Tony DuBose fala das Habilidades DBT frente à COVID-19 (versão em português)

Tradução gentilmente feita por: Psic. Ingredy Riberio Buss

Recentemente convidei Tony DuDose, chefe de treinamento em DBT do Behavioral Tech – A Linehan Institute Training Company, para falar sobre o uso das habilidades  da DBT diante da Pandemia da COVID-19. E ele aceitou o convite. De uma conversa que tivemos, surgiu esta entrevista, inicialmente publicada em sua versão original em inglês (clique aqui) e, agora, em sua versão em português. A tradução foi feita pela psicóloga Ingredy Ribeiro Buss, de Londrina/PR.

Atualmente, muitas pessoas estão perguntando como as habilidades da DBT podem ajudar os profissionais de saúde enquanto enfrentam os desafios da pandemia de COVID-19. Isso faz muito sentido na crise atual, pois a DBT é bem conhecida pelas estratégias de sobrevivência à crise. No entanto, a DBT é muito mais do que sobreviver a crises, e usar bem as habilidades de DBT significa usar várias habilidades para agir de maneira mais efetiva em relação aos objetivos das pessoas, com base no que é necessário em determinado momento. A seguir, é apresentado um trecho da discussão entre Tony DuBose, PsyD, executivo-chefe de treinamento do Behavioral Tech, e Esequias Caetano, psicólogo em Patos de Minas, Brasil. Esta postagem sugere o equilíbrio entre várias habilidades de DBT.

Lembre-se de que estes são exemplos de apenas algumas das muitas habilidades da DBT disponíveis. Como esta é a primeira vez, para a maioria de nós, que enfrentamos uma pandemia dessa escala, ninguém realizou uma pesquisa rigorosa sobre a melhor maneira de usar as habilidades de DBT nesta situação. Mantenha isso em mente enquanto estiver lendo a discussão. Essas habilidades não são a única maneira de responder efetivamente e, se elas não funcionarem para você, isso não significa que não existam outras habilidades que possam ser mais úteis.

Movendo-se entre a atenção plena dos pensamentos e emoções presentes, fazendo efetivamente o que é necessário e uma coisa de cada vez.

ESEQUIAS: Em todo o mundo, estamos enfrentando um grande desafio: a COVID-19. Muitos profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros e psicoterapeutas, estão na linha de frente deste trabalho. Do ponto de vista emocional e psicológico, o que se espera que eles experimentem?

TONY: É importante entender e aceitar que a ansiedade e o medo são experiências normais e esperadas em situações como esta. É comum ter pensamentos e medos sobre o impacto da pandemia em nós mesmos e em nossos entes queridos. A luta contra essas experiências as intensifica; portanto, a coisa mais útil que podemos fazer é praticar o mindfulness da experiência emocional e permitir-nos perceber o que está acontecendo conosco sem afastar as emoções ou os pensamentos ou nos apegar a eles.

Embora seja importante praticar a atenção plena de nossos pensamentos e emoções, há tempo e lugar para tudo. Se formos obrigados a tomar ações focadas em um determinado momento, pode ser necessário concentrar efetivamente nossa atenção na tarefa em questão e nos distrair da experiência pessoal atual. Isso requer um foco nítido em fazer o que é necessário no momento.

Se um profissional de saúde é consumido por preocupações pessoais enquanto trabalha com pacientes, os cuidados com esses pacientes provavelmente serão afetados. No entanto, se não percebermos nossas experiências depois que esta importante tarefa estiver concluída, podemos nos sentir sobrecarregados, mais ansiosos ou deprimidos ao longo do tempo. Daí a necessidade de retornar a atenção plena aos pensamentos e emoções presentes.

Estamos cada vez mais conscientes da importância das emoções em nossa sobrevivência. Elas não desaparecem quando as ignoramos, e pode ser particularmente problemático se as suprimirmos (ver Linehan, 2015, Manual de Treinamento de Habilidades, Capítulo 9).

Aqui está um exemplo:

Percebo que estou me sentindo bastante ansioso com as mudanças no meu trabalho e com as demandas crescentes sobre mim. No decorrer do meu trabalho como profissional de saúde mental, noto que meus pacientes estão dizendo que se sentem mais solitários e com medo, e sei que alguns deles estão pensando mais em suicídio. Além de tudo isso, temo pela saúde dos meus pais idosos e começo a pensar no que acontecerá no futuro, se eu perder pessoas próximas a mim. Também estou preocupado com o que está acontecendo comigo financeiramente. Se eu começar a pensar sobre essas coisas, posso ser pego no que parece ser um ciclo interminável de pensamentos que irão continuar voltando.

Em meio a este desconforto, posso dizer a mim mesmo que não devo sentir ou pensar dessa maneira, ou, por outro lado, posso ficar sobrecarregado e obcecado. O truque para lidar com essa situação é estar atento às emoções e pensamentos que surgem. Isso envolve apenas observar as emoções e pensamentos que vêm e vão com um olhar curioso. Significa não agir sobre eles; nem os suprimindo nem se apegando a eles. Significa apenas aceitá-los sem julgamento e deixá-los em paz.

Se, no momento seguinte, tenho um paciente que entra em crise, deixo de perceber meus pensamentos e emoções e desloco o foco da minha atenção para o que é necessário para uma ação efetiva com o paciente, concentrando-me apenas no que é necessário no momento para ajudá-lo. Quando a interação com o paciente termina, eu entro em contato comigo mesmo. Observo novamente o que estou experimentando, simplesmente trazendo um olhar curioso para perceber o que está acontecendo.

O movimento por esse ciclo de habilidades pode ocorrer inúmeras vezes ao longo de um dia. É preciso muito trabalho. Melhoramos com a prática ao longo do tempo. A chave para tudo isso é uma habilidade que chamamos de aceitação radical. É aceitar o momento exatamente como ele é, sem rejeitar a realidade e sem se envolver em tentativas fúteis de exercer controle sobre ela.

A aceitação radical também significa atender às chamadas à ação. Embora seja importante perceber pensamentos e emoções sem controlá-los, é muito importante que, ao vermos uma oportunidade de ajudar, entremos em ação. Comportamento verdadeiramente hábil significa saber quando as coisas não podem ser mudadas e agir quando puderem.

Mindfulness e Tolerância à Frustração (Respiração Compassada)

ESEQUIAS: Muitos psicoterapeutas estão atendendo médicos e enfermeiros e precisam ajudá-los a lidar com sua rotina de trabalho no atendimento a pacientes infectados com COVID-19. Em que esses terapeutas devem se concentrar? Qual é a melhor maneira de ajudar médicos e enfermeiros nas linhas de frente?

TONY: Se você estiver em um momento que exija foco intenso e perceber que está perto do esgotamento e desmoronando, observe a respiração. Pode ser uma experiência muito poderosa redirecionar sua atenção para a respiração, notando o ar entrando nos pulmões e saindo da boca.

Sabemos, por pesquisas psicofisiológicas, que expirações mais longas e inspirações mais curtas podem estimular o sistema nervoso parassimpático e ter um efeito calmante. A boa notícia sobre essa habilidade é que ela não requer ferramentas ou acessórios, apenas sua respiração, sua atenção e um pouco de contagem. Embora os números possam diferir de uma pessoa para outra, você pode começar respirando por 4 segundos e expirando por 6 segundos. Pratique por um tempo até encontrar os números certos que funcionam para você. Mesmo nas situações mais intensas e extremamente difíceis, encontre uma maneira de ter um momento de paz e tranquilidade.

Além disso, quando houver uma oportunidade de descansar, faça isso. Isso exige novamente estar presente apenas neste momento, sem arrependimentos ou tristezas pelo passado ou preocupações com o futuro. Embora seja importante lamentar o que foi perdido e planejar efetivamente o futuro, é igualmente importante que tenhamos momentos de apenas estar no momento e deixar essas coisas para lá.

Balancear Validação e Solução de Problemas

ESEQUIAS: Os familiares desses profissionais também experimentam uma variedade de emoções difíceis, como medo, tristeza e solidão. Quando os atendemos, em que devemos nos concentrar?

TONY: Acho que devemos primeiro reconhecer que estamos em uma situação que está além do controle de qualquer pessoa e que emoções como medo, tristeza e solidão fazem todo o sentido do mundo, considerando o que estamos enfrentando.

É importante validar as experiências de nossos entes queridos. Agora é um momento particularmente importante para que nos escutemos de maneira a permitirmos que os outros se sintam realmente compreendidos e que nos importamos com o que está acontecendo com eles. Além de ouvir, é importante que façamos coisas um para o outro quando necessário, pois é importante lembrar que as ações falam mais alto do que as palavras. Se percebermos que alguém tem um problema que podemos ajudá-lo a resolver, vá além das palavras e valide-as funcionalmente através da resolução de problemas. No entanto, tenha cuidado para não forçar a solução de problemas para as pessoas quando elas não estiverem te convidando a fazer isso.

Trilhando o caminho do meio, checando os fatos e participando plenamente.

ESEQUIAS: Ainda há muitas pessoas que consideram o COVID-19 apenas um resfriado e, consequentemente, adotam comportamentos de risco para a infecção. Isso os leva a expor outras pessoas ao risco também. Como podemos gerenciar, na clínica, a negação da complexidade do problema?

TONY: Na DBT, temos uma habilidade chamada “Checando os Fatos“. Assumimos que a felicidade na vida e as melhores ações que podemos tomar se baseiam em ver a realidade como ela realmente é. O problema é que, como pessoas, geralmente temos noções muito diferentes sobre a realidade. Penso que é importante consultar as fontes de informação mais confiáveis e perceber que o que observo na minha vizinhança imediata pode não ser representativo do que está acontecendo na cidade mais próxima.

Uma vez que colocamos tanta ênfase no caminho do meio na DBT, acho importante aspirar a levar a pandemia muito a sério (com base em dados científicos), sem ficar imobilizado pelo peso dela. Minha experiência com isso é que estou em minha casa desde o final de fevereiro, exceto para ir ao supermercado. Estou trabalhando mais horas que o normal. Estou muito ciente de que existem outras pessoas que foram pessoalmente afetadas por doenças e morte. Ao mesmo tempo, estou saudável, o sol está brilhando, estou cozinhando e jardinando, e meus vizinhos estão sendo muito gentis uns com os outros (à distância).

Cada dia é um exercício de lembrar dos perigos que estão presentes, enquanto também estamos no momento presente, participando plenamente do que pode ser desfrutado na vida, dadas as restrições que estamos enfrentando atualmente. Também percebo que outros podem ver isso de uma perspectiva muito diferente. Se quero agir habilmente, lembro que a dialética nos ensina a encontrar o cerne da verdade na perspectiva dos outros.

Aceitação Radical, Mindfulness das Emoções Efetividade Interpessoal

ESEQUIAS: É muito provável que muitos profissionais de saúde percam pacientes por causa do Coronavírus e, certamente, muitas pessoas também perderão membros da família devido à doença. Em quais aspectos os psicoterapeutas devem se concentrar para ajudar os profissionais de saúde e os membros da família a passarem pela experiência destas perdas de maneira mais efetiva?

TONY: Sabemos que a perda e a tristeza (e uma série de outras emoções) são inevitáveis nessa situação. Podemos nos recusar a aceitar a situação e nos tornarmos ainda mais infelizes. Por outro lado, podemos aceitar a situação, com toda a sua dor, descobrir como podemos passar por ela e nos conectar com as outras pessoas.

Sabemos que o luto também é um processo importante na sobrevivência humana. Nossa tristeza indica aos outros que precisamos de conforto e apoio. É importante estar atento à tristeza que experimentamos e comunicar o que precisamos um do outro. Isso pode exigir habilidades interpessoais para nos aproximarmos dos outros e informá-los do que precisamos. Também pode exigir que percebamos o que os outros precisam e concedamos uma oferta de ajuda.

O luto que fica desassistido pode se tornar bastante complicado ao longo do tempo. Caso isso aconteça, existem tratamentos que foram desenvolvidos para ajudar nisso. Para mais informações, consulte o Center for Complicated Grief da Columbia University.

Reduzindo a Vulnerabilidade às Emoções

ESEQUIAS: Os psicoterapeutas que ajudarão médicos, enfermeiros e suas famílias também serão expostos a um alto grau de estresse. Quais estratégias eles podem usar para o autocuidado e para gerenciar seu próprio estresse diante da situação?

TONY: Tudo o que fazemos é mais difícil ou mais fácil, com base no nível de vulnerabilidade que experimentamos em um determinado momento. Para diminuir a vulnerabilidade em meio a uma crise como essa, é muito importante que pratiquemos as habilidades de ABC SABER da DBT. Este é um acrônimo para medidas que podem ser tomadas para reduzir nossa vulnerabilidade ao cair na desregulação e no desespero emocional.

  • Acumular Emoções Positivas: Enquanto muitos de nós enfrentamos grandes demandas, não deixe de encontrar tempo para se divertir. Isso pode até se tornar parte da sua vida a longo prazo. Talvez agora seja a hora de começar um novo hobby que pode ser feito em casa.
  • Construir Maestria em algumas áreas se elas te trazem a sensação de realização. Escolha algo que realmente o levará a fazer o seu melhor.
  • Antecipe algumas coisas que serão difíceis e pratique Antecipar Situações Emocionais. Isso envolve imaginar-se agindo habilmente nos piores cenários.
  • É importante cuidarmos da nossa saúde física. Não ignore sinais de doenças físicas. Trate-as o mais rápido possível.
  • Faça exercícios adequadamente. Se você estiver em sua casa, encontre maneiras criativas de fazer isso. Pode ser subir escadas, fazer ioga ou caminhar no seu bairro (se permitido). Muitas pessoas estão realizando sessões de exercícios por videoconferência.
  • Evite o uso excessivo ou inadequado de medicamentos, drogas ou álcool. Tenho certeza de que qualquer um de nós pode se lembrar de exemplos de quando essa não foi a melhor ideia.
  • Certifique-se de dormir adequadamente. Embora seja muito tentador trabalhar muitas horas para passar por isso ou passar muito tempo lendo ou assistindo as notícias até tarde da noite, tenha cuidado com essas tentações. A privação do sono tem efeitos colaterais graves, a curto e a longo prazo. Pergunte a si mesmo: “É realmente necessário que eu esteja perdendo o sono para fazer isso?”
  • Certifique-se de comer bem.
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Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Terapeuta Comportamental, com especialização em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP), com Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech | A Linehan Institute Training Company (Seattle, Washington/ EUA) e Formação em Terapia de Aceitação E Compromisso e Terapia Analítica Funcional pelo Instituto Continuum (Londrina, PR). É sócio da Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde atende a adultos individualmente, em terapia de casais e terapia de família, além de prover Supervisão Clínica e Treinamento para Terapeutas Comportamentais. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento (www.comportese.com), onde também coordena a equipe de colunistas de Terapia Comportamental Dialética. Coorganizou os livros Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação (Ed. Esetec, 2012) e Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental (Ed. Juruá, 2015). Atua como consultor de Comportamento e Cultura para a Rádio Clube (AM 770) de Patos de Minas e escreve sobre Psicologia e Saúde Mental para o jornal Clube Notícia (https://www.clubenoticia.com.br). É sócio afiliado da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e, entre os anos de 2015 e 2017, foi membro da Comissão de Comunicação da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

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