DBT no Pronto Socorro: Planos de emergência num hospital americano

Uma das maiores contribuições que a Terapia Comportamental Dialética (DBT) fez no campo da saúde mental, além de oferecer a oportunidade de construir uma vida melhor à pessoas que sofriam emocionalmente, foi facilitar a diminuição da frequência com que pacientes procuravam pronto socorros em busca de avaliações psiquiátricas durante crises emocionais e internações de longo prazo (Linehan, Comtois, Murray, Brown, Gallop, Heard, et al., 2006). A DBT criada pela Dra. Marsha Linehan, parece ajudar não só as pessoas em sofrimento, mas também ajuda todo o sistema de saúde mental a funcionar melhor.

Durante 6 anos, trabalhei como psicoterapeuta no departamento de infância e adolescência da psiquiatria comunitária do sistema de hospitais Johns Hopkins em Baltimore nos Estados Unidos. Lá tive a oportunidade de participar do nascimento e desenvolvimento do programa de DBT da clínica e ver em primeira mão como a aplicação desse modelo beneficia pacientes em todos os níveis de cuidados psiquiátricos. Além da clínica ambulatorial, tive a oportunidade de trabalhar por 3 anos como avaliadora psiquiátrica no pronto socorro geral do Hospital, onde recebíamos diariamente pacientes de diferentes tipos, inclusive os que já faziam acompanhamento ambulatorial, que em momentos de crise, procuravam os serviços emergenciais. A regra nos Estados Unidos é, “se você tem ideias de querer se matar e não acha que pode se manter seguro, procure o pronto socorro mais próximo, lá eles te ajudarão e você será avaliado por um psicoterapeuta ou psiquiatra treinado”. Muitas vezes eu mesma falei isso para meus pacientes, assim como seguia o protocolo da comissão conjunta de regras de saúde americana, que exigia que a mensagem na secretaria eletrônica do meu consultório obrigatoriamente desse essa orientação. Frequentemente, no meu emprego secundário, era eu também quem recebia esses pacientes no pronto socorro. Uma coisa que posso dizer é que aprendi muito atuando nos dois extremos desse espectro. Oferecer ajuda a longo prazo num setting ambulatorial e estar no outro lado, avaliando se uma pessoa que conheci apenas há algumas horas tem ou não condições de decidir se ela deve ou não ser internada psiquiatricamente, dá muita vazão à atuação do psicoterapeuta por lá. Trabalhar com emergências psiquiátricas certamente nos obrigada a constantemente treinar e aprimorar nossas habilidades de psicodiagnóstico.

De fato, inúmeras foram as vezes em que pacientes em tratamento ambulatorial apareciam no PS tarde da noite ou nos finais de semana, quando a clinica estava fechada, buscando alívio para seus sofrimento emocionais. Sendo ou não um paciente que eu conhecia, a busca por ajuda era real e urgente.

A troca de informações entre profissionais era um hábito corriqueiro e muitas vezes extenuante, para profissionais e pacientes. Quando se trabalha num grande centro hospitalar, que oferece serviços em todos os níveis – ambulatorial, parcial, hospital dia e enfermaria – o mínimo esperado é que haja comunicação entre setores. Na prática, fazer isso funcionar pode ser bem mais difícil, ainda mais se não houver uma organização e padronizarão de como isso deve ser feito; sem um modelo as informações se perdem. No entanto, quem perde mesmo é o paciente.

Com o crescimento e aperfeiçoamento da clinica de DBT em nosso departamento, percebemos a necessidade e desenvolvermos um sistema de plano emergencial àqueles pacientes ambulatoriais que mais procuravam o PS. Nesse plano, eram incluídos, além do paciente, o psicoterapeuta primário, o psiquiatra, o plantonista – aquele que fica à disposição via telefone fora do horário comercial – bem como os avaliadores psiquiátricos da emergência. O plano era formulado entre terapeuta e paciente, identificando principais comportamentos problemas, vulnerabilidades e gatilhos recorrentes, habilidades desenvolvidas e em desenvolvimento, principais soluções possíveis e comportamentos chaves. Pacientes que, por acaso, ainda necessitavam procurar o PS em crise, eram orientados a informar o avaliador que possuíam um plano de emergência. O plano era compartilhado no sistema eletrônico interno e todos os profissionais envolvidos teriam acesso. Isso facilitava a objetividade do tratamento, bem como diminuía o tempo em caso de visitas aos serviços emergenciais. Um serviço extra de atendimento de urgência também foi criado no próprio ambulatório. Pacientes que estavam em crise, mas não conseguiriam ver o terapeuta ou psiquiatra nos próximos dias devido à dificuldades de agendamento, eram então atendidos no próximo dia comercial pela coordenadora clinica, que poderia intervir de acordo com a emergência. Entretanto, mais do que tudo isso, parecia que o simples desenvolvimento do plano de emergência diminuía a necessidade dos pacientes de recorrem aos serviços adjacentes. Basicamente, o que percebíamos era que os pacientes que possuíam planos emergenciais em DBT, pareciam procurar menos o pronto socorro.

Em muitas reuniões da equipe de consultoria foram discutidas questões para explicar o fenômeno: Planos de emergências são primordiais? Pacientes se sentem menos em perigo? Diminuiu-se a frequência de episódios de crise? Eles se sentem mais preparados para enfrentar os problemas? Ou talvez: O sistema ficou mais complicado? Eles deixam de ir ao PS por conta de dificuldade em acessar os serviços emergências? Esses pacientes, abandonam o tratamento? – num ambiente acadêmico como a Johns Hopkins, todas as possibilidades são consideradas. Ninguém quer só encontrar modelos perfeitos de tratamento, mas sim modelos que funcionam, e para isso, as vezes, é preciso dar atenção ao que pode estar dando errado.

De qualquer maneira, na minha experiência atuando nos dois lados do espectro, como psicoterapeuta e avaliadora psiquiátrica, minha impressão é de que pacientes se sentiam mais envolvidos em seu tratamento, mais conscientes de como funcionavam, aceitavam mais suas limitações e sua maneira de ser e agir, se responsabilizavam e se comprometiam mais com sua recuperação e consequentemente, como terapeuta, eu me sentia muito mais próxima e aberta a aceitar e compreender aqueles que eu tratava. Todos os envolvidos, pacientes e profissionais, éramos como uma (grande) equipe trabalhando com o mesmo objetivo: uma vida que valesse à pena.

Referencias:

Linehan M.M., Comtois K.A., Murray A.M., Brown M.Z., Gallop R.J., Heard H.L., et al. (2006). Two-year randomized controlled trial and follow-up of dialectical behavior therapy vs therapy by experts for suicidal behaviors and borderline personality disorder. Arch Gen Psychiatry

Andion O., Ferrer M., Matali J., Gancedo B., Calvo N., Barral C., et al. (2012). Effectiveness of combined individual and group dialectical behavior therapy compared to only individual dialectical behavior therapy: a preliminary study. Psychotherapy . Psychotherapy (Chic). Jun;49(2): 241-50. doi: 10.1037/a0027401

Bohus M., Dyer A.S., Priebe K., Kruger A., Kleindienst N., Schmahl C., Niedtfeld I., Steil R. (2013). Dialectical behavior therapy for posttraumatic stress disorder after childhood sexual abuse in patients with and without borderline personality disorder: A randomized controlled trial. Psychotherapy and psychosomatics. Psychother Psychosom. 82(4): 221-33. doi: 10.1159/00034845

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Escrito por Monique Vardi-Pinheiro

Psicóloga Clínica, licenciada como psicoterapeuta no Brasil e nos Estados Unidos. Trabalhou por 6 anos no Departamento de Psiquiatria Comunitária do Hospital Johns Hopkins e como 3 anos como avaliadora psiquiátrica no pronto socorro do mesmo Hospital. Foi psicóloga Clínica no Hospital Dia Infantil do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e completou o Treinamento em Terapia Comportamental Dialética pelo The Linehan Institute/Behavioral Tech. Hoje atua com psicóloga em consultório particular na clínica HMC em Manaus - AM, Coordena o Núcleo PlenaMente e é sócio fundadora da DBT Amazônia.

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