O que é Desregulação Emocional 2? O Modelo Biossocial – Vulnerabilidade Emocional

Queridos leitores dessa coluna de Terapia Comportamental Dialética (DBT) do portal “Comporte-se”, no último texto aqui publicado, começou-se a elaborar uma explicação de um dos conceitos mais utilizados hoje em psicoterapia que é o da Desregulação Emocional. Esse último artigo definiu as bases conceituais apresentando uma série de exemplos para que o leitor tivesse uma boa compreensão do que é Desregulação Emocional, assim como, diferenciou o que é a Desregulação Emocional natural que ocorre na vida de todas as pessoas do que é Desregulação Emocional Global. Pois bem, esse texto irá iniciar a explicação de como ocorre a etiologia da Desregulação Emocional Global através do Modelo Biossocial.

FIRE EMOTION VULNERABILIDADE EMOCIONAL

O Modelo Biossocial, desenvolvido por Linehan, trata-se de uma proposta teórica altamente parcimônica que visa explicar o desenvolvimento da Desregulação Emocional Global. Assim sendo, o Modelo Biossocial é composto por apenas duas variáveis, uma biológica, a qual chama-se Vulnerabilidade Emocional e a outra ambiental, a qual denomina-se Ambientes Invalidantes. Contudo, cabe salientar que o Modelo Biossocial não se trata de uma teoria interacionista. Ou seja, não é a simples presença dessas duas variáveis que definirá a presença ou não da Desregulação Emocional Global. Essa abordagem teórica caracteriza-se sim como um modelo transacional. Isso significa que para o surgimento da Desregulação Emocional Global é necessário que ao longo do desenvolvimento as duas variáveis (Vulnerabilidade Emocional e Ambientes Invalidantes) se reforcem mutuamente. Assim sendo, essa complexa transação, entre essas duas variáveis, acabaria por aumentar tanto a Vulnerabilidade Emocional quanto a presença de invalidações (Dornelles & Sayago, 2015).

Porém antes de observar-se a complexa transação entre essas variáveis é importante que se tenha uma definição adequada do que se entende por Vulnerabilidae Emocional e por Ambientes Invalidantes. Aqui cabe colocar ao leitor que o objetivo desse texto é tão somente explicar adequadamente a Vulnerabilidade Emocional e as suas características. No próximo artigo dessa série é que se encontrará a definição de Ambientes Invalidantes, assim como, das consequências da exposição a esses ambientes. Bom, voltando ao foco do presente texto, Vulnerabilidade Emocional refere-se ao quanto cada uma de nós é vulnerável ao próprio processamento emocional. Trata-se de uma característica geral de todas as pessoas, tendo em vista, que todos temos emoções, e das funções que esse processamento emocional tem para nós e para os outros (Linehan, 2015).

Como pode-se observar, é impossível falar de Vulnerabilidade Emocional, sem acabar falando sobre as emoções. Desse ponto de vista é notório que para fins acadêmicos seria aqui importante diferenciarmos emoções de sentimentos, como faz brilhantemente Antônio Damásio em seu trabalho (Damásio, 2003; 2011). Contudo, para fins didáticos e para a melhor compreensão dos pacientes sobre os conceitos trabalhados, a DBT adota o termo “emoção” englobando tanto as emoções quantos os sentimentos. Nesse sentido o modelo de emoções apresentado pela DBT coloca que o processamento emocional é um complexo sistema, o qual podemos dividir em 5 subsistemas que são de uso prático para o aprendizado e a compreensão da regulação emocional. Esses subsistemas são: 1) vulnerabilidade emocional aos estímulos, 2) eventos públicos ou privados, que servem como pistas emocionais, incluindo a atenção e a avaliação das pistas 3) respostas emocionais, incluindo as reações fisiológicas, o processamento verbal privado, as respostas experienciais e o impulso de ação e 4) respostas e expressões verbais e não verbais, e 5) as consequências da “queima” da emoção inicial, incluindo o desenvolvimento de emoções secundárias como mostra a figura 1 abaixo (Linehan, Bohus & Lynch, 2006).

modelo emoções dbt

Essas variáveis que compõe o processamento emocional estão intimamente atreladas as funções que as emoções possuem e servem como norte para o entendimento do que é de fato Vulnerabilidade Emocional. Assim sendo, o primeiro ponto crucial de ser entendido é que as emoções organizam e motivam a nossa ação. O impulso para a ação de comportamentos manifestos está conectado diretamente de forma biológica a emoções específicas. Isso muitas vezes acaba economizando tempo, pois as emoções tornam não totalmente necessário que pensemos em todas as situações. Tal aspecto fica mais evidente quando se pensa em emoções intensas, as quais muitas vezes podem acabar nos auxiliando a superar dificuldades tanto no ambiente quanto na nossa mente (Linehan, 2015; Dornelles & Alano, no prelo).

Outro ponto fundamental de compreensão do processamento emocional é que as emoções influenciam as outras pessoas. As emoções possuem expressões faciais específicas que comunicam aos outros, tanto ou mais, que a comunicação verbal. Assim sendo, as expressões faciais emocionais afetam a forma como os outros se comportam, mesmo não sendo algo intencional. A nossa postura, tom de voz e expressões faciais comunicam e alteram o observador direcionando a forma como eles julgam e tomam decisões. Sendo assim, resumindo o tópico em questão, é notório que a função social é outra característica realmente importante das emoções.

Por fim, a terceira grande função do processamento emocional é que ele nos comunica e nos influencia, tendo em vista que as reações emocionais funcionam como importantes pistas ou alertas das situações que estão ocorrendo. Ou seja, elas acabam direcionando a nossa interação dentro dos contextos ambientais, verbais e relacionais (Linehan, 2015).

Uma vez que se tenha claro a importância e as funções do processamento emocional fica mais evidente o entendimento da Vulnerabilidade Emocional e a compreensão do porquê todos nós somos vulneráveis em algum grau ao nosso processamento emocional. Isso fica evidente porque – como já foi explicado – existe um valor biológico relacionado com a regulação da vida da existência das emoções em si[1]. Assim, todos nós somos influenciados pelo nosso processamento emocional e todos temos um limiar específico de ativação das emoções assim como uma vulnerabilidade emocional característica.

O que acontece com pessoas que tenhas Desregulação Emocional Global é que elas possuem uma Vulnerabilidade Emocional acentuada, levando a estados emocionais realmente intensos, os quais naturalmente são difíceis de regular. Para a observação precisa disso é necessária a compreensão das três variáveis que compõe a Vulnerabilidade Emocional as quais são: 1) sensibilidade aumentada aos estímulos emocionais, 2) resposta intensa ao estímulo emocional e 3) lento retorno ao estado de calma. Obviamente que a proposição dessas três características leva em conta a comparação da Vulnerabilidade Emocional de pacientes com Desregulação Emocional Global com aquela observada na população geral. Porém, antes mesmo de avançar dentro do entendimento dessas 3 variáveis cabe considerar, muito embora possa parecer óbvio, que toda a ativação emocional possui um início, meio e fim e que na verdade as emoções podem ser comparadas metaforicamente a ondas. Ou seja, o conceito de Vulnerabilidade Emocional disserta sobre a formação, a intensidade e a duração dessa onda como evidencia a figura 2 (Linehan, 2015).

VULNERABILIDADE EMOCIONAL

Assim sendo, o primeiro ponto que se observa na Vulnerabilidade Emocional é a sensibilidade aumentada aos estímulos emocionais. Em estudos sobre a identificação de faces emocionais partido de faces neutras para extremamente emocionais, pacientes com Transtorno da Personalidade Borderline (os quais possuem Desregulação Emocional Global) mostraram-se substancialmente mais sensíveis em perceber e reconhecer precocemente as expressões faciais emocionais em geral (Linehan, Bohus & Lynch, 2006). Esses dados corroboram essa natureza do processamento emocional desses pacientes de naturalmente responderem de forma mais rápida aos estímulos emocionais (Linehan, 2010).

O Segundo aspecto observado da Vulnerabilidade Emocional é a resposta intensa aos estímulos emocionais. Isso significa que uma vez que a resposta emocional seja ativada nesses pacientes eles possuem uma tendência em desenvolver respostas emocionais realmente mais intensas que a média geral da população (Dornelles & Sayago, 2015).  Estudos neurobiológicos têm dado amplo suporte para essa característica evidenciando a relação entre essa intensidade emocional elevada e alterações estruturais e funcionais do circuito fronto-límbico[2]. Assim como observa-se, tanto em estudos elaborados com gêmeos quando os que avaliam polimorfismos genéticos, uma forte base científica para sustentar essa característica da resposta intensa frente aos estímulos emocionais[3]. Ou seja, existe um ampla gama de evidências científicas que demonstram exatamente esse componentes de respostas mais intensas, o que naturalmente dificulta a aplicação de estratégias de regulação emocional desses pacientes o que muitas vezes os acaba levando a entrarem em um ciclo de crises contínuas. No qual um comportamento específico para lidar com uma situação que ativou emocionalidade mais intensa acaba gerando novos problemas com maior intensidade emocional e assim sucessivamente (Linehan, Bohus & Lynch, 2006).

Por fim a terceira característica definidora da Vulnerabilidade Emocional é um lento retorno ao estado de calma. Essa característica acaba deixando os pacientes mais vulneráveis a novas pistas emocionais, fazendo com que reajam intensamente em cadeia. Isso denota que esses pacientes possuem naturalmente uma dificuldade em reduzir a ativação[4] do seu próprio processamento emocional (Linehan, Bohus & Lynch, 2006). Ou seja, esses pacientes acabam ficando naturalmente mais vulneráveis, tanto a novas ativações ou exacerbações dos seus processamentos emocionais quanto a execução de ações intensas e impulsivas governadas pelas suas mentes emocionais (Linehan, 2010). A Figura 3 evidencia bem a relação entre a Vulnerabilidade Emocional e a Desregulação Emocional Global

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Concluindo, não é difícil de se imaginar que a Vulnerabilidade Emocional realmente seja um fator de risco importante para a formação da Desregulação Emocional Global. De fato, essa variável tem um papel fundamental ao longo de toda a complexa transação que levará ou não a formação da Desregulação Emocional Global. Contudo, é fundamental compreender que essa característica por si só não é patogênica e que pessoas com Vulnerabilidade Emocional que possuam boas estratégias de Regulação Emocional podem se tornar pessoas muito efetivas em seus contextos ambientais. Ou seja, Vulnerabilidade Emocional por si só não significa um traço patológico. É necessário que para a formação dessa Desregulação Emocional Global se tenha uma complexa transação dessa variável biológica com a variável ambiental dos Ambientes Invalidantes (Linehan, 2010; 2015). Nesse sentido não percam o próximo artigo que fará o fechamento dessa série explicitando o que são os Ambientes Invalidantes, quais são as suas consequências e como finalmente a complexa transação entre essas variáveis formará a Desregulação Emocional Global e o efeito em cascata decorrente desse processo.

[1] Para a melhor compreensão dos conceitos de valor biológico e de regulação da vida recomenda-se a leitura de Damásio, A. R. (2011) E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras.

[2] Para aprofundamento deste ponto específico recomenda-se a leitura de: 1) Chanen, A. M., & Kaes, M. (2012). Developmental pathways to Borderline Personality Disorder. Curr Psychiatry Rep, 14, 45-53.  2) Hughes, A. E., Crowell, S. E., Uyeji, L., & Coan, J. A. (2012) A developmental neuroscience of borderline pathology: emotion dysregulation and social baseline theory. J Abnorm Child Psychol, 40 (1), 21-33.

[3] Para o aprofundamento deste ponto sugere-se a leitura de: Amad, A., Ramoz, N. Thomas, P., Jardri, R., & Gorwood (2014). Genetics of borderline personality disorder: systematic review and proposal of na integrative model. Neuroscience and Behavioral Reviews, 40, 6-19.

[4] O termo ativação usado aqui refere-se a uma tentativa de tradução do termo “arousal” que não possui uma tradução adequada para o português.

Referências:

Dornelles, V. G.; & Alano, D. (no prelo). Terapia comportamental dialética (DBT). In: Procognitiva. Porto Alegre: Artmed

Dornelles, V. G., & Sayago, C. B. W. (2015).Terapia comportamental dialética: princípios e bases do tratamento. In: Lucena-Santos, P., Pinto-Gouveia, J., & Oliveira, M. S. Terapias comportamentais  de terceira geração. Novo Hamburgo: Sinopsys

Linehan, M . M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre: Artmed.

Linehan, M. M., Bohus, M., & Lynch, T. R. (2006). Dialectical behavior therapy for pervasive emotion dysregulation: theoretical and practical underpinnings. In: Gross, J. Handbook of emotion regulation. New York: The Guilford Press

Linehan, M. M. (2015). DBT skills training manual. New York: The Guilford Press

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Classificação do artigo

Escrito por Vinicius Dornelles

Psicólogo (PUCRS); Mestre em Psicologia (PUCRS); Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais; Formação em Tratamentos Baseados em Evidênvias para o Transtorno da Personalidade Borderline (Fundación FORO - Argentina); Concluindo o Dialectical Behavior Therapy (DBT): Intensive Training (Behavioral Tech - EUA, Fundación FORO - Argentina); Sócio da International Society for the Study of Personality Disorders (ISSPD); Professor da faculdade de Psicologia da UNISINOS; Coordenador e professor da Especialização em Terapias Comportamentais Contextuais (InTCC); Professor e Supervisor da Especialização em Terapias Cognitivo-Comportamentais (InTCC); Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Personalidade (GEP)

Dica de leitura: Contribuições de B. F. Skinner para o estudo do desenvolvimento humano

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