Autismo: o papel dos reforçadores condicionados no ensino de novas habilidades – Parte II

No primeiro artigo dessa série (Autismo: o papel dos reforçadores condicionados no ensino de novas habilidades – Parte I), expliquei sobre os reforçadores condicionados e a função dele nas nossas vidas. E uma dessas funções é no ensino de habilidades novas em crianças com autismo. Mas, sabe-se que pessoas com autismo tem um interesse restrito e isso é uma dificuldade no ensino de habilidades. Então, pensa-se em criar estratégias para aumentar a quantidade de reforçadores dessas pessoas.

          Neste texto, abordarei sobre as estratégias mais discutidas na literatura para criação de reforçadores condicionados. Atualmente, não existe uma tecnologia bem desenvolvida com essa finalidade, então, alguns pesquisadores (Leaf et al., 2016; Lugo, Mathews, King, Lamphere, Damme, 2017; Moher, Gould, Hegg, Mahoney, 2008; Singer-Dudek e Oblak, 2013; Taylor-Santa, Sidener, Carr, Reeve, 2014) estão tentando encontrar estratégias para criar novos reforçadores para crianças com autismo.

A estratégia mais utilizada é o pareamento de estímulos neutros com estímulos incondicionados, para que os neutros se tornem SR condicionados (Dozier, Iwata, Thomason-Sassi, Wordsdell, Wilson, 2012; Fiske, Isenhower, Bamond, Delmolino, Sloman, LaRue, 2015; Moher, Gould, Hegg, Mahoney, 2008; Russell, Ingvarsson, Haggar, Joshua, 2018), como no exemplo: Pedro (nome fictício) é uma criança que não gosta de massinha e tem poucos itens que funcionam como reforçador. A terapeuta dele quer aumentar sua quantidade de reforçadores. Então, ela pareará a massinha com algum reforçador incondicionado, que pode ser um biscoito de polvilho (pensando que este seja um estímulo reforçador para essa criança). Ela dará modelo para que Pedro brinque com a massinha e quando ele brincar seguindo o modelo, ela dará um pedacinho de biscoito de polvilho para ele.

Mas, não há um consenso sobre o tempo de apresentação entre um estímulo e outro e nem sobre a quantidade de pareamentos que deve ser realizada até o estímulo reforçador ter se estabelecido como tal (Taylor-Santa, Sidener, Carr, Reeve, 2014). Então, para saber se a massinha (nesse exemplo) se tornou um estímulo reforçador depois de ter feito alguns pareamentos, é importante realizar testes.

Outro procedimento que pode ser utilizado é a observação (Leaf et al, 2012; Leaf et al., 2015; Leaf et al., 2016; Singer-Dudek e Oblak, 2013). Por exemplo: Adriana (nome fictício) não gosta de brincar de boneca (esse estímulo não é reforçador), mas gosta de brincar com sua amiga Maria (que é reforçadora para ela), que, por sua vez, gosta de brincar de boneca. Então, será feito um treino, no qual, Adriana observará Maria realizando algumas tarefas e depois, escolhendo brincar de boneca como reforçador (Maria brincaria de forma empolgante para chamar a atenção de Adriana). Nos estudos realizados (Leaf et al, 2012, Leaf et al., 2015, Leaf et al., 2016 e Singer-Dudek e Oblak, 2013), todos os autores conseguiram aumentar a preferência das crianças com a estratégia de observação.

É importante pensar que, nesse procedimento, a criança deve ter um bom repertório de imitação e de rastreamento visual. Pesando nisso, para crianças que estão no início da intervenção ou tem baixo repertório de habilidades básicas, não seria uma boa estratégia.

Outro procedimento utilizado por alguns pesquisadores (Taylor-Santa, Sidener, Carr, Reeve, 2014; Lugo, Mathews, King, Lamphere, Damme, 2017), foi discriminação simples. Esse procedimento também é utilizado para o ensino de habilidades básicas e funciona da seguinte maneira: haverá reforçamento somente quando houver resposta na presença do estímulo discriminativo e não, quando houver resposta na presença de estímulos delta (outros estímulos que estarão no ambiente) (Serio, Andery, Gioia, Micheletto, 2008). E isso poderia ser um procedimento eficaz, já que dentro de uma cadeia comportamental, um reforçador também é um estímulo discriminativo, aumentando as chances deste último se tornar um reforçador condicionado (Tomanari, 2000 apud Wyckoff, 1969, p. 69).

O procedimento de discriminação simples para criar reforçadores condicionados poderia funcionar dessa forma: elogios não eram reforçadores para João (nome fictício), então, na presença de elogios mais uma bandeja com itens alimentares (reforçadores condicionados), João emitia uma resposta de pegar o item e era reforçado com o item na boca. É esperado que a resposta de pegar o item na presença do elogio, aumente de frequência. E como, numa cadeia de respostas, o estímulo discriminativo é também, um reforçador, o elogio se tornaria um reforçador condicionado.

Os estudos realizados (Taylor-Santa, Sidener, Carr, Reeve, 2014; Lugo, Mathews, King, Lamphere, Damme, 2017) utilizando o procedimento de discriminação tiveram sucesso por pouco tempo após o término da intervenção,mMostrando que ainda são necessários novos estudos para desenvolver melhor essa estratégia.

O processo de reforçamento é muito importante para as relações humanas mais complexas, já que, é a partir dele que muitas respostas podem ser fortalecidas e, também, muitas podem ser instaladas (Moreira e Medeiros, 2007; Tomanari, 2000). Portanto, conclui-se que esses procedimentos podem fornecer aos terapeutas e pessoas que trabalham com TEA, maneiras de ampliar o interesse dessas crianças, levando a uma maior diversidade de brinquedos e brincadeiras apropriadas a idade. Também, podem criar mais oportunidades de interação social com os colegas da mesma idade.

Referências Bibliográficas

Dozier, C. I., Iwata, A. B., Thomason-Sassi, J., Wordsdell, A. S., Wilson, D. M. (2012). A comparison of two pairing procedures to establish praise as a reinforcer. Journal of Applied Behavior Analysis, 4(45), 721-735. doi: 10.1901/jaba.2012.45-721.

Fiske, K. E., Isenhower, R. W., Bamond, M. J., Delmolino, L., Sloman, K., N., LaRue, R., H. (2015). Assessing the value of token reinforcement for individuals with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 2(48), 448-453. doi: 10.1002/jaba.207. 

Leaf, J. B.; Oppenheim-Leaf, M. L.; Leaf, R.; Courtemanche, A. B.; Taubman, M.; McEachin, J.; Sheldon, J. B.; Sherman, J. A. (2012). Observational effects on the preferences of children with autism. Journal of Applied Behavior Analysis. (45), 3, 473-483. doi: 10.1901/jaba.2012.45-473.

Leaf, J. B., Kassardjian, A., Oppenheim-Leaf, M. L., Tsuji, H. K., Dale, S., Alcalay, A. . . . McEachin, J. (2015). Observational effects on preference selection for four children on the autismo spectrum: a replication. Behavioral Interventions, (30), 256-269. doi: 10.1002/bin.1411.

Leaf, J. B., Oppenheim-Leaf, M. L., Townley-Cochran, D., Leaf, J. A., Alcalay, A., Milne, C. . . . McEachin, J. (2016). Changing preference from tangible to social activities through na observation procedure. Journal of Applied Behavior Analysis, 1(49), 49-57. doi: 10.1002/jaba.276

Lugo, A. M., Mathews, T. L., King, M. L., Lamphere, J. C., Damme, A. M. (2017). Operant discrimination training to establish praise as a reinforcer. Behavioral Interventions, (32), 1-16. doi: 10.1002/bin.1485

Moreira, M. B. e Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos da Análise do Comportamento. Porto Alegre: ArtMed.

Russel, D., Ingvarsson, E., T.; Haggar, J., L.; Joshua, J. (2018). Using progressive ratio schedules to evaluate token as generalized conditioned reinforcers. Journal Of Behavior Analysis, 1 (51), 40-52. doi: 10.1002/jaba.424.

Serio, T. M. A. P., Andery, M. A., Gioia, P. S., Micheletto, N. Controle de Estímulos e Comportamento Operante: uma (nova) Introdução. São Paulo: Educ, 2008.

Taylor-Santa, C., Sidener, T. M., Carr, J. E., Reeve, K. F. (2014). A discrimination training procedure to establish conditioned reinforcers for children with autismo. Behavioral Interventions, (29), 157-176. doi: 10.1002/bin.1384

Tomanari, G. Y. (2000). Reforçamento Condicionado. Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva, 1(2), 61-77.

 

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Escrito por barbaranovais

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