DBT em Harvard: o que aprendi lá. Ou a importância da regulação emocional

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O treino de habilidades é peça central na DBT. Pensando nisso, é difícil não ficar animado ao descobrir que o instituto McLean e o Behavior Tech estabeleceram uma parceria para construir um treinamento voltado especialmente para o treino de habilidades. Para quem não sabe, McLean é o hospital de estudos de transtorno de personalidade borderline ligado à faculdade de medicina de Harvard. E Behavior Tech é o centro de treinamento oficial em DBT, ligado diretamente à Marsha Linehan, criadora da terapia. Ou seja, nomes de peso.

O treinamento aconteceu em três dias intensivos, em Boston. No primeiro dia, foram feitas uma revisão geral de como o treinamento de habilidade se organiza e uma discussão inicial do papel do mindfulness. No segundo e no terceiro dia, um aprofundamento teórico e prático no uso do conjunto de habilidades da DBT e em sua fundamentação teórica.

É difícil resumir em apenas algumas linhas três dias intensos de aprofundamento técnico e teórico. Apenas para termos uma ideia, nesses três dias foram discutidos temas como o papel da terapia individual na generalização de habilidades; a relação entre o modelo biossocial e o trabalho com emoções; o caráter dialético das habilidades; o uso de mindfulness para aumentar amor próprio e compaixão; entre outros.

Cada um desses temas mereceria pelo menos um texto inteiro. Por isso, ao invés de fazer um panorama de tudo o que foi ensinado, achei interessante escolher um tema e discutir ele de forma um pouco mais aprofundada.

Particularmente, me chamou a atenção o lugar que as emoções estão no tratamento feito por grandes maestros da DBT, como por exemplo os professores desse curso Tony DuBose e Alan Fruzzetti.

Se prestamos atenção no modelo Biossocial proposto por Linehan (1996), sabemos que por detrás dos comportamentos caóticos das pacientes borderline está uma poderosa desregulação emocional. Dessa forma, o trabalho com emoções é central na DBT. Ainda assim, é interessante notar o quanto os terapeutas tendem a conversar em suas sessões – ao invés de trabalhar emoções. Um dos professores do curso, Alan Fruzzetti, repetiu algumas vezes que a DBT não acredita em cura pela fala. Ao contrário, é uma tentativa de trabalhar desregulação emocional com um conjunto de habilidades que deve melhorar o repertório de auto-regulação, a capacidade de se expressar de forma precisa (e não invadida pela emoção), ou mexer na relação do indivíduo com os estímulos que evocam essas emoções.

Por exemplo, eu posso ensinar meu cliente com problemas conjugais a lidar com as suas emoções ao se deparar com uma meia jogada no chão. Posso ajudá-lo a lidar antes mesmo de se estressar (cope ahead). Ou posso treinar com ele como fazer um pedido para sua esposa guardar suas meias, sem que as coisas se transformem em brigas e ofensas. Com a habilidade chamada  DEAR MAN, por exemplo, podemos treinar uma maneira efetiva de pedir que ela guarde as meias no saco de roupa suja. Por fim, posso ajudar ele a observar a situação sem realizar julgamentos (mindfulness). Assim, quem sabe,  uma meia no chão pode voltar a ser apenas uma meia no chão. (E não uma grande falta de respeito, como ele avalia).

O fantástico é verificar, vendo grandes nomes da DBT atendendo, como esse treino se desenrola. Imagine uma paciente que é invadida por vergonha.

Imagine que essa vergonha se transforme em raiva de sim mesma (“eu não sirvo para nada”) e em autolesões. Uma terapia focada em comportamento verbal e em análise de contingências TALVEZ se contentasse em ajudar a paciente a entender o que está acontecendo. Uma terapia focada em desregulação emocional e em uso de habilidades verificaria que reconhecer a emoção de vergonha durante a sessão talvez seja mais importante.

Nesse segundo contexto, reconhecer o que fazer com emoções desreguladas (e.g., ação oposta) é fundamental. E, por isso, esse terapeuta tentaria garantir que a paciente envergonhada contasse os eventos da semana com os braços abertos e olhando nos seus olhos. Afinal, ação oposta – olhar nos olhos quando com vergonha, por exemplo – é uma habilidade de regulação emocional central para DBT. Feito isso, discutir e entender a situação pode ser feito de uma maneira muito mais efetiva.

Em filmes e séries o psicólogo brilhante é aquele que dá grandes insights para o seu paciente. Em DBT o/a terapeuta brilhante é aquele que traz a emoção à tona e dá as ferramentas para que a/o cliente seja capaz de lidar com essa emoção no futuro. O/A terapeuta DBT no auge, é aquele que reconhece o momento a momento e escolhe a habilidade essencial para ser ensinada, fortalecida e cuja a generalização precisa ser garantida. Ou seja, não é o insight a peça central – é o que fazemos com e emoção e como ensinamos os pacientes a lidarem com essa emoção daqui para frente.

 

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Escrito por Dan Josua

Possui graduação em Psicologia pela PUC-SP e mestrado em Psicologia Clínica pela mesma universidade. Completo o treinamento em Terapia Comportamental Dialética pelo The Linehan Institute/Behavioral Tech em 2016.

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