Entrevista com Jocelaine Martins da Silveira, sobre sua experiência com FAP e seu pós-doutorado com William Follette.

A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) é um modelo de tratamento que tem sido estudado por meio de pesquisas. O Brasil conta com alguns pesquisadores que tem contribuído fortemente com estes estudos, como Jocelaine Martins da Silveira. A psicóloga e pesquisadora leciona na Universidade Federal do Paraná, orienta pesquisas no mestrado em psicologia da mesma universidade, na linha de pesquisa em psicologia clínica em que pesquisas sobre FAP já foram e continuam sendo realizadas. No período de 2016 a 2017 fez seu pós-doutorado com William Follette, um dos principais estudiosos sobre a FAP. Por esta razão, considerei relevante convidá-la para uma entrevista para a coluna sobre FAP do Portal Comporte-se.

1. Sabemos que você tem trabalhado com pesquisas em FAP há alguns anos. Poderia começar nos contando sua trajetória com a FAP?

Obrigada pela oportunidade de compartilhar aqui no Comporte-se algumas experiências com a prática e a pesquisa em FAP. Atualmente, a FAP tem sido conhecida por sua ênfase no chamado Modelo Consciência, Coragem e Amor (Modelo ACL). Muitos colegas têm experimentado os efeitos positivos desta ênfase em suas práticas clínicas. Os workshops ministrados pela Dra. Alessandra Villas-Bôas e colegas vêm inspirando muitos terapeutas brasileiros no emprego do modelo ACL. Meu contato original com a FAP aconteceu por meio das aulas da professora Maria Zilah Brandão, em 1993.  A FAP sempre foi atrativa /para nós, analistas do comportamento, porque se propunha a explicar a complexidade da psicoterapia de forma consistente com o Behaviorismo Radical.  Muito tempo depois, em 2009, para orientar as pesquisas de processo em Análise do Comportamento, na linha de Psicologia Clínica do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFPR, eu recorri à sistematização da FAP, por questões metodológicas, uma vez que ela facilitava a identificação e mensuração de eventos do contexto clínico. Portanto, meu interesse não estava ligado aos resultados da FAP. Mas, então, com o advento das pressões e expectativas da prática baseada em evidências, muita gente passou a me procurar com o interesse nos resultados do tratamento com a FAP ou nos efeitos relativos de seus procedimentos. E foi assim que orientei um conjunto de estudos envolvendo a temática da FAP.

2. Recentemente, você fez seu pós-doutorado com William Follette. Há alguma diferença na visão dele sobre algum aspecto em relação ao que conhecemos da FAP no Brasil, ou em relação a outros contextos em que a FAP é estudada?

Pois é. Eu trabalhei durante um ano na Universidade de Nevada – Reno,  no Center for Behavioral Research & Treatment Development, Lab do professor William Follette, o nosso querido Bill. O Bill é um dos autores do livro A Guide to FAP: awareness, courage, love, and Behaviorism, publicado em 2009. Eu diria que ele mantém a visão dos outros autores, só que insiste no item Behaviorismo. O ideal seria ouvir o próprio Bill respondendo à pergunta de vocês. Eu acredito que um artigo dele com a S. Darrow, de 2014, intitulado Where`s the beef?: A Reply to Kanter, Holman, and Wilson  possa esclarecer a posição dele no debate quanto à pertinência do uso da terminologia não técnica para guiar procedimentos do terapeuta e metas do tratamento. Particularmente, eu gosto do modo como ele preserva a contribuição de importantes analistas do comportamento no campo da clínica, como por exemplo, a visão construcional de Goldiamond (1974) e as interpretações analítico-funcionais de C. Ferster. Acredito que a perspectiva do Bill do processo terapêutico e da supervisão clínica seja notadamente marcada pela tradição skinneriana, isto é, pelo foco na consequência do responder.      

3. Atualmente, o que tem sido estudado sobre FAP pelo professor Willian Follette e sua equipe?

Há diversos estudos em andamento no Lab. do professor W. Follette.  De modo geral, eles focam no aprimoramento da mensuração das interações no contexto clínico, na avaliação de tratamentos clínicos em análise do comportamento, na elaboração de críticas e refinamentos a tratamentos existentes e na avaliação de intervenções clínicas. 

4. O que você estudou sobre a FAP com ele?

Eu quis aproveitar a disponibilidade do Bill para discutir questões sobre a FAP. Então, propus a ele aprofundar um pouco na compreensão da generalização nesta estratégia psicoterápica. Além disso, trabalhamos em formas de monitorar comportamentos interpessoais do cliente fora da sessão de terapia.  Ainda estamos trabalhando em colaboração em torno da ideia de facilitar a coleta de dados na pesquisa em psicoterapia em Análise do Comportamento e de disponibilizar recursos para o monitoramento do comportamento do cliente na sua vida diária.  No momento, estamos desenvolvendo um aplicativo para o cliente relatar seu comportamento interpessoal entre uma sessão e outra. Além disso, elaboramos um manuscrito discutindo questões conceituais da generalização na FAP. Com isso, meu projeto atual na UFPR envolve a ampliação das medidas de processo para medidas de resultado com populações específicas.

5. Por fim, você gostaria de dizer algo sobre esta experiência aos analistas do comportamento do Brasil? 

O sonho de todo pesquisador brasileiro é gerar conhecimento aplicável à nossa realidade. Queremos realizar intercâmbios mais equilibrados, ao invés de meramente importar tecnologia. A experiência lá me fez ser grata pela solidez da formação em Análise do Comportamento que temos aqui no Brasil. Nós nos apoiamos em fundamentos consistentes do ponto de vista filosófico e conceitual. Isso é muito importante. Mas, ao mesmo tempo, eu senti a necessidade de ficar mais sintonizada com as demandas locais e de ser criativa na busca de soluções para elas.  Nossas demandas nem sempre correspondem às dos contextos que deram origem à tecnologia que importamos. Além do mais, embora a comunidade de analistas do comportamento mundial seja bem coesa e unificada, percebi que somos uma comunidade bastante peculiar. Como nos conta a profa Maria Amélia Matos, em seu artigo Contingências para a Análise Comportamental no Brasil (1998), nossa história foi marcada pela vinda do prof. Fred Keller ao Brasil e por sua interlocução com estudiosos brasileiros, como a profa. Carolina Bori. O trabalho deles destacou-se pela pesquisa básica com animais e pela pesquisa aplicada, voltada para o Ensino. Algumas décadas depois, o prof. Hélio Guilhardi promoveu discussões enriquecedoras para a aplicação da Análise do Comportamento no contexto clínico, incentivando a interpretação de problemas clínicos em termos do pensamento skinneriano.  Voltando à questão que vocês fizeram, eu me sinto transformada quanto à abertura para interlocutores alheios à nossa comunidade.  Eu quero ser menos hermética para o conhecimento advindo de outras ciências e pretendo ficar mais sensível ao bem da comunidade a quem devemos ser úteis (que não é somente à acadêmica). Valorizo muito as iniciativas dos analistas do comportamento brasileiros, cujo trabalho tem impactado no setor público e na Educação. Enfim, acho que a experiência que tive lá se parece com a de muitos de nós quando interage nos centros de pesquisa estadunidenses – senti que a Análise do Comportamento é um sapato originalmente concebido para pisar em outro chão. Mas ele serve perfeitamente no nosso pé e tem sido muito útil para trilhar o nosso próprio caminho, isto é, para indicar as soluções voltadas para os nossos problemas.         

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Escrito por Mônica Camoleze

Psicóloga (CRP 08/15023), graduada pela Universidade Positivo. Especialista em terapia analítico-comportamental pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba. Formação em psicoterapia analítica funcional e terapia de aceitação e compromisso pelo Instituto Continuum. Cursou terapia comportamental dialética, pelo Dialectica Psicoterapia Baseada em Evidências. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná, com pesquisa sobre psicoterapia analítica funcional. Atua como psicóloga clínica em Curitiba, atendendo crianças, adolescentes, adultos e casais.

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