Quem é você? Algumas considerações sobre o autoconhecimento e as relações interpessoais

Quem é você? Provavelmente você já fez essa pergunta a alguém. Mas, já perguntou isso a você mesmo? Como você acha que se constrói o autoconhecimento? Com certeza são perguntas que já foram feitas por muitas pessoas, que procurando conhecer o outro, procuram também conhecer a si mesmas. Desde perguntas existenciais, cotidianas a perguntas de filósofos e não filósofos, vários teóricos abordaram questões sobre o autoconhecimento, inclusive no behaviorismo radical. Este considera que o conhecimento de si está relacionado à consciência (Skinner, 1953/1994), mas o termo consciência é abordado como “comportamento consciente”, pois esse termo se aproxima mais da abordagem comportamentalista (Matos, 1995).
 
Para Skinner (1953/1994) os comportamentos conscientes ou “consciência” são considerados comportamentos encobertos e, ainda que de difícil acesso, estes eventos que ocorrem “dentro da pele” de cada um, podem ser verbalizados tornando-se comportamentos de autodescrição (Weber, 2003). Autoconhecimento é considerado, autoconsciência e autodescrição. Assim, se alguém consegue discriminar seus comportamentos, relatá-los, identificar as variáveis que os controlam e descrevê-las, Skinner (1982) afirma que este indivíduo está mais consciente. Afirma também que, o comportamento verbal descritivo (tato) apresentado, expressa autoconhecimento (Skinner, 1953/1994).
 
Skinner (1953/1994) também afirma que quando o indivíduo consegue discriminar as variáveis controladoras de seu comportamento, possivelmente suas condições para modificá-lo aumentam. No entanto, esse processo decorre também de outras contingências de reforçamento atuais e históricas e não somente da discriminação das variáveis, ou seja, é preciso que o indivíduo se exponha às contingências de seu ambiente e crie condições para que as modificações decorrentes do autoconhecimento ocorram e se mantenham (Medeiros, 2014). 
 
É importante lembrar que “comportamentos são produtos de contingências ambientais, mas a descrição de comportamentos abertos ou encobertos é produto de contingências específicas, verbais e organizadas por uma comunidade” (Weber & Brandenburg, 2005, p. 88). Ou seja, a comunidade verbal utiliza estratégias para ensinar autotatos, para que o indivíduo se observe, pense sobre si e descreva seus comportamentos abertos ou encobertos. Skinner (1982, 1953/1994, pp.31) descreve três estratégias da comunidade para acessar indiretamente o mundo encoberto:
 

“(…) a primeira delas é observar acompanhantes abertos correlatos (é o caso de falar “dói” diante de um corte na mão); a segunda, inferir um comportamento encoberto por meio de respostas colaterais (exemplo, dizer que a criança está com fome ao vê-la comendo vorazmente); a terceira é utilizar metáforas, ou seja, por generalização passa-se a usar palavras que designam características de eventos abertos para descrever os encobertos (como quando se diz sentir uma “dor aguda” ou“estômago vazio”).”

 
Assim, Skinner (1953/1994) quebra as regras do senso comum de que o autoconhecimento é adquirido a partir do isolamento, pois o autor afirma que o autoconhecimento só pode ocorrer na interação social. “A origem da palavra consciência vem do latim com-science e significa co-conhecimento, ou seja, ‘conhecendo com outros’.” (Skinner, 1990). 
 
De maneira ilustrativa, pode-se perceber nos escritos de Paulo Leminski que a produção poética a respeito do “Eu” se desenvolve a partir da concepção que o indivíduo tem de si em relação ao outro e às relações construídas. Eis a poesia:
 
 
 
 
Contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vag
ões cheios de gente
centenas
o outro
que h
á em mim
é 
você você e você
assim como
eu estou em voc
ê eu estou nele
em n
ós
e s
ó quando
estamos em n
ós
estamos em paz
mesmo que estejamos a s
ós
 
É possível interpretar dos versos que, por meio das relações interpessoais, existem trocas de experiências, de vivências e de aprendizados. O indivíduo vê vários “outros” devido ao que aprendeu com inúmeras pessoas de sua comunidade verbal – “em mim eu vejo o outro e outro e outro” “o outro que há em mim é você você e você”- o que assemelha-se ao conceito de autoconhecimento proposto por Skinner, que por essa definição permite compreender que as relações interpessoais e a interação social que é construída com a comunidade verbal faz com que uns aprendam com os outros e se identifiquem. “Diferentes comunidades geram tipos e quantidades diferentes de autoconhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma e aos outros” (Skinner, 1974/2006, p. 146). São essas relações estabelecidas e um conjunto de circunstâncias que permitem que o indivíduo seja questionado sobre seus comportamentos por sua comunidade verbal e em seguida reforçado por se auto-observar e descrever tais comportamentos. Ou seja, é o “outro” que possibilita a discriminação e descrição dos estados privados/encobertos ou públicos/abertos que dão início ao autoconhecimento e a respostas conscientes desse “Eu”. 
 
 
“Não nos devemos surpreender com o fato de que quanto mais soubermos sobre o comportamento alheio, melhor nos compreendemos a nós mesmos.”(Skinner,1974/2006, p.148)
 
 
Referências
 
Brandenburg, O. J., & Weber, L. N. D. (2005). Auto conhecimento e liberdade no behaviorismo radical. Psico – USF, v. 10, n.1, p. 87-92.
 
Matos, M. A. (1995). Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. Em B. Range (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas (pp. 27-34). Campinas: Psy.
 
Medeiros, C. A. (2014). Sei por que ajo assim, sei que me faz mal, mas não consigo mudar: Do autoconhecimento à mudança no comportamento.
 
Skinner,B.F.(2006). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix.(Trabalho original publicado em: 1974).
 
Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind? American Psychologist, 45(11), 1206-1210.
 
Skinner, B.F. (1994). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J. C. Todorov & R. Azzi. São Paulo: Martins Fontes. 9ª ed. (Trabalho original publicado em 1953).
 
Weber, L. N. D (2003). Skinner: um homem além de seu tempo. Em P. I. C. Gomide & L. N. D. Weber. Análise experimental do comportamento: manual de laboratório. 6ª ed. (pp 129-149) Curitiba: Ed. Da UFPR.
 
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Escrito por Débora Dias

Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Recursos Humanos pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina. Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Experiência profissional na área Clínica (atendimento psicoterapêutico de crianças e adultos), Acadêmica e Recursos Humanos. Atua no momento no IPAC - Instituto de Psicologia e Análise do Comportamento (Londrina) e na UNOPAR - Universidade Norte do Paraná (Londrina).

Terapia de casal e as implicações do uso da ACT nessa modalidade de atendimento.

V Encontro de Análise do Comportamento do Vale do São Francisco – Petrolina/PE