Assistir documentários sobre a natureza tem o mesmo efeito que Mindfulness e Compaixão

O texto abaixo foi escrito por Steven Novella,  neurologista e professor assistente na Escola de Medicina da Universidade de Yale. Eu editei parte do texto, retirando alguns trechos, de modo que ele ficasse mais enxuto. Você pode ler na íntegra, em inglês, aqui, se preferir.

Eu sou pesquisador de mindfulness (atualmente pósdoc em Psiquiatria na UFRGS), além de professor em grupos de mindfulness que coordeno. Me reconheço, talvez, como a voz (realmente) crítica do movimento mindfulness no Brasil. Não sei se isso é uma virtude. A grande maioria dos meus colegas se contenta em divulgar resultados “positivos” sobre mindfulness. Obviamente, por ser como sou, recebo muitas pedradas de meus “colegas de profissão”, que não entendem como eu (professor de mindfulness) sigo a divulgar textos críticos sobre o assunto. Estou atrapalhando os negócios? Creio que não. Todos vão bem, de vento em popa, do norte ao sul do país.

Bem, acima de tudo sou um cientista e tenho a obrigação ética de apresentar tudo o que vem sendo pesquisado, sejam resultados positivos ou negativos, vozes favoráveis e desfavoráveis. Este é o exercício ético, não apenas do pesquisador, mas do cidadão. Assim entendo.

Certo sujeito – uma vez – me entitulou como a “polícia do mindfulness”. Deve ser porque ele “ensinava” mindfulness em seu consultório tendo feito apenas alguns workshops de final-de-semana, como vim a descobrir posteriormente. Certamente se reconheceu em meus textos. Que seu coração encontre paz.

Sobre o texto abaixo devo dizer que concordo em 80% com ele, mas tenho algumas ressalvas. Poucas, é verdade, mas existem. Acredito que mindfulness tem benefícios bem claros, demonstrado por um número muito pequeno de pesquisas excepcionalmente conduzidas. Esse é o problema. As pesquisas bem feitas que mostram os benefícios exclusivos do mindfulness não enchem uma mão.

O artigo citado no texto foi publicada por uma aluna de um bom amigo meu, também autor do artigo, prof. Miguel Farias. Recentemente, tive o privilégio de palestrar ao lado do prof. Miguel, em um grande congresso, onde falamos do “dark side” do mindfulness. A platéia, lembro bem, reagiu com estranheza: “ué, mindfulness não é a nova panacéia?”.

É importante também lembrar que para as terapias contextuais como ACT e DBT que utilizam mindfulness, a crítica deste texto não deve ser tomada de modo enfático. Nestas terapias outros elementos estão em jogo para a promoção de bem-estar, sendo o mindfulness apenas um dos elementos.

Abaixo, transcrevo o artigo do prof. Novella para que você possa apreciar criticamente. Boa leitura. Seguirei firme e forte meu trabalho crítico, aguardando sempre más-línguas e generosas pedradas. Abraços e cumprimentos amáveis são igualmente bem-vindos!

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Praticar Meditação Mindfulness e de Compaixão não é melhor do que assistir documentários sobre a natureza.

Uma recente revisão sistemática e meta-análise publicada na NATURE acerca dos efeitos de práticas de mindfulness e de compaixão sobre o comportamento prosocial encontrou, essencialmente, resultados nulos. A revisão demonstrou que não há evidência robusta de seus benefícios supostamente exclusivos. Eu, particularmente, não achei os resultados surpreendentes, e eles destacam – mais uma vez – a necessidade de pesquisas rigorosas antes de concluirmos sobre a realidade e os efeitos de um fenômeno.

Um recente artigo que escrevi demonstrou que não há – ao menos – uma definição uniforme ou operacionalizada do conceito de mindfulness. Oras, isso é fundamental para a boa ciência – você precisa definir cuidadosamente antes de poder fazer pesquisa. É especialmente importante definir um conceito para saber se um fenômeno é ou não real. Se a sua pergunta é: “Existe X?”, é melhor ter uma definição muito específica do que é X. Caso contrário, é fácil interpretar erroneamente a evidência, ou se afastar da evidência de que X não existe.

Uma vez que você tenha uma definição específica, com variáveis ​​claramente identificadas, você pode estudar se as variáveis ​​que constituem o fenômeno em questão têm um efeito específico. Para a atenção plena (mindfulness) – por exemplo – quais são os efeitos específicos do relaxamento, da introspecção ou da percepção de sonhar acordado? Mindfulness é diferente de outros métodos de alcançar esses mesmos efeitos? A atenção plena pode não ser uma coisa real distinta, mas apenas um método para alcançar outros estados, como o relaxamento. Isso é importante? Absolutamente. É quase garantido que, ao ler um artigo como este, alguém diga: “Quem se importa, desde que funcione”. Mas essa é uma atitude não-científica. Na ciência, os detalhes importam. Precisamos saber o que é realmente real, porque isto afeta a forma como implementamos intervenções e como prosseguem as pesquisas científicas.

Vamos usar a acupuntura como exemplo. Algumas pesquisas descobriram que a aplicação das agulhas não acrescenta nenhum efeito ou valor específico, e todo o benefício deriva da interação com o médico acupunturista. Se este tipo de evidência se tornar robusta o suficiente, então podemos dispensar as agulhas. As agulhas são invasivas e apresentam risco. Além disso, não precisamos especular sobre o mecanismo de benefício de furar as pessoas com agulhas, porque não há mecanismo. Podemos mudar nosso foco para o fenômeno real – um efeito subjetivo de uma interação terapêutica positiva.

Com mindfulness a situação é a mesma, mas como não há nada invasivo, então tudo é menos óbvio. Se, como mostra essa revisão, assistir a documentários da natureza são tão eficazes quanto mindfulness, então você pode simplesmente ligar a TV, aprender algo sobre a natureza, e obter todo o benefício aparentemente exclusivo do mindfulness e da compaixão. Talvez você também não precise gastar seu precioso dinheiro com esses cursos de mindfulness. Podemos parar de perder o nosso tempo pesquisando um beco sem saída científico.

Voltemos a esta revisão da NATURE para ver alguns detalhes. O que os pesquisadores descobriram quando revisaram a literatura sobre o comportamento prosocial é que a pesquisa não estabeleceu que mindfulness tenha algum benefício específico. Primeiro, precisamos definir o comportamento prosocial mais especificamente. Os autores escrevem: “Cinco tipos de comportamentos sociais foram identificados: compaixão, empatia, agressão, conexão e preconceito. Embora encontremos um aumento moderado da prosocialidade após as práticas de mindfulness e compaixão, análises adicionais indicaram que esse efeito foi qualificado por dois fatores: tipo de prosocialidade e qualidade metodológica. As intervenções de meditação tiveram efeito na compaixão e na empatia, mas não na agressão, conexão ou preconceito“. Isso é importante para a pesquisa, mas não é realmente a descoberta mais interessante. Eles também encontraram: “Descobrimos ainda que os níveis de compaixão só aumentaram em duas condições: quando o professor de mindfulness na intervenção foi co-autor no estudo publicado; e quando o estudo empregou um grupo de controle passivo (lista de espera), mas não um ativo”.

Assim, os resultados foram apenas moderadamente positivos quando um dos autores do estudo ensinava a meditação. Isso sugere que o “viés de pesquisador/autor” está em ação. Talvez o mais importante, no entanto, é o fato de que houve apenas efeito em lista de espera. Quando o controle foi “ativo”, o que significa que o grupo de controle teve alguma intervenção, então não houve efeito. Esta intervenção poderia simplesmente ser “assistir um documentário sobre a natureza”.

A meta-lição aqui é que a análise profunda sobre uma questão científica específica é necessária antes que você possa chegar a qualquer conclusão confiável sobre eficácia. Se você quer saber se um fenômeno alegado é real, você precisa de uma pesquisa rigorosa em que as variáveis ​​estão claramente definidas e adequadamente controladas. Além disso, você precisa de resultados positivos com uma relação clinicamente e estatisticamente significativa (relação sinal/ruído adequada), além de efeitos replicados de forma independente. Até chegar a esse limite, é provável que você esteja lidando com viés de pesquisador/autor, p-hacking, viés de publicação e metodologia descomprometida, criando a ilusão de um efeito positivo.

Quando criticamos a pesquisa sobre mindfulness e algumas outras técnicas, tudo o que recebemos são desculpas mostrando hypes de pesquisas preliminares, cherry-picking de estudos positivos e ataques pessoais contra pessoas que se “atreveriam” a questionar o fenômeno alegado. Outra resposta defensiva é dizer: “Bem, essas não são as verdadeiras reivindicações feitas para X. É realmente sobre essa outra coisa aqui”. Esse tipo de resposta, no entanto, geralmente é apenas parte de uma espécie de dança de evasão. Por exemplo, astrólogos que rebatem estudos de astrologia dizem: “Eles não estudaram astrologia real”. Mas essa abordagem perde o sentido, pois a pessoa que faz a reivindicação tem o ônus da prova. Não sou eu que devo provar com pesquisas de alta qualidade que a atenção plena não funciona para todas as reivindicações possíveis. Os defensores devem demonstrar adequadamente que funciona para uma reivindicação específica, e eles não a têm. Os cientistas concluirão então: “A pesquisa não justifica a rejeição da hipótese nula”. Isso é tecnicamente verdadeiro, como é apropriado no discurso científico. Ao se comunicar com o público, no entanto, não é isso que vemos.

Há uma assimetria na mídia. Uma revisão sistemática como essa, publicada na NATURE, concluindo que a evidência é INSUFICIENTE para sustentar a conclusão de que mindfulness e compaixão são efetivos na promoção do comportamento prosocial, simplesmente não aparece. No entanto, um estudo preliminar precário, com uma metodologia pobre e repleta de viés e p-hacking, que mostra um efeito aparentemente pequeno, será promovido como prova de que a atenção plena funciona como mágica. As forças de mídia e marketing tendem a levar a uma adoção de novas idéias muito antes de serem adequadamente demonstradas. Então, uma vez que estão inseridos na cultura e na consciência popular, são difíceis de erradicar. O grande público acaba acreditando em muitas coisas que simplesmente não são verdadeiras. Então, quando os céticos ou cientistas apontam que a pesquisa nunca foi adequada para concluir que o fenômeno é real, ninguém parece dar bola. Todos já sabem que os antioxidantes são ótimos, não importa o quanto a pesquisa mostre que eles não têm nenhum benefício.
Agora, podemos agora adicionar mindfulness à lista. Nunca fui impressionado com a pesquisa, e as reivindicações sempre pareciam mal definidas. Temos várias revisões sistemáticas que mostram essencialmente isso. Podemos não estar no ponto em que o conceito e a técnica devam ser completamente abandonados, mas estamos pelo menos chegando perto. A interpretação mais parcimoniosa da ciência neste ponto é que mindfulness é apenas uma forma ritualizada de relaxamento, sem benefício específico além disso. Se você aproveitar e achar útil, bem. Se você preferir ver Blue Earth II, então estou com você. Apenas não gaste uma grana absurda em cursos, aulas pela internet ou seminários porque você comprou apenas comprou o hype do momento.

 

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Escrito por Tiago Tatton

piadista inveterado, torcedor do Flamengo e pai da Clara Luz. Nas horas vagas é psicólogo, especialista e mestre em Ciência da Religião (UFJF/MG), doutor em Psicologia (UFRGS/RS e King´s College Londres), pós-doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS/RS). Diretor Geral da Iniciativa Mindfulness. Em 2016 completou o Mindfulness Advanced Teacher Intensive pela Universidade da California em San Diego (USA).

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