Uma das experiências mais fantásticas que tive na DBT foi participar de um grupo avançado de treino de habilidades, também denominado de grupo de graduados/graduandos, ou grupo de generalização. Esse modelo de grupo de habilidades é para os pacientes que já conhecem bem as DBT skills e vê-los usando as habilidades com maestria é algo que encanta e surpreende.
Recentemente observei um grupo desses em uma equipe com muitos anos de prática na DBT (saiba mais sobre esse programa aqui) e, se eu chegasse desavisada, jamais diria que aqueles eram pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). O domínio no uso das habilidades promoveu uma mudança drástica no comportamento deles. De fato, as pessoas sem desregulação emocional tendem a apresentar naturalmente as habilidades da DBT como parte de seu repertório comportamental. A diferença para os pacientes é que essas habilidades são aprendidas como parte de um tratamento.
Certamente há diferentes níveis de domínio sobre as habilidades na vida dos pacientes graduandos em DBT, mas em geral eles são muito habilidosos nessa etapa. Por isso, o grupo avançado de habilidades é aquela atividade que todos os terapeutas na clínica querem conduzir, pois é realmente gratificante ver a clara evolução dos participantes. Nesse tipo de atividade, um aspecto definidor é que os próprios participantes conduzem o grupo, com a facilitação de um terapeuta. Comportamentos que ameaçam a vida já devem estar sob controle a esta altura, e os comportamentos que interferem na terapia continuam sendo uma prioridade no tratamento.
Nesse texto vou discutir alguns pontos comuns, trazer exemplos do que ocorre nessa modalidade, e ao final apresentar modelos diferentes de grupo avançado de treino de habilidades. Desde já recomendo a leitura das referências citadas abaixo para um aprofundamento.
Características gerais dos modelos de grupos avançados de habilidades
Nesses grupos, o papel do coordenador liderando o uso de habilidades é reduzido e transferido para os próprios participantes. A condução do mindfulness, a revisão das habilidades da DBT e a consultoria para melhorar o uso das habilidades são todas responsabilidades dos próprios pacientes (Miller, Rathus, Linehan & Swenson, 2007). Os participantes do grupo se comprometem a orientar-se mutuamente sobre o uso das habilidades, praticando resolução de problemas e usando validação de forma massiva. O nível de confiança nesse grupo precisa ser elevado, assim como ocorre na reunião de consultoria entre os terapeutas, pois os participantes irão expor vulnerabilidades e precisarão confiar no grupo como fonte de apoio sem julgamentos.
O aumento da responsabilidade dos pacientes na condução do uso das habilidades nessa etapa fortalece a sua autoconfiança, consolida o entendimento e o uso disseminado das habilidades na vida. A introdução do mindfulness e a realização do aconselhamento no grupo pelos participantes fortalece o senso de competência deles (Miller, Rathus, Linehan & Swenson, 2007). Uma forma efetiva de aprender algo é ensinando. Dessa forma, pela condução do mindfulness e pelas sugestões aos colegas de como enfrentar as situações difíceis da vida usando as habilidades, os participantes têm um aprendizado mais amplo e sólido da DBT.
Diferentemente do grupo de habilidades básicas, onde o comportamento dentro da sessão ganha pouca atenção, no grupo avançado os processos interpessoais dentro e fora do grupo são foco (Miller, Rathus, Linehan & Swenson, 2007). O objetivo não é mais conhecer e adquirir as habilidades, mas sim conseguir utilizá-las de forma ampla e generalizada para as mais variadas situações de vida (Lopez & Chessick, 2013).
As habilidades são usadas e incentivadas em sessão o tempo todo. É comum os pacientes apontarem gentilmente quando alguém se expressou de forma julgativa, solicitando a recolocação da ideia de uma forma mais habilidosa, com palavras descritivas. Se um paciente falar, por exemplo, “minha reação foi uma droga”, outro irá solicitar “você poderia falar isso de uma maneira mais descritiva e gentil, sem julgamentos?” e a pessoa responderia algo como “é verdade… ‘Na ocasião eu achei minha reação pouco habilidosa e me senti chateado com isso’”.
Embora seja um grupo de pares, a linguagem utilizada é a dos termos da DBT. O objetivo disso é facilitar o aprendizado e a compreensão entre os participantes, garantindo que todos se refiram aos mesmos processos e habilidades (Miller, Rathus, Linehan & Swenson, 2007). Por exemplo, um paciente pode falar a um outro “acho que nessa situação valeria a pena usar o COPE-AHEAD (habilidade) e já se prevenir para o que pode acontecer”. Ou “essa situação é muito difícil mesmo. Se eu estivesse nessa situação também estaria me sentido frustrado. Você já tentou escrever um DEAR MAN para ter bem claro os seus objetivos e como pedir isso para essa pessoa? Eu, pessoalmente, gosto de fazer o exercício escrito mesmo, porque assim parece que fica mais claro na hora o que eu tenho que dizer.” Ou então “Você deveria usar a estratégia do FAST nessa situação, pois o auto-respeito é a sua prioridade nesse caso”. Colocações como essas são comuns no grupo avançado de habilidades.
As frases acima citadas ilustram um pouco como a consultoria entre pares é rica e como há uma grande ênfase no uso de validação. Em uma sessão que revisava metas secundárias da DBT, ao se abordar a auto-invalidação, a paciente referiu “é por isso que precisamos muito usar a validação aqui e em nossa vida pessoal. Eu lembro do dia em que me dei conta [em terapia] que falava de mim de forma invalidante, e que esse foi um padrão que aprendi de tanto ouvir. Fiquei com aquilo… Pra mim foi importante e até hoje me policio pra não ser invalidante comigo mesma.”
Além de usarem diferentes níveis de validação e reforçamento na sessão, os participantes do grupo avançado de habilidades trazem sugestões diferentes sobre o uso das habilidades (como e quais usar nas situações trazidas), contribuem com formas alternativas de compreender as situações, ajudam na aceitação radical de certos eventos de vida (Miller, Rathus, Linehan & Swenson, 2007), além de servirem de exemplo e inspiração aos membros menos experientes. Em uma sessão em um grupo avançado de habilidades que aceitava pacientes antigos, quando uma paciente nova apresentou-se, revelou que tivera alta há 5 anos e que estava retornando para revisar e reforçar as habilidades. Dois pacientes do grupo estavam na fase final do programa, prestes a terem alta. Eles prontamente perguntaram como foram os anos após a DBT e se o tratamento realmente se mostrava efetivo após a alta. A paciente recém chegada para o reforço afirmou com confiança e serenidade que a DBT funcionava muito bem após o termino do tratamento, e ainda recomendou que revisassem a pasta das habilidades frequentemente para manter tudo bem vivo e estarem fortalecidos com o uso das habilidades.
Diferentes modelos
Podem haver diferença nos objetivos dos diferentes modelos de grupos avançados de habilidades, conforme o seu delineamento. Pode consistir na parte final do tratamento, após a aquisição das habilidades e controle de comportamentos de risco, assim como pode ser uma etapa adicional para pacientes que já receberam alta do programa. A seguir apresento três diferentes modelos. Um destinado à adolescentes, outro com foco na alta do sistema de saúde mental com ênfase em atividades produtivas, e um terceiro com foco na generalização e alta.
Tabela 1. Diferentes modelos de grupos avançados para graduandos da DBT
Programa de graduados da DBT para adolescentes – Montefiore Medical Centre/EUA* | DBT – ACES
Aceitando os desafios de deixar o sistema de saúde/EUA** |
Grupo de graduandos da DBT – Sheldon M. Chumir Health Centre/CA***
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Objetivos | Prevenir relapsos, aumentar comportamentos adaptativos e habilidades interpessoais | Autossuficiência, aumento de produtividade, construção de relacionamentos, alta do sistema de saúde mental. | Consolidação e generalização das habilidades de DBT. |
Indicação | Opcional para Pcts que terminaram o estágio 1. Pode ocorrer concomitante ao estágio 2. | Opcional após completar o programa de 1 ano de DBT | Pacientes que obtiveram alta no passado (p/reforço). Pacientes no programa que: -completaram 3 módulos de treino de habilidades; -têm experiência com as habilidades e controle comport. -realizaram teste escrito; -planejaram alta com terapeuta individual -demonstraram motivação e comprometimento em entrevista com o coordenador do grupo |
Currículo | Revisão das habilidades eleitas pelos participantes e conduzidas por eles. | Estabelecimento de metas pessoais, resolução de problemas em grupo. Uso de exposição e controle de contingência. Apresentação de atestados de 10h e 20h de trabalho, estudo ou orientação vocacional nos meses 4 e 8 do tratamento. | Revisão de habilidades pré-estabelecidas e enfoque em atividades não cobertas pelo grupo de habilidades fundamentais (espiritualidade, por exemplo). |
Formato | Grupo. Consultoria por telefone, atendimento individual e familiar conforme necessidade. | Atendimento individual concomitante com grupo. | O grupo ocorre concomitante com terapia individual e consultoria telefônica (dificilmente necessária). |
Duração e frequência | 16 semanas, podendo ser recontratado e participar por mais de 1 ano.
Frequência semanal.
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1 ano.
Frequência semanal. |
Módulos de 3 meses para pacientes em reforço, repetidos até completar 9 meses p/ pacientes novos (podendo ser mais).
Frequência semanal. |
Tempo de grupo | 2 horas | Não indicado | 1h30min |
Número de participantes | 4 a 5 | Não indicado | Cerca de 10, podendo ser até 30. 4 vagas destinadas para pacientes que tiveram alta, para sessões de reforço. |
Estrutura da sessão (tempo em minutos) | 10-mindfulness(pct)
20-revisão cartão diário mental (0-5) 15-revisão das habilidades (pelos participantes, sua escolha) 5-Intervalo 70-consultoria de problemas correntes 5-observações sobre a sessão e comprometimento para a semana
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Não indicado | Tempos flexíveis.
5-mindfulness (pacientes) 10-organização e informações gerais 20-revisão de uma habilidade (pelo terapeuta, cronograma estabelecido) 50- consultoria de problemas correntes 3-mindfulness (terapeuta). |
Esses três modelos não esgotam as possibilidades de delineamento de grupos de graduandos, já que o formato e os objetivos podem variar conforme as características e possibilidades de cada programa de DBT (mais exemplos e resultados de alguns programas podem ser consultados em Lopez & Chessick, 2013). Contudo, é possivel ter uma ideia de como esse grupo é um recurso importante na consolidação e generalização dos aprendizados obtidos no tratamento com a DBT.
* Mais informações sobre o grupo de graduados adolescentes estão disponíveis no capítulo 11 de Miller et al., (2007), Assessing Progress, Running a Graduate Group, and Terminating Treatment.
** Mais informações sobre o grupo DBT – ACES in Comtois et al., 2010.
***Mais informações sobre o grupo de graduandos e o programa conduzido no Sheldon M. Chumir Health Centre/CA podem ser encontrados no artigo “Um programa standard de DBT na saúde pública” publicado anteriormente nessa coluna. As informações sobre o programa e as falas de pacientes tiveram o consentimento dos mesmos para seu uso.
Referências;
Comtois, K.A., Kerbrat, A.H., Atkins, D.C., Harned, M.S. & Elwood, L. (2010). Recovery from disability for individuals with personality disorder: A feasibility trial of DBT-ACES. Psychiatric Services, 61: 1106–1111.
Miller, A.L., Rathus, J.H., Linehan, M.M. & Swenson, C.R. (2007). Dialectical behavioral therapy with suicidal adolescents, New York, NY: Guilford Press.
Lopez, A. & Chessick, C. A. (2013). DBT Graduate Group Pilot Study: A Model to Generalize Skills to Create a “Life Worth Living”. Social Work in Mental Health, 11, 2.