Alienação Parental

Giovana Pagliari dos Santos
Ana Paula Durante Armando

Sabemos que muitas situações levam um casal ao rompimento nos seus relacionamentos e estes variam de falta de diálogo, incompatibilidade de ideias, finanças, relacionamentos extras entre tantos outros aspectos. O processo de separação de um casal pode ser realizado de forma tranquila quando os dois chegam a um consenso de que a relação chegou ao fim, mas também, pode ser muito conflituoso por vários fatores pessoais, emocionais e parentais. Quando o casal tem filhos, a situação tende a piorar, pois em algumas vezes o casal acaba “usando” os filhos para provocar o outro cônjuge. O aspecto geral da família em fase de separação pode gerar muito atrito.   

Dessa forma, o presente artigo, tem como objetivo percorrer o contexto histórico sobre divórcio e guarda dos filhos para discorrer sobre as consequências comportamentais que podem causar a alienação parental.

Segundo uma perspectiva analítico-comportamental os comportamentos têm 3 níveis de seleção, sendo eles: filogenético, ontogenético e cultural. Tendo aqui o fundamental objetivo de explorar o contexto cultural, ou seja, as mudanças que ocorrem no terceiro nível de seleção (SKINNER, 1999)². Em função geral, a psicoterapia tem o objetivo de propiciar um autoconhecimento que proporcione a modificação comportamental dos alienadores, transformando a microcultura familiar e possibilitando um ambiente mais saudável as relações parentais. Para ler sobre níveis de seleção abra o link a seguir: https://comportese.com/2017/08/o-dia-do-psicologo-e-os-tres-niveis-de-selecao-apresentados-por-skinner

Foram muitas as mudanças que aconteceram no conceito de família para a sociedade. Hoje temos uma concepção plural constituída de diversas configurações. Algumas mudanças na lei também trouxeram a possibilidade de reformulação deste conceito. Em 1977 o casamento pode ser rompido no Brasil (Lei do Divórcio – nº 6.515, de 26/12/1977), já a Constituição Federal (1988) proporcionou a igualdade de direitos entre homens e mulheres, desde então não há um responsável pela família, ambos os pais possuem os mesmos direitos/obrigações frente aos filhos (CFP, 2010).

Ainda em 1977 considerava-se que após a separação a guarda dos filhos deveria ficar com um dos pais, preferencialmente com a mãe e que o pai teria direito a visitações – geralmente aos finais de semana. Nesta época era considerado que quem não fosse bom marido ou boa esposa não poderia ser um bom pai ou uma boa mãe, estando ligado o conceito de parentalidade com a conjugalidade. Ainda cabe ressaltar que quando o pai tinha a intenção de ficar com a guarda dos filhos, deveria alegar porque a figura materna seria prejudicial ao desenvolvimento dos mesmos. Na maior parte das vezes era alegado problemas psíquicos (CFP, 2010).

Em 2002 o Código Civil Brasileiro dispunha que a guarda deve ser atribuída a figura materna/paterna que tenha as melhores condições de exercer o seu papel, ainda com preferência de que se atribuísse a mãe. Este contexto histórico descrito até então demonstra que após o divórcio, pais e mães que tivessem interesse em manter o convívio paterno/materno, deveriam provar durante o processo que o outro teria condições desfavoráveis a criação dos filhos, gerando um conflito intenso entre as partes e criando um estereótipo de que sendo desfeita a conjugalidade a parentalidade também o seria, afetando diretamente os filhos.

Segundo o CFP (2010), a partir da metade do século XX estudos demonstraram que a separação de um casal poderia ocorrer por um deles não ter mais vontade de permanecer com o outro – mesmo não havendo traição, retirando a culpabilização dos membros e atribuindo o ocorrido a fatos sobre a relação que não definem o caráter de ambos. Neste mesmo período foi considerado que tanto o pai quanto a mãe têm papéis fundamentais que não devem ser afetados pela dissolução do casal, sendo necessário uma preservação dos vínculos parentais.

Ainda depois destas mudanças ressaltadas anteriormente vieram outras. Por exemplo, a visão de que toda criança tem direito de ser cuidada e educada pelo pai e mãe, mesmo que estes não morem juntos, sendo importante o acesso da mesma a família materna e paterna (Convenção Internacional de Direitos da Criança, 1989). Posteriormente foi considerada a guarda compartilhada como a preferencial para garantia de direitos do infante, não havendo um responsável, mas a dupla filiação (Lei nº 11.698/2008).

O contexto de guarda compartilhada teve início à 11 anos, mas muitos dos pais que hoje entram em contato com essa nova lei, foram criados quando a monoparentalidade ainda era vigente. Considerava-se não apenas no contexto jurídico, mas no contexto cultural que a função da mãe era criar os filhos, educá-los, enquanto caberia ao pai a função de conquistar patrimônio e garantir a saúde econômica da casa. A geração que hoje responde a uma nova visão de família foi em grande parte educada segundo uma geração anterior, de valores e vivências distintos em uma época aonde era importante provar a incapacidade do outro para garantir a convivência e educação dos filhos.

Surge então em 2010 a Lei da Alienação Parental (nº 12.318/2010), em consequência a uma cultura de alienação instalada anteriormente, onde era importante denegrir a imagem do outro pela manutenção do vínculo parental. Essa cultura também pode ser observada em outros tipos de relação que não sejam a parentais, por exemplo quando algum amigo fala mal de uma pessoa que é do convívio de ambos na tentativa de afastar essa convivência, desaprovando, reclamando ou até fazendo chantagens caso o vínculo entre o amigo e a pessoa que não gosta permaneça.

Para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2015) considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente. Podendo esta ser promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham o infante sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este.

O surgimento desse comportamento geralmente não é notado na vida diária. Começa por uma sutil provocação entre um ou ambas as partes, até que as proporções aumentam. A princípio ela pode surgir como reclamações e comentários que venham a denegrir a imagem do outro (seja ele cônjuge ou família extensa) até que culminam em sofrimentos profundos que afetam o relacionamento da criança com ambos genitores, alcançando a autoimagem da infante, autoconfiança, podendo gerar consequências para o estabelecimento de vínculo futuro. Este comportamento que denigre o outro pode ou não ter um fundamento, sendo muitas vezes justificado pela parte que o pratica com a afirmação de que está apenas “dizendo a verdade”.

A alienação parental pode ser devastadora para os filhos e pode perdurar para o resto da vida, pois implica em comportamentos abusivos contra a criança. Desencadeia vínculos patológicos, promove vivencias contraditórias da relação entre pai e mãe, cria imagens distorcidas da figura dos dois, gerando um olhar destruidor sobre as relações amorosas em geral.

Maia e Williamns (2005) afirmam que nenhum outro fator de risco tem uma associação mais forte com a psicopatologia do desenvolvimento do que uma criança maltratada, ou seja, o abuso e a negligência causam efeitos profundamente negativos no curso de vida da criança. As sequelas do abuso e da negligência abrangem grande variedade de domínios do desenvolvimento, incluindo as áreas da cognição, linguagem, desempenho acadêmico e desenvolvimento sócio emocional. As crianças maltratadas geralmente, apresentam déficit em suas habilidades de regulação emocional e no comportamento geral.

Considera-se então que o maior benefício a saúde e desenvolvimento estejam ligadas a privação a alienação (Segura & Sepulveda 2006; Baker 2005; Drezd & Olesen 2004; Gardner 1998; Rand 1997). Segundo CFP (2010), em países europeus, quando a guarda compartilhada é inviável a conduta adotada é de que o infante permaneça com o genitor mais aberto ao contato com o outro pai.

Por essas razões, é possível afirmar que o pior pesadelo para os filhos não é a separação dos pais, mas sim, o conflito intenso entre eles. Muitas vezes os pais acabam arrastando os filhos para os conflitos conjugais e é fundamental compreender que existe fim para a conjugalidade, mas a parentalidade continua.  Instalar a Alienação Parental em uma criança é considerado um comportamento abusivo. Afeta também o genitor alienado, além dos demais familiares e amigos, privando a criança do necessário e saudável convívio com todo um núcleo afetivo do qual faz parte e ao qual deveria permanecer integrada.

Há uma classificação das consequências da Alienação parental para as crianças, as mesmas observadas em contingências aversivas, que são:

  • Tristeza prolongada
  • Sentimentos prologandos de raiva ou ressentimento
  • Sentimento de desamparo e desespero.
  • Ansiedade
  • Agressividade
  • Insegurança
  • Isolamento
  • Desorganização mental
  • Dificuldade escolar
  • Baixa tolerância a frustração
  • Enurese
  • Transtorno de identidade ou imagem
  • Culpa
  • Dupla personalidade
  • Inclinação ao álcool e outras drogas
  • Ideias ou comportamentos suicidas (casos mais extremos)

A alienação pode ser praticada em alguns casos por falta de informação e conhecimento de seus danos, o objetivo psicoeducativo não é promover uma culpabilização mas sim despertar um olhar responsável para as famílias de maneira geral, por isso esse artigo teve como finalidade apresentar as mudanças culturais ocorridas em relação ao divórcio e o impacto psicológico da alienação parental para os filhos. O ambiente cultural não apenas mantinha comportamentos alienantes, como punia comportamentos distintos a este. Neste contexto compreendia-se que meninos não poderiam brincar com bonecas e que mães seriam irresponsáveis caso deixassem os filhos sob cuidado paterno. O cuidado psicológico é de extrema importância assim como é importante as questões concretas de um divórcio, afinal os arranjos familiares se refazem legalmente e as pessoas também precisam se refazer empoderando-se de suas responsabilidades, sem deixar de preservar a saúde mental.

Referências

MAIA, J.M.D. WILLIANS, L.C.A. (2005) Fatores de risco e fatores de proteção ao desenvolvimento infantil: uma revisão na área. Temas em Psicologia 13 (2) :91-102

SEGURA, C. GIL, M.J. e SEPULVEDA, M.A (2006). El síndrome de alienación parental: una forma de maltrato Infantil. Cuad  Med Forense, 12 (43-44): 117-128

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cartilha do divórcio para os pais. Brasília:Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/f26a21b21f109485c159042b5d99317e.pdf>.Acesso em: 13 março 2019.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para a atuação do psicólogo em Varas de Família. Brasília: CFP, 2010.

SKINNER, B. F. A psicologia pode ser uma ciência da mente?. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, [S.l.], v. 6, n. 1, p. 111-119, dez. 2012. ISSN 2526-6551. Disponível em: <https://periodicos.ufpa.br/index.php/rebac/article/view/997>. Acesso em: 10 maio 2019.

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Escrito por Giovana Pagliari

Mãe de 4 cachorrinhas lindas, adora falar - ainda mais quando o assunto é: obesidade, memória, maternidade. Prioriza um olhar humano que seja integral, não dispensa uma boa conversa entre a fisiologia e a AC. Seus textos são rechados de ACT e por vezes, gosta de explorar temas que podem parecer simples, mas são fundamentais para compreensão dos processos clínicos.

Graduada em Psicologia. Pós-graduada em Fisiologia Translacional. Co-autora no capítulo "Comportamentos Suicidas". Formação em Terapia de Aceitação e Compromisso (Operantis). Realiza atendimento psicológico e avaliação psicológica para procedimentos cirúrgicos em Cambé-PR, também realiza psicoterapia on-line.
E-mail: giovanapagliari.gp@gmail.com
Instagram: @giovanapagliari

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