Princípios da DBT com base no paradigma da aceitação

Para alcançar grandes transformações pessoais, a terapia comportamental dialética (Dialectical Behavior Therapy−DBT) equilibra-se entre paradigmas que enfatizam a mudança, a aceitação e a natureza dialética da realidade. Embora possa parecer paradoxal, o paradigma da aceitação é fundamental para alcançarmos as mudanças que queremos em nossas vidas. Para que aspectos da psicoterapia possam fazer sentido e fluir bem, tenho percebido a importância de os clientes conhecerem esses princípios, já que consistem em pressupostos* que muitas vezes desafiam o nosso modo habitual de pensar a vida e a realidade.

Assim, temos cinco princípios gerais fundamentais que compõem o eixo da aceitação na DBT, tendo como base a filosofia Zen (Swenson, 2016):

1) Consciência do momento presente. A atenção precisa ser treinada para ser capaz de permanecer no momento presente−nem presa às lembranças ou aos traumas do passado nem conectada às preocupações ou expectativas com relação ao futuro. Essa é a habilidade mais importante a ser desenvolvida em um tratamento com DBT, pois é a partir dessa habilidade que conseguimos começar a perceber nossas emoções e a lidar melhor com elas. Logo, regular emoções depende dessa habilidade. Alcançamos a consciência do momento presente pela prática de observar e descrever o que está presente em nós a cada momento: sensações, emoções, impulsos de ação, aflição, comportamentos e respostas a situações interpessoais, assim como observar o que ocorre ao nosso redor (Swenson, 2016). Aprender a observar e a descrever a realidade sem julgamento, vivendo as situações da vida por inteiro (ou seja, sem tentar rejeitar ou segurar o momento), é um objetivo central nesse tratamento. Essa é uma habilidade que abre o caminho para o acesso à mente sábia, que é a sabedoria interior inerente a cada um e que, por diversas razões, pode não estar sendo muito explorada. Assim como os pacientes melhoram as suas capacidades de regulação emocional pela consciência do momento presente, o mesmo acontece com os terapeutas, sendo essa habilidade fundamental para a atuação efetiva dos terapeutas. A consciência do momento presente também pode ser chamada de habilidade de mindfulness, envolvendo a capacidade me metacognição, ou seja, observar e conduzir a mente de maneira intencional (Welch, Rizvi, & Dimidjan, 2017).

2) Não apego. O apego é uma das raízes do sofrimento. Trata-se aqui de apego a estados emocionais, a crenças e a percepções, a determinados valores, a pessoas, a versões da realidade ou a expectativas. Apego que prende e que gera sofrimento. É fundamental entendermos isso: sofremos muito devido ao fato de estarmos apegados a determinadas ideias, acreditando que as coisas “deveriam ser de determinada forma”. O sofrimento é aliviado quando reconhecemos e aceitamos a realidade como ela é, abrindo mão (ou desapegando) da ideia de que a realidade deveria ser diferente. Trata-se de reconhecer nossos “apegos” e “deixá-los ir”, “deixá-los passar” (Swenson, 2016).

3) Interligação com um todo. Embora distintos e únicos, somos também parte de um todo interconectado e interdependente de histórias e vidas. Até mesmo o conceito que fazemos de nós mesmos é transitório, pois nossas ideias vêm em parte das ideias de outros que ouvimos em determinados momentos de nossas vidas e, além disso, nossa visão de mundo e da realidade segue em transformação. Estamos ligados a uma rede de relações sociais e ao mundo, por meio de ligações fluidas, como as ondas no mar, que são distintas no tempo, mas interconectadas e parte de um mesmo oceano (Swenson, 2016). 

 4) Impermanência. A natureza da realidade é ser impermanente. Entender esse conceito em profundidade pode ser transformador, ajudando a aliviar nosso sofrimento e nosso estresse. Emoções, pensamentos, ações e situações mudam e estão sempre em fluxo de mudança (Swenson, 2016). As emoções passam. Compreender realmente esse conceito pode diminuir a dor de uma crise e aumentar a tolerância diante dela, tendo em vista que a situação de crise não será eterna, ainda que se tenha essa sensação. Do mesmo modo, uma emoção agradável seguirá seu curso, já que nenhuma emoção é eterna. Cada momento é único e a mudança/impermanência é inevitável.

5) As coisas são perfeitas como são. Esse conceito pode parecer provocativo inicialmente. De fato, a ideia aqui não é considerar que o mundo é justo e que aprovamos tudo. Esse princípio convida-nos a considerar o quanto as coisas são o que são, uma vez que são o resultado de tudo o que aconteceu anteriormente. Tudo o que está posto hoje é resultado do que veio antes (Swenson, 2016). Não temos como mudar o passado e o passado também foi causado pelo que veio antes. Dessa forma, enquanto aceitamos que a realidade é o que é e não poderia ser diferente, considerando o que levou à essa realidade, a nossa ação hoje tem uma enorme importância, pois é um fator determinando o que virá depois. O que fazemos hoje importa e terá influência sobre a realidade em processo e o amanhã. 

Desejo que essas ideias gerem boas reflexões a todos na sua jornada de crescimento. Aos terapeutas recomendo a leitura de Swenson (2016): “DBT Principles in Action” para aprofundar o entendimento sobre esses e outros princípios que compõem a DBT. Até a próxima!

*Assim como deixamos claros os pressupostos do treinamento de habilidades (por exemplo, com o uso da ficha geral 4 – veja no Manual de Treino de Habilidades para o paciente, de Linehan, 2018), com o mesmo intuito costumo disponibilizar o conteúdo do texto acima para os pacientes lerem em casa, refletirem e, então, discutimos esses conceitos em sessão. Esses “pressupostos” podem ser desafiadores, convidando ao uso de flexibilidade psicológica.

Referências:

Linehan, M.M. (2018). Treinamento de Habilidades em DBT – Manual de Terapia Comportamental Dialética para o Paciente (2nd ed.). Porto Alegre: Artmed.

Swenson, C. S. (2016). DBT Principles in Action: Acceptance, Change, and Dialectics. New York/London: The Guilford Press.

Welch, S. S., Rizvi, S. & Dimidjan, S. (2006). Mindfulness in Dialectical Behavior Therapy (DBT) for Borderline Personality Disorders. Em: Mindfulness-based treatment approaches: clinician’s guide to evidence-base and applications. Elsevier, Academic Press.

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