A DBT nos serviços de saúde pública no Canadá: diferentes modelos

No Canadá, onde estou residindo, existem vários serviços de saúde pública que oferecem a Terapia Comportamental Dialética (DBT). A absorção da DBT nesses serviços assume formas variadas e distintas do modelo completo elaborado por Marsha Linehan. Hoje, apresentarei alguns programas de DBT oferecidos na saúde pública canadense, muitos em parceria com universidades. Ainda nesse mês publicarei no Comporte-se uma descrição daquele que parece ser o único programa completo de DBT na saúde pública do Canadá e as dificuldades que tiveram que ser vencidas para a sua criação.

Para iniciar, gostaria de contextualizar que o Canadá é dividido em diversas províncias, e cada uma delas possui grande independência administrativa e legislativa, de modo que os serviços de saúde podem ser muito diferentes de uma para a outra. Por isso, é bastante complicado saber com precisão sobre toda a variedade de serviços de saúde mental oferecidos no país. Não existe, por exemplo, um website dos serviços de saúde do Canadá como um todo, já que cada província possui um sistema de saúde independente. Apesar disso, tentarei dar uma ideia para o leitor sobre o que é oferecido em termos de serviços de DBT na saúde pública.

Na província de Alberta, a cidade de Edmonton oferece um programa breve de DBT, com 14 semanas de grupo de habilidades para pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Os pacientes podem chegar ao programa mediante encaminhamento, quando for constatado o diagnostico de TPB por algum profissional, normalmente o médico de família da atenção básica. Além disso, o programa oferece um grupo de regulação emocional para pessoas com traços de personalidade borderline, mas que não preenchem critérios para o diagnóstico do transtorno.

Em Winnipeg, na província de Manitoba, há um serviço de tratamento breve, em parceria com a Universidade de Manitoba. O programa oferece um tratamento intensivo de cinco dias consecutivos, em regime ambulatorial (hospital-dia), com o tratamento constituído basicamente de grupos com elementos de DBT e TCC. Para médio e longo prazo, o programa oferece grupos de treino de habilidades ao longo de um ou dois anos.

Na província de Quebec, o sistema de saúde, em parceria com a Universidade McGill, oferece um programa para pacientes com TPB com alguns elementos de DBT. O tratamento breve consiste em 12 semanas, com terapia individual e grupo. Já o tratamento extensivo tem módulos de seis meses, podendo se estender por no máximo de dois anos.

Nesses exemplos podemos ter uma ideia de diferentes formas pelas quais a DBT se faz presente em serviços de saúde mental públicos destinados a pacientes com o diagnóstico de TPB ou com sintomas específicos de desregulação emocional. Sobretudo, observamos adaptações do modelo da DBT na absorção dessa abordagem de tratamento pelos serviços de saúde.

Um outro trabalho muito interessante consiste na adaptação transcultural da DBT para a população indígena. Esse trabalho foi liderado pelo Dr. Laurence Katz, um psiquiatra infantil com extensa formação em DBT, responsável pelo programa de DBT em Winnipeg, citado anteriormente. Além da adaptação transcultural da DBT, Dr. Katz promoveu o treinamento de trabalhadores de saúde mental das comunidades para que eles pudessem prover os serviços diretamente. Manitoba é a província com maior porcentagem de população indígena (17%, Statistics Canada, 2017). Essa população sofreu uma ruptura cultural acentuada ao longo de décadas devido a um programa do governo que consistia na retirada das crianças indígenas de suas famílias para que vivessem em internatos, a fim de inseri-las na cultura dominante. Muitos descentes dessas gerações de indígenas atualmente sofrem com problemas psicossociais.

Embora Linehan (2010) e sua equipe de treinamento defendam que a DBT seja realizada no modelo standard, ou completo, estudos com elementos e adaptações da DBT se propagam (por exemplo, Choi-Kain, Finch, Masland, Jenkins & Unruh, 2017; Stoffers et al., 2012). Em termos de pesquisa, há uma tendência natural de estudar partes da DBT isoladamente, especialmente o treino de habilidades em diferentes contextos e formatos (Stoffers et al., 2012), o que é positivo, pois amplia as possibilidades da DBT em ambientes diversos (Pederson, 2015). Contudo, o foco em mais estudos sobre o modelo standard também é importante, pois é a maneira de conferir mais robustez à evidencia científica em favor da DBT para o tratamento do TPB (Stoffers et al., 2012).

Essa discussão é importante uma vez que a chegada da DBT em diferentes países, como no caso do Canadá, costuma vir marcada de adaptações à cultura local e, principalmente, de adaptações à capacidade dos serviços de atendimento à saúde mental de absorver o modelo de DBT. Se, por um lado essas adaptações deixam visível muitas das necessidades que a implementação de um modelo tão complexo quanto o standard DBT exige, pelo outro, precisamos ficar atentos à repercussão dessas adaptações sobre a qualidade do serviço oferecido, no final das contas.

Por isso, em breve apresentarei uma publicação sobre o programa completo de DBT (com terapia individual, grupo de treino de habilidades, coaching telefônico – e muito mais!) no serviço publico de saúde da cidade de Calgary, em Alberta. E quem sabe, dividindo ideias e somando esforços, possamos em breve construir programas gratuitos de DBT em serviços de saúde pública no Brasil, como já ocorre no Canadá.

 

Referências

Choi-Kain, L. W. , Finch, E. F. Masland, S. R., Jenkins, J. A. & Unruh, B. T. (2017). What Works in the Treatment of Borderline Personality Disorder. Current Behavioral Neuroscience Reports, 4 (1), pp. 21-30. doi: 10.1007/s40473-017-0103-z.

Linehan, M . M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. (R. C. Costa & M. O. Pereira, Trad.). Porto Alegre: Artmed. (Original publicado em 1993).

Pederson, L. (2015). Dialectical Behavior Therapy: a Contemporary Guide for Practitioners. Chichester, West Sussex; Hoboken: Wiley Blackwell.

Statistics Canada (2017). Aboriginal Peoples: Fact Sheet for Manitoba. Recuperado em http://www.statcan.gc.ca/eng/start

Stoffers, J. M., Volm, B. A., Rocker, G., Timmer, A., Huband, N., & Lieb, K. (2012). Psychological therapies for borderline personality disorder. Cochrane Database of Systematic Riviews, 2012 (8). doi: 10.1002/14651858.CD005652.pub2.

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