É perigoso perguntar ou conversar sobre suicídio?

Photo by Ron Pyke.
Photo by Ron Pyke.

[Texto originalmente publicado no site do Institute of Health and Wellbeing Knowledge Exchange Students – University of Glasgow]

Esta é uma preocupação compreensível. Suicídio é um tema delicado e envolve sofrimento, dor emocional, e muitas vezes estigma para aqueles que perderam seus entes queridos através de suicídio, ou para aqueles que sofrem de sentimentos e ideações suicidas [1]. Há ainda o fenômeno chamado “Efeito Werther” (ou “copycat suicide”) [2], quando uma pessoa que sofre de ideações suicidas engaja-se em tentativas de suicídio espelhando-se em métodos utilizados em outras mortes por suicídio sobre os quais tal pessoa ouviu (de alguém ou de um noticiário da mídia, por exemplo).

Quando o tópico é perguntar a alguém se possui pensamentos suicidas, as pessoas geralmente pensam que se tornarão responsáveis por aquele indivíduo se sua resposta for “sim”. Esse tipo de preocupação também pode desencorajar os outros de conversar e perguntar sobre suicídio, além de reforçar a ideia de que tais conversas podem por si mesmas aumentar o risco de induzir ideações e comportamentos suicidas, especialmente se a conversa é com alguém que já se encontra em um estado depressivo ou sob controle de situações altamente estressoras.

Não é de se surpreender que tais preocupações estejam presentes entre o senso comum, considerando as mais variáveis crenças populares sobre o suicídio, e o status de tabu que o tema ainda tem. No entanto, a ideia de que conversar ou perguntar sobre suicídio poderia desencadear comportamentos suicidas ainda persiste entre profissionais de saúde e pesquisadores. Um estudo conduzido na Alemanha [3] com 170 médicos de cuidados primários, por exemplo, mostrou que 23% deles afirmaram que não fariam uma avaliação sobre riscos de suicídio de pacientes idosos que sofrem de depressão, pois acreditavam que perguntas sobre suicídio induziriam os pacientes a pensarem em tirar suas próprias vidas. Similarmente, pesquisadores da Imperial College London desenvolveram um estudo [4] com médicos em 103 postos de saúde em diferentes cidades do Reino Unido, e encontraram dados mostrando que um terço desses profissionais responderam que perguntar a um paciente sobre comportamentos suicidas abriria portas para que ele se engajasse em comportamentos de autolesão.

Comitês de ética e financiadores de pesquisa frequentemente apresentam preocupações parecidas a essas. Quando projetos de pesquisa em comportamento suicida são submetidos para serem avaliados por comitês de ética ou instituições de financiamento, as equipes responsáveis por tal avaliação geralmente apontam a preocupação de que perguntar a participantes sobre suas experiências em pensamentos ou tentativas de suicídio irá, em certa medida, introduzir o suicídio como possibilidade. A segurança daqueles que participam em pesquisas sobre suicídio é de importância inquestionável. É obviamente crucial estar certo de que os procedimentos metodológicos do estudo garantirão a proteção dos indivíduos que participarão da pesquisa, e os comitês de ética precisam ter certeza de que isto acontece. Decisões éticas relacionadas à pesquisa sobre suicídio, no entanto, precisam ser pautadas por evidências científicas.

Quais são evidências?

Pesquisadores da King’s College London conduziram uma revisão de literatura [5] descrevendo 13 estudos publicados entre 2001 e 2013, a qual considerou se o fato de falar ou perguntar sobre suicídio poderia aumentar a probabilidade dos participantes experienciarem ideações ou comportamentos suicidas. Os estudos foram realizados com participantes da população e com pacientes de alto-risco, incluindo adolescentes e adultos. “Nenhum estudo encontrou um aumento estatisticamente significativo em ideações suicidas entre os participantes como resultado de ser perguntado sobre seus pensamentos suicidas” (p. 2). O que a maioria dos estudos de fato encontrou foi que perguntar sobre suicídio na verdade reduziu sentimentos de stress e o reportar sobre tentativas de suicídio.

Esses achados são úteis não apenas para pesquisadores e comitês de ética, mas também para clínicos, profissionais de saúde, e a população em geral. Perguntar ou conversar sobre suicídio pode trazer alívio para aqueles que sofrem em silêncio e necessitam de um ambiente não-punitivo (sem julgamentos) para poderem falar sobre seus sentimentos. Conversas sobre suicídio podem prover oportunidades para que a pessoa que sofre, considere, repense alguns problemas e os aborde de um modo diferente. Vidas podem ser salvas começando por perguntas simples: “você sente vontade de morrer?” ou “você chegou a pensar em tirar sua própria vida?”. Se a resposta é sim, o próximo passo é fornecer suporte e encorajar a pessoa a buscar ajuda profissional. A psicoterapia (psicologia clínica) é uma das principais fontes de ajuda na compreensão do que se passa quando há desesperança e o sentimento forte de que não há saída. É um espaço não só especializado, mas um ambiente de sigilo, respeito, e não-julgamento, que oportuniza o desenvolvimento de repertórios comportamentais de enfrentamento, autoconhecimento, e bem-estar. A vida é a prioridade do trabalho terapêutico. Busque e informe-se.

Se você leu este texto e sente que precisa de ajuda imediata, o Centro de Valorização da Vida (CVV) está à disposição para conversar a qualquer momento do dia e da noite. Ligue gratuitamente 141 ou acesse http://www.cvv.org.br.

Notas e Referencias:

[1] Confira os artigos [em inglês] de Olivia Kirtley no IHAWKES e GIST sobre a importância de falar sobre suicídio e as formas corretas de fazer isto: “We need to talk about *******: Public engagement for “taboo” topics”“Sensitivity and Sensationalism: Media Reporting of Suicide and the Science of why it Matters” e “The S Word: Talking About Suicide“.

[2] Confira mais sobre o Efeito Werther em: http://comportamentoesociedade.com/2014/08/27/suicidio-midia-e-epidemia/

[3] Stoppe, G., Sandholzer, H., Huppertz, C., Duwe, H., & Staedt, J. (1999). Family physicians and the risk of suicide in the depressed elderly. Journal of Affective Disorders, 54(1-2), 193–198.

[4] Bajaj, P., Borreani, E., Ghosh, P., Methuen, C., Patel, M., & Joseph, M. (2008). Screening for suicidal thoughts in primary care: the views of patients and general practitioners. Mental Health in Family Medicine, 5(4), 229–35.

[5] Dazzi, T., Gribble, R., Wessely, S., & Fear, N. T. (2014). Does asking about suicide and related behaviours induce suicidal ideation? What is the evidence? Psychological Medicine, 44(16), 3361–3.

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Escrito por Tiago Zortea

Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo, onde atuou como pesquisador-bolsista do Ministério da Educação pelo Programa de Educação Tutorial em Psicologia. Possui mestrado em Psicologia pela mesma instituição na área de Evolução e Etologia Humana (Bolsista CAPES). Possui formação em Terapia Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR) e atua em consultório particular no trabalho com crianças, adolescentes e adultos. Atualmente é pesquisador de PhD na University of Glasgow (Escócia, Reino Unido), membro do Suicidal Behaviour Research Laboratory, onde pesquisa sobre comportamento suicida e práticas parentais. É membro da British Psychological Society e revisor do periódico Archives of Suicide Research (International Academy of Suicide Research). Trabalha com os seguintes temas/áreas: Suicídio; Comportamento Suicida; Autolesão; Prevenção ao suicídio; Práticas parentais; Psicologia Clínica; Análise do Comportamento; Etologia Humana; Investimento Parental.

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