática supervisionada de pelo menos 6 meses em intervenção individualizada com clientes que apresentam atrasos no desenvolvimento, com ênfase na aprendizagem da discriminação e na construção de linguagem complexa; e d) o compromisso de dedicar 40 horas semanais de tratamento individualizado a cada cliente, 50 semanas ao ano, durante pelo menos 2 anos.” (pg. 370).
O estudo de Lovaas, já na década de 80, descreveu e comprovou a eficácia da intervenção ABA no tratamento do TEA. Há 3 décadas atrás, Lovaas enfatizou a importância da intervenção individualizada, baseada na avaliação de repertório inicial; intensiva (por 40h semanais); e incluindo capacitação de pais e profissionais que lidam com a criança nos diversos contextos. Infelizmente, 3 décadas mais tarde ainda nos deparamos com supostos Analistas do Comportamento fazendo algo muito diferente disso.
Referências Bibliográficas:
Baer, D. M., Wolf, M. M. &Risley, T. R. (1968). Some currentdimensionsofappliedbehavioranalysis. JournalofAppliedBehaviorAnalysis, 1, 91-97.
Baer, D. M. (1981). A FlightofBehaviorAnalysis. The BehaviorAnalyst, 4, 85-91.
Baer, D. M.,Wolf, M. M., &Risley, T. R. (1987). Some still-currentdimensionsofappliedbehavioranalysis. JournalofAppliedBehaviorAnalysis, 20, 313-327.
Bagaiolo, L. & Guilhardi, C. (2002). Autismo e preocupações educacionais: Um estudo de caso a partir de uma perspectiva comportamental compromissada com a Análise Experimental do Comportamento. In: Guilhardi, H. J., Madi, M.B. P., Queiroz, P. P., Scoz, M. C. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. 1ª Ed. Santo André: ESETEC, v. 10, p. 67-82.
Gleen, S. S. (1993). Windows onthe 21st century. The BehaviorAnalyst, 16, 133-151.
Kupfer, J. & Colorado, E. (2008). DestinationUnknown: A BehaviorAnalysisJourneyintoAutismEducationusingSulzer-Azaroffand Associates’ ApplyingBehaviorAnalysisacrosstheAutism Spectrum: A Field Guide for Practitioners. The BehaviorAnalyst, 31, 205-211.
Michael, J. (1980). FlightfromBehaviorAnalysis. The BehaviorAnalyst, 3, 1-22.
McEachin, J. J., Smith, T. &Lovaas, O. I. (1993). Long-termoutcome for childrenwithautismwhoreceivedearlyintensivebehavioraltreatment..American JournalOn Mental Retardation, 97 (4), 359-372.