Práticas Baseadas em Evidências para pessoas com Autismo – educação ou saúde

O movimento de Práticas Baseadas em evidências

Quando falamos em “Práticas Baseadas em Evidências”, é natural que pensemos primeiramente em um conceito que lhe é fundamental, que é o de “Medicina Baseada em Evidências”, que foi o primeiro campo de hegemonia da utilização de estudos científicos bem estabelecidos para a orientação da prática aplicada do conhecimento científico. Mas muito se passou desde a década de 1970 e o movimento que defende a utilização da ciência mais rigorosa se espalhou por todos os campos do conhecimento aplicado em todas as esferas da sociedade, atingindo campos como os da psicologia e educação, de especial interesse para essa discussão [1].

No conhecimento aplicado da maior parte dos campos de intervenção em doenças e transtornos, uma avaliação das práticas com melhor evidência científica é uma tarefa profundamente difícil e custosa, pois se trata de um conhecimento pulverizado em centenas (milhares?) de Revisões Sistemáticas, intervenção por intervenção. No caso do Transtorno do Espectro do Autismo a questão é bastante distinta porque a área conta com algumas iniciativas gigantescas de realização de Revisões Sistemáticas com grandes times com o objetivo de compilar as múltiplas intervenções pertinentes à condição do Autismo e apresentar o escopo de sua utilização.

A partir de uma lei estadunidense promulgada em 2001, chamada de No Child Left Behind (https://www2.ed.gov/nclb/landing.jhtml) [Nenhuma Criança Deixada para Trás], passou a ser obrigatória a utilização de práticas baseadas em evidências da educação especial no sistema público de educação daquele país, o que obrigou os departamentos de educação a financiar iniciativas de pesquisa que pudessem apresentar e descrever as práticas permitidas e olhar para estas pesquisas, onde e como são feitas, pode nos ajudar a responder em que contextos, de atendimento educacional ou terapêutico, são os mais adequados para se endereçar os apoios a pessoas com autismo [2].

As iniciativas PBE no Autismo

Existem duas grandes instituições realizando as maiores iniciativas de pesquisa neste campo, o National Autism Center (https://nationalautismcenter.org/), que publicou a segunda fase de sua Revisão, o National Standard Project [3] com um caderno especial para as práticas escolares e a The National Clearinghouse on Autism Evidence and Practice – NCAEP (https://ncaep.fpg.unc.edu/), cuja Revisão foi apresentada em 2020 em seu relatório [4], apresentando 28 práticas com evidência para o apoio a pessoas com autismo, publicado posteriormente em uma revista com revisão cega dupla por pares [5]. Este trabalho pode ser lido em uma versão em língua portuguesa oficial (https://ncaep.fpg.unc.edu/sites/ncaep.fpg.unc.edu/files/imce/documents/Pr%C3%A1tica%20Baseada%20em%20Evid%C3%AAncias%20para%20Crian%C3%A7as%2C%20Adolescentes%20e%20Jovens%20Adultos%20com%20Autismo.pdf), com tradução das analistas do comportamento Luiza Guimarães e Roberta Dias e também na versão em inglês com todos os apêndices, incluindo quais os domínios de eficácia de cada prática, assim como a idade em que é demonstradamente efetiva, entre 0 e 22 anos [4].

Quando olhamos para a estratificação dos dados da última grande pesquisa de práticas baseadas em evidências, a revisão sistemática NCAEP dois números são relevantes para esta nossa discussão, que se referem ao contexto de ocorrência e quem foram os aplicadores das intervenções nas pesquisas científicas que atenderam aos critérios de inclusão da revisão, eles nos dão a base para entender onde e como foram mensurados os efeitos positivos nos diversos campos do desenvolvimento de indivíduos diagnosticados com o Transtorno do Espectro Autista.

Educação ou terapia?

A pesquisa revela que, apesar de escolas serem um ambiente conturbado, com uma enormidade de variáveis sobre as quais os pesquisadores podem não ter controle, como o comportamento dos inúmeros outros estudantes que não os de interesse da pesquisa, ainda assim esse foi o contexto com a maior quantidade de ocorrência dessas pesquisas, com 48,1%, enquanto em clínicas universitárias (20,4%) e comunitárias (13,2%) não somam o mesmo número [4].

No que diz respeito aos profissionais responsáveis pela implementação das intervenções, também são os educadores os principais agentes de aplicação (20%), acima de uma categoria genérica de “terapeutas” (12,7%) e cerca de seis vezes a quantidade de implementação por parte de profissionais da psicologia (3,7%). A categoria de analistas do comportamento certificados pelo BACB, os BCBAs, eles somam 2,8%, mas não é possível dizer se são originalmente educadores ou terapeutas, por falta desta informação na pesquisa [4].

Conclusões

Obviamente esta informação não diz respeito a qualquer afirmação hierárquica entre os profissionais que apoiam pessoas com autismo em suas jornadas, mas tem três sentidos distintos que são importantes de serem afirmados de modo contundente:

  1. As intervenções com melhor evidência são, em sua maioria, baseados em Análise do Comportamento Aplicada e é de responsabilidade e escopo compartilhado sua implementação por profissionais que são usualmente vinculados a áreas de saúde, como profissionais da psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional e também profissionais do campo da educação, como professores e mediadores escolares;
  2. O alheamento usual das escolas das práticas baseadas em evidências no processo de escolarização de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista não é justificável sob o ponto de vista das pesquisas contemporaneamente disponíveis, uma vez que os diversos domínios comportamentais das habilidades de aprendiz, habilidades desenvolvimentais e habilidades acadêmicas foram e continuam a ser largamente estudados, fornecendo uma sólida base para o trabalho educacional;
  3. A congruência da maioria das pesquisas nos campos terapeutico e educacional sob o arcabouço conceitual da Análise do Comportamento permite uma integração orgânica entre profissionais desses campos com o foco na busca dos objetivos individuais de indivíduos com autismo em seus processos de escolarização.

E que venham mais pesquisas e novas possibilidades de trabalho para o máximo desenvolvimento de pessoas com autismo e apoio a suas famílias!

Referências:

[1] Melnik, T., de Souza, W. F., & de Carvalho, M. R. (2014). A importância da prática da psicologia baseada em evidências: aspectos conceituais, níveis de evidência, mitos e resistências. Revista Costarricense de Psicología33(2), 79-92.

[2] Liberalesso, P., & Lacerda, L. (2020). Autismo: compreensão e práticas baseadas em evidências. Capricha na Inclusão: Curitiba: Brasil. Disponível em: https://mid.curitiba.pr.gov.br/2021/00312283.pdf

[3] National Autism Center (2015). National Standards Project: Addressing the need for evidencebased practice guidelines for Autism Spectrum Disorders. Retrieved from https://mn.gov/mnddc/asd-employment/pdf/09-NSR-NAC.pdf

[4] Steinbrenner, J. R., Hume, K., Odom, S. L., Morin, K. L., Nowell, S. W., Tomaszewski, B., … & Savage, M. N. (2020). Evidence-Based Practices for Children, Youth, and Young Adults with Autism. FPG Child Development Institute. Disponível em: https://ncaep.fpg.unc.edu/sites/ncaep.fpg.unc.edu/files/imce/documents/EBP%20Report%202020.pdf

[5] Hume, K., Steinbrenner, J. R., Odom, S. L., et al. (2021). Evidence-based practices for children, youth, and young adults with autism: Third generation review. Journal of Autism and Developmental Disorders. Early Online. https://doi.org/10.1007/s10803-020-04844-2.

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Classificação do artigo

Escrito por Lucelmo Lacerda

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