Tornar-se supervisor(a): como a FAP pode nos ajudar?

Texto de Gabriela Martim e Priscila Rolim

Você já notou como seu(sua) supervisor(a) se tornaram supervisores(as)?

Você, que já é supervisor(a), sabe como essa atividade se tornou uma atribuição sua?

E você, que deseja ser supervisor(a), entende quais aspectos podem indicar que você se encontra em condições para essa tarefa?

Se você notou dificuldades ao responder a algumas dessas perguntas (ou percebe que as respostas não são tão evidentes) isso não é à toa. A supervisão clínica, principalmente no Brasil, apresenta escassez de dados que normatizam o que é necessário fazer para se aprimorar e se tornar supervisor clínico. Em função dessa problemática, bebemos de fontes internacionais que podem nos dar uma visão geral sobre competências clínicas consideradas essenciais quando o assunto é ser supervisor(a). Além disso, traremos, nesse artigo, como a Psicoterapia Analítica Funcional pode contribuir para o desenvolvimento de tais competências. Então, vamos lá!

Entendemos a supervisão como uma forma de aprendizado que é individualizado e responsivo ao que o supervisionando traz para as sessões com o supervisor. A supervisão sempre foi fundamental para a preparação dos profissionais, inclusive na Psicologia, e é fundamental para o aluno que está aprendendo a ter mais domínio das competências na abordagem de atuação.

A supervisão é um processo colaborativo e a criação de um relacionamento recíproco é importante para promover um crescimento sustentado. Ela tem a função de fortalecer o embasamento teórico, a conduta ética e busca refinar o desenvolvimento de habilidades terapêuticas (Watkins, 2012). Desenvolver um conjunto de habilidades específicas para supervisionar é fundamental para o funcionamento da psicologia clínica, pois a relação tríade que se estabelece (cliente – supervisionando – supervisor) favorecerá, com maior probabilidade, a melhora clínica do cliente. 

Consultamos a American Psychological Association, que apresenta sete domínios a serem desenvolvidos por um supervisor(a) clínico(a) nos serviços de saúde mental (APA, 2014). São eles:

Domínio A: Competência do Supervisor: a competência do supervisor evidenciada por comportamentos que refletem os valores e atitudes frente à psicologia.

Domínio B: Diversidade: consciência, sensibilidade e habilidades para trabalhar profissionalmente com diferenças culturais, por meio de diversos indivíduos, grupos e comunidades que representam origens, características culturais e pessoais variadas.

Domínio C: Relação de Supervisão – Relacionamentos: relacionar-se de forma eficaz e significativa com indivíduos, grupos e/ou comunidades. Habilidade de criar e manter relacionamentos produtivos e respeitosos com clientes, colegas de profissão, supervisores e profissionais de outras disciplinas.

Domínio D: Profissionalismo: desenvolvimento ativo e contínuo de caráter, para além do campo profissional. Como o comportamento profissional pode depender do contexto clínico (por exemplo, Fouad et al., 2009; Johnson, Barnett, Elman, Forrest, & Kaslow, 2012), é incentivado que os supervisionandos perguntem sobre o que significa profissionalismo em cada local e como as características do cliente podem afetar seu comportamento profissional.

Domínio E: Conceituação/Avaliação/Feedback – Avaliação: habilidade de avaliar e diagnosticar problemas, capacidades, pontos fortes e a melhorar em indivíduos, grupos e/ou organizações.

Domínio F: Problemas de competência profissional: estar preparado para proteger o bem-estar dos clientes/pacientes e do público em geral, ao mesmo tempo que apoia o desenvolvimento profissional do supervisionando.

Domínio G: Considerações Éticas, Legais e Regulatórias – Normas e Políticas Jurídicas Éticas: habilidade de aplicar conceitos éticos e de conscientizar questões legais relacionadas às atividades profissionais com indivíduos, grupos e organizações.

Considerando tais competências, como a proposta da FAP pode nos ajudar? Aqui vamos.

A relação de supervisão é complexa, em parte porque “a supervisão é, por definição, uma relação que inclui componentes avaliativos e terapêuticos” (Nelson et al., 2008, p. 172). Embora a supervisão não seja psicoterapia pessoal (APA, 2002), espera-se que os supervisores não apenas promovam o crescimento profissional dos supervisionandos, mas também defendam a integridade da profissão, modelem a conduta profissional e protejam as informações dos clientes. Partindo dos domínios descritos pela APA (APA, 2014), consideramos que algumas habilidades e atitudes interpessoais são fundamentais para que o relacionamento de supervisão floresça e contemple a complexidade avaliativa e terapêutica.

Ao descrever como treinar e supervisionar os terapeutas comportamentais, Strosahl e Jacobson (1986) apontaram a importância de ter a teoria para orientar o processo de tratamento. Técnicas específicas foram discutidas a partir de um sistema analítico coerente que o supervisor ensina ao terapeuta, frequentemente didaticamente. Porém, somente dar instruções diretas ao terapeuta pode produzir um comportamento rígido e governado por regras, em que o terapeuta segue assiduamente a agenda do supervisor, independentemente de quais novos problemas possam surgir na próxima sessão.            

A Psicoterapia Analítica Funcional – FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991) é uma estratégia terapêutica com um modelo de supervisão que busca atender a dois principais objetivos: desenvolver comportamentos de “saber que” e de “saber como”. O primeiro deles consiste em aumentar o conhecimento intelectual do supervisionando – o que é semelhante aos demais modelos de supervisão nos quais se busca desenvolver a aprendizagem dos conceitos da terapia utilizada. No caso da FAP, o supervisionando aprende a “saber que” é importante: desenvolver uma apropriada formulação de caso do cliente na qual seja possível identificar comportamentos clinicamente relevantes; evocar e responder a esses comportamentos; e analisar funcionalmente os comportamentos-problema e comportamentos-alvo do terapeuta (chamados de T1s – e T2s, respectivamente) na interação com o supervisor e com o cliente. Trata-se, portanto, de estabelecer a aprendizagem por meio de comportamentos governados por regras condizentes com o modelo de terapia proposto pela FAP (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follette, & Callaghan, 2009).

O segundo objetivo da supervisão em FAP é desenvolver o repertório de conhecimento emocional, ligado ao que o terapeuta faz em sessão e supervisão, isto é, aos comportamentos modelados pelas contingências presentes nesses dois ambientes. O “saber como” pode ser atendido por meio da “exposição direta a uma relação interpessoal intensa com o supervisor, na qual ocorrem a emissão e a observação de respostas emocionais importantes” (Tsai e cols., 2011, p. 213). Com esse segundo objetivo, busca-se atender ao componente experiencial do modelo de supervisão em FAP. A FAP objetiva aprimorar o desenvolvimento de comportamentos do terapeuta governados por regras (“saber que”) e modelado pelas contingências (“saber como”), com a defesa de que o enfoque estrito em estratégias de supervisão focadas em regras poderia limitar a observação de características importantes do processo terapêutico que ocorrem durante uma sessão de terapia (Tsai e cols., 2009; Aguayo & García, 2015).

A supervisão em FAP é composta por um conjunto de orientações voltadas à criação de um espaço que favoreça a aprendizagem do conhecimento emocional (“saber como”) do supervisionando. Primeiramente, é necessário garantir um ambiente no qual o supervisionando se sinta acolhido e seguro para a aprendizagem da FAP. Nesse ambiente, é importante que o supervisor consiga evocar T1s e T2s, bem como reforçar naturalmente T2s do supervisionando. Em segundo lugar, é importante promover (juntamente com o conhecimento intelectual necessário para aquisição dos conteúdos da FAP) a aprendizagem dos conceitos aplicados “ao vivo”, utilizando a relação supervisor-supervisionando. Para desempenhar as funções de evocar os T1s e T2s e reforçar os T2s, torna-se necessário que o supervisor (assim como o terapeuta) também reconheça seus próprios “1s” (limitações) e “2s” (comportamentos-alvo) (Tsai e cols., 2011).

Imagine, por exemplo, um terapeuta frio, que tem dificuldade de expressar seus sentimentos frente ao cliente, e assim acaba enfrentando impasses nos tratamentos que conduz. Partindo de um ponto de vista FAP, é provável que esse terapeuta apresente as mesmas dificuldades na relação com seu supervisor. Ao invés de discutir o problema com o supervisor de uma forma intelectual e fria – o que acarretaria numa compreensão intelectual pelo terapeuta do seu problema e, ao mesmo tempo, reforça exatamente o comportamento problemático do mesmo – torna-se possível trabalhar a dificuldade em tempo real quando ocorre no seio da relação terapeuta-supervisor. Repensar a supervisão com a perspectiva da FAP proporciona oportunidades de transformação profunda que vão além de discutir e ensinar sobre como agir na sessão terapêutica.

A FAP defende que a supervisão seja desenvolvida em uma atmosfera sagrada e segura onde o aprendizado possa ocorrer. E é responsabilidade do supervisor perceber como sua comunicação está ocorrendo e, sempre que necessário, fazer os ajustes para atender às necessidades de seu supervisionando. Ser vulnerável e humilde na supervisão, assumir os próprios erros e discutir abertamente os problemas são fundamentais para promover o aprendizado clínico e o crescimento profissional.

Se você, supervisor clínico (ou profissional que deseja se tornar supervisor) quiser intensificar a sua prática dos princípios da FAP, se achar que partes da FAP permanecem difíceis de colocar em prática ou se simplesmente deseja ter uma experiência poderosa da FAP em ação, considere a possibilidade de ingressar em treinamentos on-line ou iniciar supervisão com treinadores da FAP. Nós, Gabriela Martim e Priscila Rolim, temos nos dedicado profundamente ao estudo da supervisão em FAP e preparamos um Aprimoramento on-line, de 10 semanas, no qual os participantes irão desenvolver as competências consideradas internacionalmente fundamentais para se tornar um supervisor clínico eficaz. Para saber mais, acesse as contas de Instagram @imindpsi, @psicologapriscilarolim e @gabimartimpsi e tire suas dúvidas conosco!

Referências:

Aguayo, L. V. & García, R. F. (2015). Psicoterapia Analítica Funcinoal: el análisis funcional em la sesión clínica. Editorial Síntesis, S.A.

American Psychological Association (APA). (2002). Ethical principles of psychologists and code of conduct. American Psychologist, 57, 1060-1073.

American Psychological Association (2014). APA Guidelines for clinical supervision in health service psychology.

Kohlenberg, R. J., Tsai, M. (1987). Functional analytic psychotherapy. In N. S. Jacobson (Org.), Psychotherapists in clinical practice: cognitive and behavioral perspectives (pp.388-443). New York: Guilford Press.

Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. Santo André, SP: ESETEc.

Nelson, M.L., Barnes, K.L., Evans, A.L., & Triggiano, P.J. (2008). Working with conflict in clinical supervision: Wise supervisors’perspectives. Journal of Counseling Psychology, 55, 172-184.

Strosahl, K., & Jacobson, N. S. (1986). Training and supervision of behavior therapists. The Clinical Supervisor, 4(1-2), 183–206. https://doi.org/10.1300/J001v04n01_12

Tsai, M., Callaghan, G. M., Kohlenberg, R. J., Follette, W.C., & Darrow, S. M. (2011). Supervisão e desenvolvimento pessoal do terapeuta. In M. Tsai, R. J. Kohlenberg, J. W. Kanter, B. Kohlenberg, W. C. Follette, & G. M. Callaghan (Orgs). Um guia para a Psicoterapia Analítica Funcionalconsciência, coragem, amor e behaviorismo. (pp. 211-247). Santo André: ESETEC Editores Associados.

Watkins Jr., C. E. (2012). Contemporary Visions of Psychotherapy Supervision: Sharing perspectives, identifying needs, and charting possibilities. Journal of Contemporary Psychotherapy, 42, 125-127. doi: 10.1007/s10879-011-9203-3

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Escrito por Priscila Rolim de Moura

Psicóloga (CRP 06/85737), mestre em Psicologia Clínica pela Leiden University (Holanda), especializada em Terapia Cognitivo Comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas (FMUSP). Atua como psicoterapeuta clínica, supervisora e possui Certificação de Treinadora em Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), concedida pela University of Washington - EUA, em 2017. Ela participa continuamente nos treinamentos FAP diretamente com os precursores da técnica, bem como outros nomes importantes nas terapias comportamentais contextuais. Priscila também adquiriu experiência trabalhando como psicoterapeuta em uma Clínica Especializada em Psiquiatria Intercultural (iPsy - Holanda), ajudando imigrantes e pessoas que sofreram traumas em países que estão em conflitos armados, como o Afeganistão, Angola, Iraque e Paquistão. Membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) e da Associação de Ciências Comportamentais Contextuais (ACBS). E-mail para contato: pri_rolim@me.com - http://www.priscilarolim.com

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