Por que mudar é tão difícil? Uma análise acerca da resistência à mudança

Você já percebeu que algumas coisas na sua vida não estão indo conforme esperado e sabe que talvez fosse importante mudar? Amigos, talvez, já lhe disseram que seu relacionamento ou trabalho não está fazendo bem. Talvez você saiba que seus hábitos estão gerando sofrimento a longo prazo, mesmo que a curto prazo esteja tudo aparentemente bem. “E se eu tomar este outro caminho, será que vai dar certo? Melhor não arriscar”, você pode ter pensado. Ainda assim, por que é ou foi tão difícil mudar? Seria este um fato isolado ou generalizado? Como isto acontece na terapia e por que mesmo que você tenha buscado ajuda para mudar, realizar de fato isto é tão difícil e/ou doloroso. E você, enquanto terapeuta, como você lida com as dificuldades de seus clientes em mudar, e principalmente com a necessidade de se transformar em decorrência dos processos naturais que ocorrem em terapia?

Grande parte do que se ouve e lê em Psicologia sobre resistência é um malgrado ao cliente, algo que interfere no processo terapêutico (Guilhardi, 1998) e deve ser retirado, tal qual um melanoma deve ser extirpado pelo cirurgião oncológico. Na clínica comportamental, em especial nas terapias comportamentais contextuais, como a FAP, a coisa pode se apresentar de um modo pouco diferente (Tsai et al., 2008). Leia e entenda este ponto de vista!

Resistência à mudança

Ao buscar um apoio psicoterapêutico uma dada pessoa carrega demandas, metas e dificuldades que gostaria que fossem trabalhadas na terapia. As metas podem ser bastante variadas, sendo estas dificuldades interpessoais, ou até mesmo a sensação de que a vida parece estar travada. Inicialmente, o terapeuta comportamental deve operacionalizar as queixas de seu cliente buscando compreender quais os contextos difíceis que este enfrenta e principalmente de que forma o cliente interage com estes contextos (Holman, Kanter, Tsai, Kohlenberg, & Hayes, 2017). Esta última análise, embora simples, é parte nuclear da análise funcional e traz respostas importantes acerca de como um determinado cliente lida com as questões do seu dia a dia e das variáveis que mantém um padrão comportamental.

Barreiras criadas a partir de um padrão coercitivo de contexto.

Para a análise do comportamento, uma determinada ação deve ser compreendida justamente a partir da interrelação do sujeito com o seu ambiente – o sujeito modifica o ambiente e é modificado por este (Skinner, 1953). Desta forma o conjunto de comportamentos de um dado sujeito, chamado repertório comportamental, deve ser compreendido a partir da relação histórica com os contextos de vida. Por exemplo, um padrão contextual baseado em coerção pode  modelar padrões de comportamento correlatos a quadros de depressão (Ferster, 1973), ansiedade (Skinner, 1953) e desregulação emocional (Linehan, 2010), dentre outros, que interferem no repertório capaz de mudar um dado contexto (Miller & Seligman, 1975; Sidman, 2011). O sujeito que aprendeu, principalmente, a lidar com ataques (e.g., críticas constantes de forma agressiva, invalidações) nas relações próximas, por exemplo, pode responder sempre esperando um ataque em contextos sociais, podendo até mesmo ter dificuldade em discriminar se um determinado contexto é seguro ou não. Geralmente são padrões interpessoais como este que aparecem nas demandas de clientes da terapia comportamental, e as metas estão majoritariamente associadas à mudança na forma de lidar com os contextos-problema (Guilhardi, 1998; Holman et al., 2017).

A FAP é uma terapia baseada em uma audiência reforçadora, portanto não-punitiva.

Uma das características desta modalidade de psicoterapia é a instância do terapeuta como uma audiência não-punitiva (Skinner, 1953; Tsai et al., 2008). A correção coercitiva, o julgamento e a crítica dão lugar para uma interação segura para o cliente, predominantemente reforçadora (Holman et al., 2017). Ocorre que se um determinado cliente viveu padrões aversivos em suas relações ele vai levar isto à terapia (Tsai et al., 2008). Ele vai se comportar conforme seu repertório fora desenvolvido, discriminando relações sociais como potencialmente coercitivas, e mesmo que o terapeuta não critique ou agrida pode ser que ele tenha um padrão que busque se defender. Esta é a forma como o indivíduo conseguiu sobreviver ao seu mundo e talvez seja o melhor que este consiga fazer no momento. Em outras terapias esta forma de responder em sessão poderia ser chamada de resistência (Guilhardi, 1998); em FAP este padrão, quando ocorre na interação com o psicoterapeuta, é denominado Comportamento Clinicamente Relevante tipo 1 (CCR1), enquanto a mudança para um repertório mais efetivo para as metas do cliente é chamado de CCR2 (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Holman, & Loudon, 2012) (para uma revisão ler Villas-Boas, 2013).

Mudar é possível, mas não é fácil

Uma das primeiras descobertas durante o processo terapêutico é a de que um novo mundo menos coercitivo é possível, e que é o próprio cliente quem tem o poder de mudá-lo. No entanto, para mudar o mundo é preciso mudar a si próprio, e é neste ponto que surge o primeiro obstáculo a ser ultrapassado: mudar não é fácil. Mudar exige, primeiramente, compreender quais as variáveis estão ou estiveram associadas ao padrão problemático de resposta e então terá acesso às ferramentas necessárias para modificar estas variáveis, mas terá que desenvolvê-las: é necessário construir um novo padrão comportamental e para isto o próprio setting terapêutico deve servir como um contexto propício para treinar este novo repertório (Tsai et al., 2012).

Mudar envolver perceber que novas formas de perceber um problema existem, e que nem sempre nossas antigas estratégias são as mais efetivas.

Treinar um novo padrão comportamental é como aprender a andar, e muitas quedas são esperadas. No entanto, a expectativa de que não se deveria falhar pode gerar sofrimento mesmo que o sujeito nem tenha experimentado um novo padrão comportamental e uma nova contingência criada a partir de seus esforços. Estas autorregras podem impedir o contato com a contingência, ou até mesmo discriminar rotas de fuga ao invés de rotas de crescimento! Assim sendo, o cliente chega à terapia com muitas suposições acerca dos seus problemas de vida e das fórmulas para resolver. Por sua vez, o terapeuta treinado busca perceber estas dificuldades em uma perspectiva própria, embasado na sua experiência profissional e conhecimento teórico (Guilhardi, 1998). No entanto, geralmente as formas de perceber o problema não são congruentes. Muitas vezes o terapeuta justamente promoverá a consciência de quais repertórios são efetivos e quais não são, de acordo a história individual de cada cliente, o que na ACT é chamado de desesperança criativa (Hayes & Wilson, 1994; Polk, Schoendorff, Webster, & Olaz, 2016). Isto, no entanto, pode gerar algum grau de sofrimento, afinal o mais confortável é manter o mesmo padrão, a conhecida zona de conforto. Quando existe a indicação da necessidade da mudança na terapia – ou seja quando as variáveis controladoras do comportamento do cliente se alteram – pode ser que o cliente acabe reagindo em oposição a esta mudança, de forma a contracontrolar o terapeuta (Guilhardi, 1998). No entanto, por mais difícil que pareça mudar, compreender que o padrão atual não está funcionando de acordo com as metas de vida é um dos primeiros passos para se criar um espaço de mudança (Polk et al., 2016).

Muitas vezes uma pequena mudança já é uma grande mudança! Na FAP reforçar estas pequenas mudanças é crucial!

O desenvolvimento de novos repertórios na FAP se dá através, principalmente, da modelagem, através das cinco regras de FAP (Tsai et al., 2008). O papel do terapeuta será o de ficar atento (Regra 1) ao cliente em relação ao padrão associado às suas dificuldades  (CCR1) ou melhorias (CCR2) , possibilitar um espaço de mudança e evocar novas formas de se comportar (Regra 2) e reforçar naturalmente o padrão de melhoras do cliente, associado às suas metas (Regra 3). Com o passar do tempo o terapeuta e o cliente vão juntos percebendo se a mudança em sessão está na direção esperada pelo cliente (Regra 4) e quando o repertório tiver sido desenvolvido, a generalização deste repertório poderá ser sugerida pelo terapeuta ou até mesmo ocorrer naturalmente  (Regra 5) (para aprofundamento das regras ler Camoleze, 2016). Deve-se ficar atento que frequentemente um CCR1 pode vir acompanhado de um CCR2, mesmo que pouco aparente. Perceber, valorizar e reforçar o CCR2 na presença do CCR1 pode ser a chave para criar poderosos repertórios que ajudem o cliente a mudar.

A mudança do terapeuta

Como dito anteriormente, não é apenas o cliente que pode apresentar dificuldades para a mudança. O terapeuta também pode, em algum dado momento, resistir a mudar e adaptar-se à contingência atual de seu cliente. O comportamento-problema do terapeuta, e que pode estar associado a uma rigidez nas suas intervenções é chamado, na FAP, de T1 (Tsai et al., 2012). Inúmeras variáveis podem estar relacionadas aos T1s, desde repertório terapêutico restrito para um cliente em questão, regras desadaptativas que podem gerar insegurança em utilizar a FAP, “pontos cegos” (contextos terapêuticos em que o profissional tem dificuldade em discriminar a atual contingência), preconceitos e até mesmo algum contexto crítico externo à terapia que a esteja afetando (Guilhardi, 1998; Holman et al., 2017; Kanter, Tsai, & Kohlenberg, 2010).

Workshops em FAP no modelo ACL (Consciência, Coragem e Amor) podem ajudar a desenvolver as competências necessárias para ajudar os clientes a criar novas contingências mais reforçadoras

Por sua vez, o comportamento terapêutico do terapeuta (T2) pode ser treinado. Algumas estratégias podem ser desenvolvidas no sentido de auxiliar o terapeuta a flexibilizar-se. O treinamento através dos workshops em FAP é uma forma de poder desenvolver repertório terapêutico (Fonseca, 2016; Kohlenberg, Kanter, Bolling, Parker, & Tsai, 2002) assim como o é se utilizar supervisão com um profissional mais experiente (Holman et al., 2017). A formulação de caso baseada em um profundo conhecimento teórico, (Tsai et al., 2008) também pode trazer mais consciência durante a sessão, promovendo a clareza de quais variáveis podem estar impactando em seu comportamento com o cliente e vice-e-versa. Por sua vez, é indicado para o terapeuta que ele também busque sua própria terapia para lidar com suas demandas e também para experienciar ele próprio a mudança que espera que seus clientes possam experimentar.

Um mundo diferente é possível

Ahh, a mudança!

Transformar-se é, essencialmente, mudar seu próprio mundo. É poder criar um espaço que promova a criação do acesso aos reforçadores de maior magnitude e que estimule a flexibilidade para lidar efetivamente em inúmeros contextos, especialmente interpessoais. Importante salientar as terapias embasadas no Behaviorismo Radical, no Contextualismo Funcional e no Modelo Biossocial são essencialmente focadas no processo de mudança e suas variáveis (Guilhardi, 1998; Hayes, 2004; Holman et al., 2017; Linehan, 2014). A análise do comportamento é um modelo de ciência que versa sobre o que gera e mantém a mudança (Skinner, 1953). Desta forma o terapeuta comportamental deve estar constantemente comprometido com o desenvolvimento de repertórios que favoreçam o acesso a novos reforçadores.

Por fim, é importante salientar o compromisso que o terapeuta deve ter com a diversidade de valores e a particularidade de seus clientes (Kanter et al., 2010). A compreensão de que o que reforça um determinado cliente é diferente do que reforça outro cliente e a si próprio é condição para um trabalho ético e efetivo. A mudança diz respeito ao que um cliente particular deseja, e não ao que o terapeuta acredita ser o “correto” a ser feito. Obviamente os valores do terapeuta não são deixados de fora da equação, podendo até mesmo ser discutidos com o cliente (Tsai et al., 2008); no entanto  estes não devem prevalecer em  relação ao mundo que este deseja criar. Afinal de contas, é o cliente que viverá os efeitos de sua própria mudança da porta para fora do consultório.

Referências

Camoleze, M. (2016). FAP – o modelo ACL e a mudança de comportamentos na vida do cliente. Recuperado de https://comportese.com/2016/09/fap-o-modelo-acl-e-a-mudanca-de-comportamentos-na-vida-cliente

Ferster, C. B. (1973). A functional analysis of depression. American Psychologist, 28(10), 857–870. https://doi.org/10.1037/h0035605

Fonseca, N. M. da. (2016). Efeitos de workshop de psicoterapia analítica funcional sobre habilidades terapêuticas. Universidade de São Paulo. Recuperado de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-26092016-112306/

Guilhardi, J. H. (1998). A resistência do cliente à mudança. Instituto de Terapia Por Contingências de Reforçamento.

Hayes, S. C. (2004). Acceptance and Commitment Therapy and the New Behavior Therapies: Mindfulness, Acceptance, and Relationship. In S. C. Hayes, V. M. Follette, & M. M. Linehan (Orgs.), Mindfulness and acceptance: Expanding the cognitive-behavioral tradition (p. 1–29). New York, NY, US: Guilford Press.

Hayes, S. C., & Wilson, K. G. (1994). Acceptance and commitment therapy: Altering the verbal support for experiential avoidance. The Behavior Analyst, 17(2), 289–303.

Holman, G. I., Kanter, J., Tsai, M., Kohlenberg, R. J., & Hayes, S. C. (2017). Functional Analytic Psychotherapy Made Simple (1o ed). Oakland, CA: New Harbinger Publications.

Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. J. (2010). The Practice of Functional Analytic Psychotherapy. Springer Science & Business Media.

Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Bolling, M. Y., Parker, C. R., & Tsai, M. (2002). Enhancing cognitive therapy for depression with functional analytic psychotherapy: Treatment guidelines and empirical findings. Cognitive and Behavioral Practice, 9(3), 213–229. https://doi.org/10.1016/S1077-7229(02)80051-7

Linehan, M. M. (2010). Terapia Cognitivo-Comportamental para Transtorno da Personalidade Borderline. (R. C. Costa, Trad.). Porto Alegre: Artmed.

Linehan, M. M. (2014). DBT® Skills Training Handouts and Worksheets: Second Edition (2o ed). The Guilford Press. Recuperado de http://www.guilford.com/books/DBT-Skills-Training-Handouts-and-Worksheets/Marsha-Linehan/9781572307810

Miller, W. R., & Seligman, M. E. P. (1975). Depression and Learned Helpless in Man. Journal of Abnormal Psychology, 84(3), 228–238.

Polk, K. L., Schoendorff, B., Webster, M., & Olaz, F. O. (2016). The essential guide to the ACT Matrix: a step-by-step approach to using the ACT Matrix model in Clinical Practice. Oakland, CA, USA: New Harbinger Publications.

Sidman, M. (2011). Coerção e suas Implicações. São Paulo: Livro Pleno.

Skinner, B. F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Holman, G. I., & Loudon, M. P. (2012). Functional Analytic Psychotherapy: Distinctive Features. Routledge.

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette, W. C., & Callaghan, G. M. (2008). A Guide to Functional Analytic Psychotherapy: Awareness, Courage, Love, and Behaviorism. Springer Science & Business Media.

Villas-Boas, A. (2013). FAP e seus paralelos. Recuperado de https://comportese.com/2013/03/fap-e-seus-paralelos

5 2 votes
Classificação do artigo

Escrito por Jonatas Passos

Psicólogo pela ULBRA e Mestre em Psicologia pela UFRGS. Possui formação em Terapias Comportamentais e Cognitivas (AMBAN - USP) e Terapia Comportamental Dialética (pelo Behavior Tech) e é especialista em Terapias Comportamentais Contextuais - ênfase FAP e ACT (CEFI / CIPCO). É psicoterapeuta nas abordagens FAP, ACT e DBT! Tem interesses em análise do comportamento e suas aplicações e neurociências, tendo ministrado aulas como professor convidado (InTCC, Unisinos, UFRGS, UFCSPA, IMED, dentre outras) sobre FAP, ACT e terapias comportamentais contextuais e conceitos básicos em análise do comportamento.

Confira! Murray Sidman fala sobre a importância dos estudos de caso

O PAPEL DO AT ESCOLAR NA VISÃO DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO