FAP e os desafios da modelagem na clínica

A modelagem é um processo por meio do qual podem ser instalados novos comportamentos. Ela ocorre por meio do reforçamento de respostas que se aproximam do comportamento-alvo, ou seja, são providas consequências reforçadoras aos comportamentos que ocorrem em direção ao comportamento-alvo. Assim, durante a modelagem, temos um comportamento inicial, uma série de comportamentos intermediários e o comportamento-alvo. Esse processo é parte essencial da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), porque seu principal mecanismo de mudança consiste na modelagem dos comportamentos do cliente no aqui/agora da sessão, por meio de respostas do terapeuta contingentes aos comportamentos problema (CCR1) e de melhora (CCR2) (Callaghan, 2006).

Porém, para que a modelagem ocorra, é preciso que respostas que se aproximam do comportamento-alvo sejam emitidas e consequenciadas. Então, se essa consequência for reforçadora, aumentará a probabilidade de ocorrências futuras.
Esse é um processo bastante óbvio quando estamos na graduação com a tarefa de modelarmos o comportamento do rato de pressionar a barra na caixa de Skinner: ao pegarmos um rato em linha de base e o colocarmos na caixa, não podemos esperar que ele aprenda instantaneamente a pressionar a barra para, só então, liberarmos a água (ou alimento), caso contrário, a modelagem não aconteceria. Considerando o comportamento-alvo (pressionar a barra), devemos nos atentar e consequenciar todos os comportamentos intermediários que ocorrem durante a aproximação sucessiva: devemos prover a água, primeiro, quando o rato olha em direção à barra, depois quando ele a cheira, a toca, e assim por diante. São comportamentos facilmente observáveis e, feita a modelagem da maneira correta, em poucas sessões de treino, estará instalado o novo comportamento alvo. Mas, quando se trata de ratos e do comportamento de pressionar a barra, estamos lidando com um repertório relativamente simples de comportamentos (lamber, coçar, cheirar, andar, olhar para barra, pressionar a barra, etc) e de um comportamento muito específico, sobre o qual temos instruções nas aulas para reconhecer as aproximações sucessivas. E na nossa prática clínica? Como isso acontece?

Para refletirmos sobre isso, devemos considerar que nós, seres humanos, temos repertórios muito mais complexos que o rato, além do fato de termos também o comportamento verbal. Assim, muitas vezes, mesmo o comportamento-alvo não é tão óbvio, tanto para o cliente quanto para o terapeuta. Isso porque ele não está sendo emitido, enquanto o comportamento problema está. Isso faz com que o comportamento problema seja visto e identificado mais facilmente. Enquanto terapeutas, podemos vê-lo e podemos senti-lo. Se o comportamento problema é agressividade, por exemplo, o cliente será agressivo e nos sentiremos acuados, ofendidos, ou algo parecido. Se é esquiva experiencial, por exemplo, ele pode contar fatos difíceis rindo ou de forma curta, lacônica.

Definir e identificar um comportamento-alvo pode ser mais difícil, pois muitas vezes trata-se de imaginar o que e como seria uma melhora, sem que o cliente a tenha emitido. Sem que seja claro o comportamento-alvo, é difícil também imaginar os comportamentos intermediários que devem ser reforçados durante a aproximação sucessiva (se eu não sei onde quero chegar, como saberei o caminho?)
Vermos somente o comportamento problema pode tornar-se uma dificuldade porque, vejam, podemos puni-lo ou não consequenciá-lo, mas isso não modela um comportamento alvo. Penso que faz parte da nossa formação na graduação – e até mesmo da nossa cultura – olharmos para comportamentos problema. Um dado curioso sobre isso apareceu durante a pesquisa que fiz para o mestrado. Para essa pesquisa, duas díades terapeuta-cliente tiveram suas sessões gravadas ao longo do procedimento, que consistiu em acompanhar sessões de psicoterapia comportamental antes e depois dos terapeutas participarem de um workshop experiencial em FAP. Utilizei um instrumento chamado FAP Rating Scale (FAPRS) que define categorias para as falas dos clientes e dos terapeutas, avaliando emissões de comportamentos problema e de melhora dos clientes (entre outros) e emissão das regras por parte do terapeuta. O objetivo da pesquisa era o de avaliar se o treino experiencial instalava novos comportamentos no repertório do terapeuta, mas além desse, um outro dado foi observado e chamou a atenção. Ele mostrava que, mesmo antes do workshop, ambos terapeutas proviam consequências adequadas aos CCRs1, o que se manteve depois. Entretanto, ambos não o faziam de forma adequada quando ocorriam CCRs2, frequentemente por não reconhecer e/ou não consequenciar um CCR2, e não necessariamente por puni-los (Obs: felizmente para meus dados, essa consequenciação melhorou bastante com o procedimento!).

Em outras palavras, os terapeutas que participaram da minha pesquisa eram muito eficazes em atentarem-se aos comportamentos problema (Regra 1) e também em lidarem de forma adequada quando os CCRs1 ocorriam (Regra 3). Já para os comportamentos de melhora, ou os terapeutas não os reconheciam quando aconteciam, ou mesmo reconhecendo-os, não lidavam de maneira adequada. Como não foram observadas punições aos CCRs2, podemos supor que os terapeutas não estavam reconhecendo-os como comportamento de melhora. Possivelmente porque aquela topografia estava longe do comportamento-alvo. Creio que essa não seja uma característica exclusiva desses terapeutas, embora não possa generalizar dados de pesquisa de apenas dois terapeutas.
Um exemplo disso pode ser ilustrado por algo que ocorreu entre mim e uma cliente*, há alguns meses. É uma cliente que atendo há alguns anos, e uma de suas dificuldades é em ser assertiva, além de sentir que frequentemente atrapalha o outro e, por isso, muitas vezes se priva de situações possivelmente benéficas. Certa vez, ocorreu-lhe algo muito ruim, e ela me mandou uma mensagem, contando brevemente o ocorrido (um comportamento de melhora, recorrer à terapeuta, apesar da possibilidade de me atrapalhar). Embora eu tenha reconhecido a importância de acolhê-la, não consegui fazer isso de forma adequada. Estava em um dia longo de consultório, desses que, se eu atrasasse um atendimento, atrasaria todos, não conseguiria fazer pequenas pausas entre eles, etc. Infelizmente, nem sempre temos a disponibilidade para dar a consequência adequada a um comportamento de melhora do cliente. Tentei ligar para ela, mas ela não podia atender. Respondi dizendo que sentia muito pelo acontecido, mas que não poderia falar naquele momento. Tentei falar com ela em outro momento, mas já havia perdidoo momento ideal para acolhê-la, quando ela mais precisava. Na sessão seguinte, ela estava claramente incomodada e, sendo agressiva, expressou o quanto se sentiu sem importância e que não poderia contar comigo. Foi uma sessão muito difícil, para nós duas. De início, me ocorreu que ela estava tendo dificuldades em pensar no outro (em mim, no caso): eu estava ocupada, poderia me atrasar, poderia deixar outros clientes esperando. Mas então me dei conta de que, dado o histórico dela, que envolvia várias situações nas quais ela apenas se privou e não falou que estava incomodada, ela poderia simplesmente ter interrompido a terapia, não voltado mais e não ter falado para mim tudo aquilo. Logo, era uma melhora ali na minha frente, uma melhora que doía em mim, mas uma melhora. Claro, ainda não era aquele comportamento assertivo, colocado de maneira não agressiva. Mas mostrava o que a incomodou, dizia o que ela esperava de mim. Ela estava agindo diante do incômodo, ao invés de apenas se esquivar dele, como fez em outros momentos. Só então consegui lidar um pouco melhor com a situação, percebendo a necessidade de selecionar o que havia de melhora ali como um passo na aproximação sucessiva em direção ao comportamento-alvo.

Considerando tudo isso, como nós, enquanto terapeutas, podemos nos preparar para reconhecer essas melhoras, que podem ser óbvias, mas por vezes são sutis, ou ainda, que podem ser incômodas? Não é possível afirmar que há uma maneira de garantir que um CCR2 nunca passe despercebido (afinal, somos humanos!), mas podemos nos preparar de algumas formas para reconhecer e prover consequências a eles.

O investimento na formação é imprescindível, por meio de leituras, cursos, treinos experienciais, supervisões, etc. Outra medida essencial é sempre elaborarmos uma conceituação de caso dos clientes, conforme o modelo da FAP. Outra sugestão é escrever como seria a aproximação sucessiva, descrevendo comportamentos que podem ocorrer no caminho e que devem ser considerados como melhora, embora distantes do objetivo final. Dessa forma, é possível aumentarmos a nossa consciência sobre esses comportamentos, o que aumenta a probabilidade de os detectarmos durante as sessões para podermos consequenciá-los de maneira adequada (por exemplo, apontando para o cliente que ele emitiu uma melhora; descrevendo o efeito gerado em você aquele comportamento de melhora emitida pelo cliente, etc) e assim instalar novos comportamentos no repertório do cliente.
*A cliente autorizou que esse ocorrido fosse compartilhado aqui.

Callaghan, G. M. (2006). Functional Analytic Psychotherapy and Supervision. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 2(3), 416-431.

Fonseca, N. M. (2016). Efeitos de workshop de psicoterapia analítica funcional sobre habilidades terapêuticas. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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Escrito por Natalia Fonseca

Psicóloga (CRP 06/104811) graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em clínica analítico-comportamental pelo Centro Paradigma de ciências do comportamento e mestre pelo departamento de Psicologia clínica da Universidade de São Paulo-USP. Participou como aluna e ministrante em workshops experienciais em FAP.
Atua como supervisora clínica e psicoterapeuta, atendendo adolescentes, adultos e casais.

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