O conceito de resiliência tem sido cada vez mais adotado por empresas e corporações interessadas nos diferentes processos de motivação e produtividade dos indivíduos. Porém, esse conceito na Psicologia apresenta definições e características específicas de acordo com o modelo estudado. Quando olhamos para a construção da resiliência ao longo do tempo na psicologia encontramos diferentes formas de defini-la e aplicá-la.
O conceito de resiliência durante muito tempo foi visto como uma capacidade de superar adversidades ou uma capacidade de não apresentar consequências negativas de eventos aversivos, o que descaracteriza a própria definição de evento aversivo que deveria apresentar consequências. Porém, nos últimos 20 anos mudanças na literatura científica tem apontado para um caráter mais dinâmico da resiliência em especial para as capacidades de adaptação das pessoas e para a variabilidade comportamental (para uma revisão dessas discussões ver Priolo Filho & Rodrigues, 2020 e Hoinski et al., 2022).
Modelos com essa característica têm sido aplicados em diferentes contextos. O modelo multissistêmico de Liu et al. (2017) tem obtido destaque pela sua capacidade de compreensão das diferentes formas de apresentação da resiliência. Para essa autora, a resiliência seria uma capacidade de adaptação que pode ser aprendida, ensinada e é dependente de variáveis contextuais para sua expressão. O modelo de Liu apresenta três níveis: nuclear, interna e externa. A resiliência nuclear são as características fisiológicas de reatividade ao estresse e adversidade que os indivíduos apresentam e para uma melhor capacidade de enfrentamento das adversidades neste contexto, ou seja, hábitos de saúde como dieta balanceada, exercícios físicos e hábitos de sono podem impactar de forma positiva as respostas fisiológicas e promover a resiliência. O fator interno de resiliência envolve os fatores de interação social e comunicação de necessidades, aspectos cruciais para o apoio social durante o enfrentamento de situações aversivas. Promover condições para um desenvolvimento de habilidades de comunicação e interpessoais são aspectos cruciais para melhor prognóstico em situações aversivas e, em caso de aprendizagens duradouras, há maior chance de adaptação positiva frente às situações aversivas na vida da pessoa.
Por fim, os aspectos de resiliência externa envolvem o acesso aos serviços de saúde e educação, identidades política, religiosa, sexual, status social e capacidade da comunidade em fornecer apoio a seus membros. Instabilidade política e social também afetam a capacidade de resiliência dos indivíduos, sendo que as indicações da literatura apontam para a capacidade de obter apoio de grupos e fortalecimento das suas necessidades frente aos serviços e instituições como uma das formas de resiliência que devem ser estimuladas (Liu e colaboradores, 2020). Em todos os níveis, diferentes aspectos comportamentais, cognitivos e sociais tem um papel para a adaptação, o que impacta em como as avaliações de resiliência têm sido realizadas em diferentes contextos da Psicologia.
Promover a resiliência pode envolver diferentes níveis e estratégias. Podemos investir nossos esforços na garantia de que as pessoas tenham segurança alimentar e condições dignas de vida para fortalecer sua resiliência nuclear; em intervenções psicológicas que consigam fortalecer e ensinar habilidades de comunicação e habilidades de interação social que aumentam a variabilidade de comportamentos de resiliência interna; e lutar por uma sociedade que atenda as necessidades de saúde, educação, alimentares e com instituições estáveis que atuem na proteção das pessoas para estimular a resiliência externa. Isto é, fortalecer a resiliência não envolve somente um aspecto motivacional, como tem sido fortemente divulgado em redes sociais e em estratégias motivacionais corporativas. Como indicado por uma pesquisa com amostra brasileira (Priolo-Filho et al., 2020), comportamentos resilientes tem maiores chances de ocorrer quando o ambiente aumenta as possibilidades de emissão desses comportamentos. A visão de que para ser resiliente “basta querer” ou ter “pensamento positivo” é uma falácia que ao responsabilizar o indivíduo, ignora contextos de desenvolvimento e possibilidades de engajamento em comportamentos concorrentes. Com isso, antes de pensarmos em aspectos individuais e culpabilizantes da resiliência, a questão para psicólogos deve ser como podemos modificar os ambientes para que diferentes níveis de resiliência possam ser emitidos pelas pessoas em situações de adversidade e risco.
Para saber mais:
Hoinski, R. B., Carrascoso, M. B., Bordin, E. F., Aznar-Blefari, C., Zibetti, M. R., & Priolo Filho, S. R. (2022). Revisão integrativa sobre Resiliência Psicológica em publicações Brasileiras. Psicologia Argumento, 40(109), 1873-1892. https://www.researchgate.net/publication/360788484_Revisao_integrativa_sobre_Resiliencia_Psicologica_em_publicacoes_Brasileiras
Liu, J. J., Reed, M., & Girard, T. A. (2017). Advancing resilience: An integrative, multi-system model of resilience. Personality and Individual Differences, 111, 111-118.
Liu, J. J., Ein, N., Gervasio, J., Battaion, M., Reed, M., & Vickers, K. (2020). Comprehensive meta-analysis of resilience interventions. Clinical Psychology Review, 101919.
Priolo Filho, S. R., & de Barros Rodrigues, M. (2019). Resiliência e a promoção do desenvolvimento saudável na infância, adolescência e adultez: novas discussões dos conceitos psicológicos. Psicologia Argumento, 36(92), 163-174. https://www.researchgate.net/publication/340294157_Resiliencia_e_a_promocao_do_desenvolvimento_saudavel_na_infancia_adolescencia_e_adultez_novas_discussoes_dos_conceitos_psicologicos