Partindo das premissas da Análise do Comportamento, a FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991) propõe que o terapeuta intervenha sobre os comportamentos do cliente em sessão para promover mudanças clínicas. A evocação de comportamentos possui papel essencial nesse processo, como discutiu Vartanian (2017). Nesse estudo, em delineamento experimental de caso único, os comportamentos de melhora ocorreram em maior porcentagem do que os problema quando a terapeuta se utilizava da evocação direta em sessão. Diante desses dados, a autora também discutiu a FAP à luz da tríplice contingência (Skinner, 1953), sendo que enquanto a consequenciação de comportamentos insere-se como estímulo consequente, a evocação estabelece-se como a apresentação de estímulos antecedentes para a emissão de comportamentos do cliente.
A proposta do presente artigo é a discussão de um caso clínico, traçando a rota desde os encontros iniciais, a definição da conceituação de caso do cliente, estabelecimento de metas psicoterapêuticas e como, com base nessas informações, o terapeuta FAP pode se utilizar da evocação como forma de produzir mudanças nos comportamentos do cliente em sessão.
Caso clínico
Helena chegou para o primeiro atendimento muito agitada e com um grave quadro de ansiedade. Já na primeira sessão a empatia ocorreu de forma imediata diante dos relatos de problemas familiares, ausências do pai e conflitos com irmãos. Com o passar das sessões, o impacto sobre a terapeuta foi se alterando. Conforme os relatos de conflitos e dificuldades familiares prosseguiam, menos a terapeuta se sentia capaz de ajudar Helena e a sensação de distanciamento com relação à cliente foi-se acentuando mesmo diante de relatos de eventos graves.
Levando em consideração essa mudança da empatia extrema para o distanciamento que ocorreu ao longo das primeiras sessões com Helena, a terapeuta começou a se perguntar quais as contingências em sessão que poderiam estar produzindo tais impactos. A cliente vinha de um contexto familiar que promovia competição entre os três irmãos pela atenção dos pais. A mãe comparava repetidamente o desempenho dos irmãos em atividades acadêmicas e também em tarefas cotidianas. “Por que você não limpa a casa como sua irmã?”, “Seu irmão é inteligente e não precisa estudar tanto como você pra passar de ano”, “Sua irmã é a única que tem talento musical” eram frases que Helena escutava desde a infância. Da mesma maneira, os irmãos também passavam por essa comparação, de forma que os três passaram a competir por espaço e a tentar desempenhar suas atividades da forma mais “correta” possível.
Em outros aspectos, o contexto familiar era turbulento, com muitos conflitos e rupturas familiares. Helena aprendeu desde cedo que para conviver nessa família ela precisaria desempenhar seu papel conforme as expectativas familiares e, caso não desempenhasse, isso precisaria ser escondido a todo custo. Desenvolveu um repertório verbal sofisticado e aprendeu a comunicar amplamente seus sucessos e a esconder ao máximo aquilo que teria qualquer possibilidade de ser reprovado.
A terapeuta começou a perceber o alto custo que era para Helena manter a aparência de alguém que faz tudo certo. Ela mantinha alto desempenho acadêmico, procurando manter-se em grupos com status intelectual elevado, era muito organizada, auxiliando nas tarefas domésticas e mantinha-se presente nas reuniões familiares. Entretanto, sob a aparência de um desempenho impecável, Helena vinha sofrendo em silêncio com sintomas físicos como gastrite, enxaquecas, taquicardia, além de ter dificuldade em cumprir com as atividades acadêmicas e crises de choro frequentes.
Em sessão, a cliente trazia relatos sobre eventos do ponto de vista de terceiros, expressando poucos sentimentos e pensamentos próprios. Relatava seus comportamentos como adequados e se implicava pouco para mudança nos contextos negativos. A terapeuta avaliou que foram esses comportamentos da cliente em sessão que produziram em um primeiro momento o sentimento de empatia, mas que, com o passar das sessões, distanciaram a terapeuta. Assim, a hipótese levantada era a de que provavelmente esse repertório de Helena também produzia esse efeito em outras pessoas de sua convivência, afastando as pessoas e demandando alto custo para a cliente, além de favorecer os sintomas de ansiedade. As respostas da classe de esquiva de reprovação social (Tabela 1) dificultavam o estabelecimento de vínculos de intimidade e, portanto, essa poderia ser uma classe de comportamentos problema a ser trabalhada com a FAP.
Tabela 1 – Análise funcional molar da classe de Esquiva de reprovação social
Antecedentes | Respostas | Consequentes |
Análise Molar | ||
Situações que sinalizam possível reprovação social | – Manipula (coerção sutil):
ü Manipula discurso: edição, autoclíticos, mudança sutil de assuntos, mudança de tom de voz ü Engaja-se em comportamentos voltados para obter coisas que deseja, utilizando como meio os relacionamentos interpessoais |
Pessoas concordam com ela e fazem coisas por ela (R+)
Esquiva de sofrer reprovação (R-) Esquiva de entrar em contato com sentimentos e pensamentos aversivos (R-) Pessoas se aproximam no curto prazo (R+) e se afastam no médio e longo prazos (P-) |
Com base nessa conceituação de caso da cliente, a terapeuta definiu como meta psicoterapêutica alguns comportamentos de melhora que Helena deveria emitir em sessão. A Tabela 2 indica algumas respostas que a cliente emitia e que faziam parte da classe de comportamentos problema e também aponta os comportamentos de melhora, os quais foram definidos como a meta a ser atingida. Assim, a terapeuta embasou-se na conceituação de caso para definir as intervenções que conduziria. Para tanto, estabelecer metas claras de comportamentos que Helena deveria emitir em sessão (comportamentos de melhora) foi essencial para a condução das sessões com base na FAP.
Tabela 2 – Exemplos de respostas integrantes da classe de Esquiva de reprovação social e de respostas definidas como metas psicoterapêuticas
Comportamentos problema em sessão parte da classe de Esquiva de reprovação social | Comportamentos de melhora (metas psicoterapêuticas) |
Falar de coisas que faz/fez ou que pensa/pensou que são socialmente bem vistas e valorizadas, comparando isso a pessoas que não fazem/pensam da mesma forma Falar sobre algo bom como se fosse ruim e vice-versa ou destaca característica ruim em algo bom e vice-versa Falar com incoerência entre o relato e a expressão de sentimentos Falar dos próprios sentimentos por meio de relatos de sentimentos de outros |
Falar de coisas que faz/fez ou que pensa/pensou descrevendo sua importância para si mesma, sem comparação com outras pessoas
Relatar de forma coerente com a expressão de sentimentos negativos Descrever ou expressar sentimentos negativos Expressar sentimentos em relação à terapeuta e ao processo de terapia Fazer pedidos à terapeuta
|
Considerando-se a evocação como a apresentação de estímulos antecedentes para a resposta do cliente em sessão (Vartanian, 2017), a seguir, serão apresentados alguns trechos das sessões com Helena em que a terapeuta utilizou-se da evocação direta como forma de produzir comportamentos de melhora em sessão.
Terapeuta: Vamos falar um pouquinho dessa cobrança então. Que que é essa cobrança da Helena com a Helena? (Evocação – estabelecer ocasião para cliente falar de seus sentimentos e dificuldades)
Helena: [rindo] É coisa da minha cabeça (Comportamento problema)
Terapeuta: E o que seria isso? (Evocação – reapresentação do estímulo)
Helena: Eu não sei, eu faço isso naturalmente. Não é uma coisa assim “eu vou desencanar disso”, eu não consigo desencanar. Eu fico “Ahhh” martelando (Comportamento de melhora – cliente começa a descrever o incômodo que sente)
Terapeuta: Entendi. Então me fala, o que você acha que é o fracasso pra você? (Evocação – estabelecer ocasião para cliente falar sobre situações de erro)
Helena: O fracasso? Eu acho que é fazer o que você não gosta… fazer o que você não gosta, ter que voltar tudo… não, voltar do zero não, voltar do zero você tá começando, você tá fazendo alguma coisa… sei lá (Comportamento problema – cliente busca uma frase socialmente aceitável para o que é o fracasso)
Terapeuta: Pergunta difícil? (Evocação – terapeuta coloca cliente em contato com o incômodo de não possuir a resposta)
Helena: É, é uma pergunta meio profunda né? (Comportamento de melhora – cliente demonstra não saber responder algo)
Terapeuta: E você tá um pouquinho desanimada ou é impressão minha? (Evocação – estabelecer ocasião para cliente falar de seus sentimentos e dificuldades)
Helena: Eu tô meio sem voz, minha voz tá meio “zuada” (Comportamento problema)
Terapeuta: Não é desânimo, é doença, é isso? (Evocação – reapresentação do estímulo)
Helena: É tosse, é tosse que eu acho que tá ruim… (Comportamento problema)
Terapeuta: Mas tá batendo o desânimo? Como é que você tá? (Evocação – reapresentação do estímulo)
Helena: Eu tô bem desmotivada, bem desanimada (Comportamento de melhora)
Terapeuta: E como é que você tá com isso? (Evocação – estabelecer ocasião para cliente falar de seus sentimentos)
Helena: Não estou conseguindo dormir (Comportamento de melhora)
Conclusão
Evocar comportamentos de melhora é parte importante do processo terapêutico promovido pela FAP. Como qualquer processo psicoterapêutico, é essencial que as metas sejam bem estabelecidas e revisadas quando necessário. O caso clínico descrito buscou ilustrar que como o terapeuta define a melhor forma de conduzir a sessão FAP está diretamente ligado a uma clara conceituação do caso em termos comportamentais, além de um raciocínio clínico que conduza a meios para atingir as metas psicoterapêuticas. Dessa maneira, a utilização dos princípios comportamentais em sessão pode produzir mudanças no repertório dos clientes que buscam atendimento.
REFERÊNCIAS
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: a guide for creating intense and curative therapeutic relationships. NY: Plenum.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. NY: MacMillan Company.
Vartanian, J. F. (2017). Efeitos da evocação sobre os comportamentos clinicamente relevantes na Psicoterapia Analítica Funcional. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, SP.