Por que a reunião de consultoria de equipe é tão importante na DBT?

    Usualmente, a atuação do profissional da saúde, mais especificamente do psicólogo ou do psiquiatra clínico, é solitária. Muitos desses profissionais dedicam-se ao atendimento de clientes diariamente, tendo pouco tempo para, inclusive, conversar com colegas. Essa rotina também pode ser a realidade de profissionais que trabalham com foco em ajudar pessoas com intenso sofrimento, tais como desregulação emocional, muitas vezes expresso em comportamentos autolesivos ou suicidas. Mas para quem trabalha com a Terapia Comportamental Dialética (DBT), essa rotina solitária não funciona para ajudar a si e aos clientes a terem vidas valiosas. É aí que entra a necessidade das reuniões de consultoria.

    A ideia básica de trabalho na DBT é de que somos uma comunidade de terapeutas trabalhando com uma comunidade de clientes. E essa premissa de “comunidade” deve ser colocada em prática. Envolve colaboração, dedicação, doação, debate para o bem-comum (mas não necessariamente concordar em tudo para evitar o conflito). Trabalhar com clientes com intenso sofrimento, que muitas vezes podem demandar mais frequente e intensamente atenção por parte do(a) profissional, requer uma atitude profissional diferente, muito mais colaborativa e aberta a análises e incentivos.

    É possível fazer DBT sozinho, mas desconheço evidências de que dessa forma a terapia funcione. Essa terapia será muito mais efetiva para o cliente e para o terapeuta se o(a) profissional estiver vinculado(a) a uma equipe (e como estamos tratando de situações de elevado risco a condutas suicidas dos(as) clientes, quanto mais efetivas forem nossas intervenções, melhor). Uma Equipe de DBT é formada por profissionais da saúde mental que utilizam a DBT como método de tratamento para seus(suas) clientes. Uma equipe não é um “clube” ou uma “sociedade”, em que muitos agentes podem estar passivamente participando; é uma “comunidade” e, por isso, requer atividade, comprometimento com a equipe e com a DBT, além de encontros regulares. E o nome dado a esses encontros regulares é Reuniões de Consultoria (ou Reuniões de Consultoria de Equipe).

    Uma reunião de consultoria não é uma terapia grupal. Ou seja, não é função dessa reunião tratar comportamentos alvos dos terapeutas que influenciam em suas metas de vida e profissionais. Tampouco é uma reunião para desabafo do quão desgastante está sendo tratar determinado(a) cliente. Por outro lado, também não é uma reunião de supervisão, em que se apresenta um caso para os demais profissionais e pede auxílio no manejo do caso. A função dessas reuniões é manter a motivação do terapeuta e dos demais profissionais no tratamento de um caso e auxiliar para a adequada aplicação da DBT na vida e na atuação profissional dos integrantes da equipe.

    Ainda que possa ser um tabu, a desmotivação em atender um cliente é uma realidade e pode aparecer principalmente nos atendimentos em que o terapeuta não tem seus comportamentos de atenção e foco na mudança reforçados pelo(a) cliente, bem como quando seus limites são infringidos. Realmente não há nenhum problema em reconhecer a desmotivação em atender o(a) cliente. Mas esses(as) clientes precisam ser atendidos de forma efetiva mesmo assim. (Bem dialético…). E é função da equipe auxiliar na manutenção dessa motivação do(a) terapeuta, ajudando-o(a) para que ele(a) respeite seus limites pessoais e dirimindo possíveis julgamentos que o(a) terapeuta pode ter do(a) cliente, além de, se necessário, buscar uma análise de soluções para que a desmotivação não seja algo recorrente no tratamento.

    Além de manter a motivação em casos que podem não ser motivadores (devido a ausência de reforço e a presença de punições por parte do(a) cliente), é função da reunião auxiliar os integrantes da equipe a fazerem o melhor possível da DBT, seguindo os princípios e estratégias dessa terapia. Aqueles que estão em contato com a DBT sabem que ela não é uma terapia fácil de ser aplicada. Requer, realmente, bastante estudo, treino, dedicação, supervisão. Há três princípios (Aceitação, Mudança e Dialética) e dentro de cada princípio, uma série de estratégias… Reconhecer a “dança dos princípios” no decorrer da sessão, para, a partir disso, decidir qual estratégia utilizar, não é uma tarefa simples. E por estarmos imersos no caso, podemos não estar vendo algo que pode ser importantíssimo para o direcionamento à mudança e a uma vida valiosa por parte do(a) cliente (e do(a) terapeuta). Aí está mais uma função essencial da equipe nessa reunião: ajudar para que a DBT esteja realmente sendo utilizada no tratamento.

    Não se mantém a motivação do(a) terapeuta e a adequada aplicação da DBT apenas com o suporte de reuniões eventuais. É indispensável uma periodicidade regular e semanal da reunião de consultoria. Afinal… são alguns profissionais reunidos, sendo que cada um atende alguns clientes com comportamentos de elevado risco de morte. Poucas horas eventuais de reunião para manter a motivação e a estrutura da DBT podem ser insuficientes nesse contexto. Recomenda-se que as reuniões tenham de 1 a 2 horas semanais. Existe uma estrutura dessa reunião, que podemos explorar melhor num próximo texto. Mas, em resumo, inicia-se com prática de mindfulness, acordo de consultoria, leitura de ata, casos novos e agenda dos terapeutas (respeitando a hierarquia de alvos primários). Algumas reuniões podem incluir grupo de estudos e reunião administrativa.

    Quero me dirigir agora a quem está começando na DBT, iniciando em uma equipe, ou ainda, que já está em uma equipe, mas as reuniões não estão bem formatadas: para que elas realmente sejam efetivas, levem a sério essas reuniões de consultoria. Por exemplo… se a DBT fosse uma religião, as reuniões de consultoria seriam o culto ou cerimônia. Assim como para um religioso em que essa cerimônia é uma orientação indispensável, a reunião de consultoria é algo equivalente para o(a) terapeuta DBT; assim como num culto há uma estrutura e um rito, a reunião de consultoria também tem um cronograma (justamente para cumprir com sua função, já explicada anteriormente); assim como é necessário participar da cerimônia do início ao fim, na reunião de consultoria também. Por isso é necessário que a reunião ocorra em um momento em que todos da equipe possam participar e que assumam o compromisso de vir a toda a reunião. Faltar a reunião ou atrasar-se a ela são comportamentos que podem comprometer o andamento da equipe (sua motivação e atuação como terapeutas DBT) e, por isso, deve ser avaliados com análises em cadeia – assim como se faz com clientes – na busca de soluções para o problema.

   Reunião de consultoria não é apenas mais uma reunião. É “A reunião”. Ela é fundamental para cumprir com uma das funções da terapia DBT – manter o terapeuta e a equipe alinhados às diretrizes do tratamento – e é considerada um dos modos de atuação do modelo Standard da DBT. Sendo assim, todas as habilidades ensinadas no grupo de habilidades também são necessárias para o melhor andamento da reunião: desde mindfulness (fazendo uma coisa por vez e estando intencionalmente no momento presente, na reunião, por exemplo), regulação emocional (aplicando solução de problemas ou ação oposta, p. ex.), efetividade interpessoal (praticando as estratégias Dear Man, Give e Fast, p. ex.) e tolerância ao mal estar (com aceitação radical da realidade da equipe, p. ex.). Não só as habilidades da DBT são necessárias para a reunião de consultoria, como atentar para a “dança dos processos” entre aceitação, mudança e dialética nas relações entre integrantes da equipe. Observem que a reunião de consultoria é a própria vivência da DBT para os terapeutas, o que torna ela indispensável.

  Minha recomendação, por isso, é que todos que trabalham ou desejam trabalhar com DBT formem uma equipe e mantenham reuniões de consultoria regulares. Elas são o núcleo do sucesso da equipe no tratamento de clientes que sofrem intensamente e devem ser consideradas como tal por todos os integrantes. Se o horário não está bom, troca-se; Se não pode ser presencial, que seja à distância utilizando algum recurso eletrônico; Se há problema de relação entre integrantes, que se apresente esse problema e se utilize habilidades da DBT para resolvê-lo – considerando, inclusive, a troca ou constituição de outra equipe; Se há desmotivação com a participação na reunião, que se faça uma análise em cadeia disso e se busque a solução; Se falta comprometimento, que se refaça os acordos. Os mesmos comprometimentos que exigimos dos clientes valem para nós, profissionais. Então comprometam-se com a DBT e realizem suas reuniões de consultoria, sempre! Existem muitas pessoas que precisam de profissionais para ajudá-las a terem vidas valiosas. E esses profissionais precisam se manter motivados e dentro da melhor terapia possível para ajudá-las. Agora, vocês profissionais, já sabem onde encontrar isso…

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Escrito por Igor da Rosa Finger

Psicólogo (PUCRS). Doutor em Psicologia (PUCRS). Mestre em Psicologia, com ênfase em Psicologia Clínica (PUCRS). Colaborador do Grupo de Pesquisa Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitiva e Comportamental (PUCRS). Treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética (Behavioral Tech/2016). Professor de disciplinas em diversos cursos de formação e especialização brasileiros. Diretor da Vincular. Membro da ACBS.

Curso Terapia Comportamental Dialética (DBT): Teoria e Prática

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