A ação da relação terapêutica… uma oportunidade de crescimento

Ao longo da história da Psicologia o foco comum de debate, questionamento e estudo se referiu a pessoa do paciente, a pessoa que apresentava a queixa e a busca profissional. Com o passar dos anos e de estudos sobre a clínica psicológica, a relação terapêutica – que envolve dois indivíduos, com histórias, gatilhos e sensibilidades emocionais singulares, e, portanto, inviabilizando a ideia de um terapeuta absolutamente neutro – passou a ganhar ênfase na prática profissional. Nesse sentido, a relação que emergir com cada paciente terá uma exclusividade, inerente a toda relação humana.

Partindo do pressuposto que a relação terapêutica obedece às mesmas leis do comportamento, ou seja, está sujeita a reforçamento e punição, o ato de interagir intimamente é uma habilidade e como tal deve ser refinada. Estudos mostram inclusive correlações entre dificuldade para intimidade e o grau de severidade de transtornos psicológicos (de Almeida, Runnacles & da Silveira, 2016). Podemos entender intimidade como “um processo que se desenvolve a partir de uma sequência de eventos observáveis nos quais comportamentos vulneráveis à punição não são punidos, mas, ao invés, são positivamente reforçados por outras pessoas” (da Silveira & Guenzen, 2013, pág 548). Ou seja, para que uma relação de intimidade se estabeleça será necessário que alguém dê o primeiro passo, se arrisque a ser punido e encontre acolhimento e validação. Cabe aqui ao terapeuta o primeiro passo nessa construção de um ambiente acolhedor e não punitivo as falas e relatos do paciente. Se colocar e expor efetivamente seus medos, anseios e desconfortos não é uma atitude tão simples e passiva quanto possa parecer. Existe uma grande abertura a se mostrar vulnerável e se deparar com certos “fantasmas” que se encontravam muito bem escondidos. Acolher do ponto de vista terapêutico não é sinônimo de concordar ou incentivar pensamentos, emoções ou comportamentos do paciente, afinal “nosso papel é entender a sua perspectiva, mas não necessariamente endossá-la” (Gottieb, 2020, p. 140). Trata-se de um limiar tênue entre acolher e validar e ao mesmo tempo abrir espaço para a mudança.

Neste processo, as emoções que aparecem em sessão (na interação com o terapeuta) podem e devem ser também produto de intervenção. Nesse sentido, não trabalhamos somente com o relato do que acontece, mas também com o que de fato acontece, aqui e agora. Esse, certamente, não é um trabalho fácil, pois estamos lidando com as emoções, pensamentos e comportamentos dos nossos pacientes da maneira mais crua e concreta possível, não haverá máscaras ou omissões de trechos (algo bastante comum quando relatamos algo).

O terapeuta buscará construir com seu paciente uma vida que lhe seja significativa, de acordo com os valores descritos pelo próprio paciente, e um dos pilares para se seguir nesta direção será o enfraquecimento da esquiva experiencial, o que em primeiro momento tende a trazer desconforto ao paciente, pois o traz para o contato com aquilo que até então estava sendo evitado ou mascarado. Diante de uma relação terapêutica de intimidade, ela em si pode ser um contexto favorecedor para esse contato pois “viabiliza uma crescente vivência de reações emocionais fortes entre cliente e terapeuta” (Braga& Vandenbergue, 2006, pág. 311). Vale salientar que “para que o processo funcione, é inevitável que haja algum desconforto” (Gottieb, 2020, p. 140). Afinal, como seria possível efetivar mudanças sem dar passos contrários ao statuo quo utilizado até então?

Por fim, cabe ressaltar que todo esse processo por mais que, aparentemente, enfoque o paciente e suas demandas, traz em si uma vasta possibilidade de crescimento também para o terapeuta. É no atendimento de cada novo paciente que se descortina uma nova possibilidade de conhecer mais sobre seu próprio mundo e revisitar as suas próprias limitações. Afinal, “nossa formação nos ensinou teorias, ferramentas e técnicas, mas pulsando sob nossa competência adquirida a duras penas está o fato de sabermos o quanto é difícil ser um indivíduo” (Gottlieb, 2020, pág. 18).

Referências Bibliográficas

·         BragaG. L. B., Vandenbergue, L. (2006). Abrangência e função da relação terapêutica na terapia comportamental. Estud. psicol. (Campinas), v. 23 (3). Campinas.

·         Da Silveira, J. M., Guenzen, L. C. (2013). Intimidade na relação terapêutica: Uma caracterização da palavra por terapeutas analítico-comportamentais. Psicol. Argum., Curitiba, v. 31 (74), p. 547-559.

·         De Almeida, M. S., Runnacles, A. L. S., da Silveira, J. M.(2016). Treino de comportamentos de intimidade para terapeutas em processo de formação em Psicoterapia Analítica Funcional. Perspectivas, v. 7 (2). São Paulo.

·         Gottlieb, L. (2020). Talvez você deva conversar com alguém. São Paulo: Vestigio.

·         Vandenberghe, L., Pereira, M. B. (2005). O papel da intimidade na relação terapêutica: uma revisão teórica à luz da análise clínica do comportamento. Psicol. teor. prat., v.7 (1). São Paulo.

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

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